quarta-feira, 17 de março de 2010

ALEXANDRE DE MORAES CAP. 4 até 9

4


 

TUTELA CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES


 

1 HABEAS CORPUS


 

1.1 Origem


 

O instituto do habeas corpus tem sua origem remota no Direito Romano, pelo qual todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada que se chamava interdictum de libero homine exhibendo. Ocorre, porém, que a noção de liberdade da antigüidade e mesmo da Idade Média em nada se assemelhava com os ideais modernos de igualdade, pois, como salientado por Pontes de Miranda, naquela época, "os próprios magistrados obrigavam homens livres a prestar-lhes serviços".

A origem mais apontada pelos diversos autores é a Magna Carta, em seu capítulo XXIX, onde, por pressão dos barões, foi outorgada pelo Rei João Sem Terra em 19 de junho de 1215 nos campos de Runnymed, na Inglaterra. Por fim, outros autores apontam a origem do habeas corpus no reinado de Carlos II, sendo editada a Petition of Rights que culminou com o Habeas Corpus Act de 1679. Mas configuração plena do habeas corpus não havia, ainda, terminado, pois até então, somente era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses. Em 1816, o novo Habeas Corpus Act inglês ampliou o campo de atuação e incidência do instituto, para colher a defesa rápida e eficaz da liberdade individual.

No Brasil, embora introduzido com a vinda de D. João VI, quando expedido o Decreto de 23-5-1821, referendado pelo Conde dos Arcos e implícito na Constituição Imperial de 1824, que proibia as prisões arbitrárias e nas codificações portuguesas, o habeas corpus surgiu expressamente no direito pátrio no Código de Processo Criminal de 29-11-1832, e elevou-se a regra constitucional na Carta de 1891, introduzindo, pela primeira vez, o instituto do habeas corpus.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada em 10 de dezembro de 1948, estabeleceu no seu art. 8.°:

"Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo ante os tribunais competentes que a ampare contra atos violatórios de seus direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição e pelas leis".

Como anota Alcino Pinto Falcão


 

"a garantia do habeas corpus tem um característico que a distingue das demais: é bem antiga mas não envelhece. Continua sempre atual e os povos que a não possuem, a rigor não são livres, não gozam de liberdade individual, que fica dependente do Poder Executivo e não da apreciação obrigatória, nos casos de prisão, por parte do juiz competente".


 

1.2 Conceito e finalidade


 

A Constituição Federal prevê no art. 5.°, LXVIII, que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

O sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão-somente à pessoa física.

Habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o Tribunal concedia e era endereçado a quantos tivessem em seu poder ou guarda o corpo do detido, da seguinte maneira: "Tomai o corpo desse detido e vinde submeter ao Tribunal o homem e o caso". Também se utiliza, genericamente, a terminologia writ, para se referir ao habeas corpus. O termo writ é mais amplo e significa, em linguagem jurídica, mandado ou ordem a ser cumprida.

Portanto, o habeas corpus é uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção em sentido amplo - o direito do indivíduo de ir, vir e ficar.

Ressalte-se que a Constituição Federal, expressamente, prevê a liberdade de locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (CF, art. 5.°, XV). A lei exigida pelo referido inciso deverá regulamentar tanto as restrições ao direito de locomoção interna, em tempo de guerra, quanto ao direito de locomoção através das fronteiras nacionais em tempo de guerra ou paz, uma vez que o direito de migrar é sujeito a maiores limitações.

Como ressalta porém Pontes de Miranda no tocante à abrangência do instituto, "a ilegalidade da prisão pode não consistir na prisão mesma, porém no processo do acusado, que corra, por exemplo, perante juiz incompetente" e conclui que o Supremo Tribunal Federal "concedera a ordem de habeas corpus, não para que se soltasse o réu, e sim para que fosse processado por juiz competente, anulando-se a sentença condenatória, se houvesse, e todo o processado".

Essa é a tendência atual do habeas corpus, que é meio idôneo para garantir todos direitos do acusado e do sentenciado relacionados com sua liberdade de locomoção, ainda que pudesse, como salienta Celso de Mello, "na simples condição de direito-meio, ser afetado apenas de modo reflexo, indireto ou oblíquo".

O habeas corpus não poderá ser utilizado para a correção de qualquer inidoneidade que não implique coação ou iminência direta de coação à liberdade de ir e vir, assim, por exemplo, não caberá habeas corpus para questionar pena pecuniária.

Na apreciação de habeas corpus, o órgão competente para seu julgamento não está vinculado à causa de pedir e pedido formulados. Havendo, pois, a convicção sobre a existência de ato ilegal não veiculado pelo impetrante, cumpre-lhe afastá-lo, ainda que isto implique concessão de ordem em sentido diverso do pleiteado, conforme depreende-se do art. 654, § 2.°, do Código de Processo Penal.

Assim, na defesa da liberdade de locomoção, cabe ao Poder Judiciário considerar ato de constrangimento que, não tenha sido apontado na petição inicial . Da mesma forma, pode atuar no tocante à extensão da ordem, deferindo-a aquém ou além do que pleiteado.


 

    Ainda em defesa da garantia de liberdade de locomoção, concedida ordem de habeas corpus com base em motivos que não sejam exclusivamente de ordem pessoal, deve ser estendida aos co-réus na conformidade do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal.

Em sede de habeas corpus inexiste a possibilidade de reexame da análise probatória ou mesmo de dilação probatória visando reparar-se erro judiciário, em face de seu caráter sumaríssimo . Desta maneira, o habeas corpus mostra-se inidôneo para anular sentença com trânsito em julgado, ao argumento de que seria contrária à evidência dos autos, pois implica no reexame de toda a prova. A via indicada é a revisão criminal. Excepcionalmente, porém o habeas corpus presta-se para corrigir erro manifesto da sentença na fixação da pena.


 

Não se conhece, em regra, de habeas corpus cujos fundamentos sejam mera repetição das razões utilizadas em impetração anterior, já indeferida . Tendo, porém, o Superior Tribunal de Justiça, em caráter excepcional, concedido liminar negada em outro habeas corpus quando o ato coator apresente manifesta ilegalidade, com efeitos danosos irreparáveis.


 

1.3 Natureza jurídica


 

O habeas corpus é uma ação constitucional de caráter penal e de procedimento especial, isenta de custas e que visa evitar ou cessar violência ou ameaça na liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Não se trata, portanto, de uma espécie de recurso, apesar de regulamentado no capítulo a eles destinado no Código de Processo Penal.


 

1.4 Garantia constitucional da liberdade de locomoção


 

A Constituição Federal consagra o direito à livre locomoção no território nacional em tempo de paz, autorizando diretamente a qualquer pessoa o ingresso, a saída e a permanência, inclusive com os próprios bens (CF, art. 5.°, XV) .

Em caso de guerra, contrario sensu do próprio texto constitucional, haverá possibilidades de maior restrição legal que, visando à segurança nacional e à integridade do território nacional, poderá prever hipóteses e requisitos menos flexíveis.

O direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana, como já salientado por Pimenta Bueno, em comentário à Constituição do Império, no qual ensinava que, "posto que o homem seja membro de uma nacionalidade, ele não renuncia por isso suas condições de liberdade, nem os meios racionais de satisfazer a suas necessidades ou gozos. Não se obriga ou reduz à vida vegetativa, não tem raízes, nem se prende à terra como escravo do solo. A faculdade de levar consigo seus bens é um respeito devido ao direito de propriedade".

Esse raciocínio é complementado por Canotilho e Moreira, ao afirmarem que "a liberdade de deslocação interna e de residência e a liberdade de deslocação transfronteiras constituem, em certa medida, simples corolários do direito à liberdade" e por Paolo Barile, que relaciona esse direito com a própria dignidade e personalidade humanas.

Dessa forma, podemos concluir que a liberdade de locomoção engloba quatro situações:

• direito de acesso e ingresso no território nacional;

• direito de saída do território nacional;

• direito de permanência no território nacional;

• direito de deslocamento dentro do território nacional.

A destinação constitucional do direito à livre locomoção abrange tanto os brasileiros quanto os estrangeiros, sejam ou não residentes no território nacional, conforme já estudado no item 4 do Capítulo 3, sobre os destinatários dos direitos e garantias individuais consagrados no art. 5.° da CF.

    Trata-se, porém, de norma constitucional de eficácia contida, cuja lei ordinária pode delimitar a amplitude, por meio de requisitos de forma e fundo, nunca, obviamente, de previsões arbitrárias. Assim, poderá o legislador ordinário estabelecer restrições referentes a ingresso, saída, circulação interna de pessoas e patrimônio.

Conforme proclamou o Superior Tribunal de Justiça, "a liberdade é indisponível no Estado de Direito Democrático;" não cabendo a nenhuma autoridade, inclusive do Executivo e Judiciário, "assenhorar-se das prerrogativas do Legislativo, criando novas formas inibidoras ao direito de ir e vir, sem a devida fundamentação e forma prescrita em lei".

Além disso, o próprio texto constitucional, em hipótese excepcional, limita o direito de locomoção, ao prever no art. 139 a possibilidade de na vigência do estado de sítio decretado, ser fixada obrigação de as pessoas permanecerem em localidade determinada.


 

    

1.5 Legitimidade ativa


 

A legitimidade para ajuizamento do habeas corpus é um atributo de personalidade, não se exigindo a capacidade de estar em juízo, nem a capacidade postulatória, sendo uma verdadeira ação penal popular.

Assim, qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, independentemente de capacidade civil, política, profissional, de idade, sexo, profissão, estado mental, pode fazer uso do habeas corpus, em benefício próprio ou alheio (habeas corpus de terceiro). Não há impedimento para que dele se utilize pessoa menor de idade, insana mental, mesmo sem estarem representados ou assistidos por outrem. O analfabeto, também, desde que alguém assine a petição a rogo, poderá ajuizar a ação de habeas corpus.

A impetração de habeas corpus, pela própria parte, a seu favor ou de terceiro, conforme possibilita o art. 554 do Código de Processo Penal, não fere o disposto no art. 133 da Carta Magna, posto que esse dispositivo não obriga o patrocínio judicial por advogado, pois, sua interposição há que ser feita à luz do princípio do direito de defesa assegurada constitucionalmente (art. 5.°, LV) que inclui, sem sombra de dúvida, o direito

à autodefesa.

A impetração de habeas corpus por pessoa jurídica divide a doutrina e jurisprudência, ora incluindo-as como legitimadas, ora excluindo-as por ausência de previsão constitucional. Conforme já salientamos ao analisar o caput do art. 5.° da Constituição Federal, a pessoa jurídica deverá usufruir de todos os direitos e garantias individuais compatíveis com sua condição. Dessa forma, nada impede que ela ajuíze habeas corpus em favor de terceira pessoa ameaçada ou coagida em sua liberdade de locomoção.


 

    

Assim, concluímos com a possibilidade de o habeas corpus ser impetrado por pessoa jurídica, em favor de pessoa física.

O promotor de justiça pode, igualmente, na qualidade de órgão do Ministério Público, impetrar habeas corpus, tanto perante o juízo de primeiro grau, quanto perante os tribunais locais, conforme expressamente prevê o art. 32 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n.° 8.625, de 12-2-1993) . Diferente é o caso do magistrado que, na qualidade de Juiz poderá concedê-lo de ofício, não poderá jamais impetrar habeas corpus.


 

    

    Em relação aos membros do Ministério Público, importante ressaltar que apesar de disporem genericamente de legitimidade ativa ad causam para o ajuizamento da ação constitucional de habeas corpus em favor de terceiros , no caso concreto deverá ser analisada a finalidade buscada pelo Parquet. Assim, o citado writ nunca poderá ser utilizado para tutela dos direitos estatais na persecução penal, em prejuízo do paciente, com claro desvio de sua finalidade de tutelar a liberdade de locomoção do paciente, sob pena de não conhecimento do pedido. Desta forma, para certificar-se da fiel observância finalística do habeas corpus impetrado pelo Ministério Público, deverá o paciente manifestar-se previamente, para que esclareça se está ou não de acordo com a impetração. Conforme decidiu o Pretório Excelso, "a impetração do habeas corpus, com desvio de sua finalidade jurídico-constitucional, objetivando satisfazer, ainda que por via reflexa, porém de modo ilegítimo, os interesses da acusação, descaracteriza a essência desse instrumento exclusivamente vocacionado a proteção da liberdade individual".


 


 

A impetração de habeas corpus por estrangeiros em causa própria é inquestionável, uma vez que essa ação constitucional pode ser utilizada por qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica resultante de sua origem nacional, porém, exige-se que a petição esteja redigida em português, sob pena de não-conhecimento do writ constitucional.

Ainda em relação à impetração do habeas corpus, o Supremo Tribunal Federal admite-a mediante fax, condicionando seu conhecimento a que seja ele ratificado pelo impetrante no prazo concedido pelo Ministro-relator. O Superior Tribunal de Justiça, com base em sua orientação predominante, editou a Resolução n.° 43, de 23-10-1991, do Tribunal Pleno (Diário da Justiça, 24 out. 1991), autorizando a recusa do peticionamento formulado via fax, sem a devida autenticação dos originais .


 

Entende-se, também, que não há possibilidade de impetração apócrifa, não assinada pelo impetrante e que não contenha qualquer autenticação.

Por fim, saliente-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a possibilidade jurídico processual do impetrante desistir da ação de habeas corpus .


 


 

1.6 Legitimidade passiva


 

O habeas corpus deverá ser impetrado contra o ato do coator, que poderá ser tanto autoridade (delegado de polícia, promotor de justiça, juiz de direito, tribunal etc.) como particular. No primeiro caso, nas hipóteses de ilegalidade e abuso de poder, enquanto no segundo caso, somente nas hipóteses de ilegalidade.

Por óbvio, na maior parte das vezes, a ameaça ou coação à liberdade de locomoção por parte do particular constituirá crime previsto na legislação penal, bastando a intervenção policial para fazê-la cessar. Isso, porém, não impede a impetração do habeas corpus, mesmo porque existirão casos em que será difícil ou impossível a intervenção da polícia para fazer cessar a coação ilegal (internações em hospitais, clínicas psiquiátricas).


 

1.7 Hipóteses e espécies


 

1.7.1 Habeas corpus preventivo (salvo-conduto)


 

Quando alguém se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Assim, bastará, pois, a ameaça de coação à liberdade de locomoção, para a obtenção de um salvo-conduto ao paciente, concedendo-lhe livre trânsito, de forma a impedir sua prisão ou detenção pelo mesmo motivo que ensejou o habeas corpus. Pretende evitar o desrespeito à liberdade de locomoção.


 

1.7.2 Habeas corpus liberatório ou repressivo


 

Quando alguém estiver sofrendo violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. Pretende fazer cessar o desrespeito à liberdade de locomoção.


 

1.7.3 Liminar em habeas corpus


 

Em ambas as espécies haverá possibilidade de concessão de medida liminar, para se evitar possível constrangimento à liberdade de locomoção irreparável. Julio Fabbrini Mirabete lembra que


 

"embora desconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida nesse remédio jurídico, pela jurisprudência, a figura da `liminar', que visa atender casos em que a cassação da coação ilegal exige pronta intervenção do Judiciário. Passou, assim, a ser mencionada nos regimentos internos dos tribunais a possibilidade de concessão de liminar pelo relator, ou seja, a expedição do salvo conduto ou a ordem liberatória provisória antes do processamento do pedido, em caso de urgência",

concluindo que

"como medida cautelar excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos: o periculum in mora (probabilidade de dano irreparável) e o fumus boni iuris (elementos da impetração que indiquem a existência de ilegalidade no constrangimento)".


 

    

1.8 Possibilidade de supressão


 

Por tratar-se de cláusula pétrea (art. 60, § 4.°, IV), o habeas corpus não poderá ser suprimido do ordenamento jurídico, em nenhuma hipótese. Porém, em virtude das medidas de exceção previstas pelos arts. 136 (Estado de Defesa) e 139 (Estado de Sítio), o âmbito de atuação do habeas corpus poderá ser diminuído, inclusive com a permissão de prisões decretadas pela autoridade administrativa. Nunca, porém, suprimido.

Assim, o Estado de Defesa e o Estado de Sítio não suspendem a garantia fundamental do habeas corpus, mas diminuem sua abrangência, pois as medidas excepcionais permitem uma maior restrição legal à liberdade de locomoção, inclusive, repita-se, por ordem da autoridade administrativa.


 

1.9 Habeas corpus e assistente


 

A doutrina não permite a intervenção do assistente da acusação no processo de habeas corpus, tendo, porém, o Supremo Tribunal Federal, por votação majoritária, resolvendo questão preliminar, entendido legítima a intervenção na ação penal de habeas corpus, inclusive para fazer sustentação oral, do credor fiduciário, autor da ação civil de depósito.


 

1.10 Excesso de prazo


 

O habeas corpus poderá ser utilizado como meio processual adequado para cessar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do acusado-preso, decorrente de abusivo excesso de prazo para o encerramento da instrução processual penal.


 

    Não constitui constrangimento ilegal, sanável por meio de habeas corpus o razoável excesso de prazo ocorrido na instrução processual penal, por exigência da própria defesa em arrolar testemunhas residentes em comarcas diversas, ou em virtude do grande número de acusados, ainda mais quando a instrução teve curso regular.

Igualmente, não haverá excesso de prazo, sanável pelo referido writ, quando a dúvida sobre a competência para o processo e julgamento já houver sido dirimida.

Também a greve de serventuários da justiça configura força maior não ensejando alegação de excesso de prazo em sede de habeas corpus, devendo os prazos recomeçarem a fluir na data em que é publicado o ato pelo qual o tribunal comunica às partes e os procuradores a cessação da situação de anormalidade e a retomada do andamento dos processos.


 

1.11 Habeas corpus impetrado contra coação ilegal atribuída à Turma do Supremo Tribunal Federal


 

As decisões de qualquer das Turmas do Pretório Excelso são inatacáveis por habeas corpus, uma vez que a Turma quando profere julgamento, em matéria de sua competência, representa o próprio Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, a circunstância do objeto impugnado ser decisão emanada da própria Corte - órgão fracionário ou não - inviabiliza o ajuizamento do writ.


 

1.12 Habeas corpus contra ato único ou colegiado de tribunais regionais federais ou estaduais


 

A disciplina constitucional sobre a competência para o ajuizamento de habeas corpus contra ato único ou colegiado de tribunais regionais federais ou tribunais estaduais foi alterada pela Emenda Constitucional n.° 22, de 18 de março de 1999, que deixou de fazer diferenciação entre essas duas hipóteses.


 

Na vigência do texto original da Constituição, competia ao Superior Tribunal de Justiça conhecer, originariamente, de habeas corpus quando coator ou paciente fosse Desembargador do Tribunal de Justiça ou Juiz de Tribunal Regional Federal. Igualmente, apesar da ausência de previsão constitucional em relação aos juízes dos tribunais de alçada, uma vez que não estão arrolados entre as autoridades a que alude o art. 105, I, a da Constituição Federal, analogicamente, seria competente para processar e julgar os habeas corpus contra atos monocráticos daquelas autoridades, o Superior Tribunal de Justiça.

Tratando-se, entretanto, de ato de órgão colegiado ou do próprio Plenário de Tribunal Regional Federal ou Tribunais Estaduais, a competência para o habeas corpus, entendia a jurisprudência , era do Supremo Tribunal Federal.


 


 

Esse mesmo entendimento fixava a competência do STF para o julgamento de habeas corpus contra decisão que o presidente da câmara do Tribunal de Justiça houvesse tomado em nome do órgão colegiado por ele presidido.

Dessa forma, o entendimento anterior à Emenda Constitucional n.° 22/99, determinava ser competência do Superior Tribunal de Justiça o julgamento de habeas corpus impetrado contra decisão do relator ou ato único de Desembargador ou Juiz de Alçada, em tribunal local, ou de juiz do Tribunal Regional Federal, somente competindo ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os habeas corpus dirigidos contra ato de Colegiado.

As novas redações dos arts. 102, I, i ("Compete ao Supremo Tribunal Federal (...) processar e julgar originariamente o habeas corpus, quando o coator ou o paciente for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância"), e 105, I, c ("Compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea a, quando coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, ou Ministro de Estado, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral"), dadas pela Emenda Constitucional n.° 22, de 18 de março de 1999, alteraram esse posicionamento, pois unificaram a competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar originariamente o habeas corpus direcionado contra ato ou decisão provenientes dos Tribunais Regionais Federais ou dos Tribunais estaduais, independentemente de tratar-se de atos únicos ou de atos colegiados.


 


 

Portanto, o Supremo Tribunal Federal não mais possui competência para processar e julgar originariamente os habeas corpus dirigidos contra atos colegiados dos Tribunais Regionais Federais ou dos Tribunais estaduais. Essa competência passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, com a possibilidade de recurso ordinário constitucional dirigido ao STF, desde que a decisão seja denegatória (CF, art. 102, II, a).


 

    

Ao STF permanece a competência originária para os habeas corpus ajuizados em face dos Tribunais Superiores.

Nesse sentido, ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal já pacificaram o assunto.

Em questão de ordem, decidiu a 2.ª Turma do STF que: "O Supremo Tribunal Federal é competente para processar e julgar, originariamente, o habeas corpus quando o ato de coação emana de decisão colegiada de Tribunal Superior (art. 102, I, i, da Constituição, com a redação dada pelo art. 2.° da Emenda Constitucional n.° 22, de 1999). O Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, originariamente, o habeas corpus quando o ato de coação emana de decisão colegiada dos demais tribunais do País, ressalvada a competência do Tribunal Superior Eleitoral (art. 105, I, c, da Constituição, com a redação dada pelo art. 3.° da Emenda Constitucional n.° 22, de 1999) e a do Superior Tribunal Militar (art. 124, parágrafo único, da Constituição). Questão de ordem resolvida no sentido de proclamar a eficácia imediata das normas que dispõem sobre a competência (Emenda Constitucional n.° 22, de 1999) e declarar, em conseqüência, a incompetência superveniente do Supremo Tribunal Federal, visto que passou a ser competente o Superior Tribunal de Justiça, determinando-se a remessa dos autos".

Igualmente decidiu a 1.ª Turma do Pretório Excelso que: "A EC 22, de 18-3-99, deu nova redação aos arts. 102, I, i, e 105, I, c, da Constituição, de modo a transferir do Supremo Tribunal para o Superior Tribunal de Justiça, a competência originária para conhecer de habeas corpus contra coação imputada aos tribunais de segundo grau sujeitos à sua jurisdição. Essa a espécie e sendo a emenda constitucional de aplicabilidade imediata aos processos em curso, declino da competência do STF para o Superior Tribunal de Justiça, ao qual se remeterão os autos".


 

    

1.13 Habeas corpus contra ato ilegal imputado a promotor de justiça


 

Segundo entendimento pacífico no Supremo Tribunal Federal compete ao Tribunal de Justiça, em face dos arts. 96, III e 125, § 1.°, da Constituição Federal, processar e julgar habeas corpus contra ato ilegal imputado a promotor de justiça . Da mesma forma, se a coação for de membro do Ministério Público Federal que atue perante a 1.ª instância da Justiça Federal, a competência para o processo e julgamento do habeas corpus será do Tribunal Regional Federal.


 

    

1.14 Habeas corpus contra ato da Turma Recursal nos Juizados Especiais Criminais


 

As novas redações dos arts. 102, I, i, e 105, l, c, da Constituição Federal, dadas pela Emenda Constitucional n.° 22/99, devem alterar o posicionamento pacífico da jurisprudência de competir ao Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento do habeas corpus contra ato da Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais estaduais ou federais, previstos no art. 98, l, e parágrafo único, da CF, e na Lei n.° 9.099/95.


 

    

Tal entendimento baseia-se na unificação de competência originária para processar e julgar os habeas corpus dirigidos contra atos ou decisões dos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais estaduais, sejam únicos ou colegiados, no Superior Tribunal de Justiça (cf. nesse capítulo, item 1.11).

Dessa forma, de igual maneira, caberia ao STJ o processo e julgamento do habeas corpus ajuizado contra atos ou decisões colegiados proferidos pela 2.ª instância dos Juizados Especiais Criminais.


 


 

Não foi, porém, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que entendeu continuar "competente para julgar o habeas corpus contra decisão emanada de Turma do Conselho Recursal dos Juizados Especiais Criminais, em face da promulgação da EC 22/99", uma vez que "considerou que, mesmo com a nova redação da EC n.° 22/99, permaneceu o silêncio da CF a respeito do habeas corpus contra ato das turmas recursais, subsistindo, portanto, o entendimento proferido pelo STF no julgamento do HC 71.713-PB (julgado em 26-10-94, acórdão pendente de publicação), em que se decidiu que a brevidade dos juizados especiais não dispensa o controle de constitucionalidade de normas, estando as decisões de turmas recursais exclusivamente sujeitas á jurisdição do STF".


 

1.15 Habeas corpus contra ato do juiz especial nos Juizados Especiais Criminais


 

O Tribunal local será competente para processar e julgar os habeas corpus contra ato do juiz, nos Juizados Especiais Criminais, uma vez que o art. 98, I, da Constituição Federal prevê somente a possibilidade de julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Igualmente, os Tribunais Regionais Federais serão competentes para o processo e julgamento de habeas corpus contra ato do juiz federal que atue nos Juizados Especiais Federais, nos termos do art. 108, I, d, da Constituição Federal . Nessa hipótese, não houve qualquer previsão específica da EC n.° 22/99, que somente determinou que a lei federal poderá dispor sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal.


 

    

1.16 Habeas corpus e recursos ordinários - concomitância


 

A impetração de habeas corpus e a interposição do respectivo recurso ordinário, referentes ao mesmo ato, são conciliáveis, ainda que articulem os mesmos fatos e busquem a mesma situação jurídica, pois essa ação constitucional não encontra obstáculo na legislação ordinária, em homenagem à liberdade de locomoção, proclamada constitucionalmente. Dessa forma, tanto habeas corpus quanto o recurso devem ser apreciados, embora, eventualmente, um julgamento possa repercutir no outro.

Não cabe, porém, valer-se o impetrante do habeas corpus, para fazer subir recurso interposto de decisão de tribunal a quo, quando ainda não publicado o acórdão recorrido, oportunidade em que se permite o processamento do recurso e a viabilidade de seu recebimento.


 

Portanto, por ser o habeas corpus uma ação constitucional que visa impedir lesão ou restaurar o exercício do direito de liberdade, nada impedirá a concomitância com qualquer recurso, pois prevenir ou fazer cessar a violência ou coação não encontra obstáculo por determinação de rito ou encerramento do processo, sendo, porém, lícito ao Tribunal remeter o exame da pretensão para o julgamento do recurso, de maior abrangência, quando o deslinde da matéria depender do exame de fatos ou do conjunto probatório.


 

1.17 Habeas corpus - substituição de recurso ordinário constitucional prevista para denegação da ordem - viabilidade


 

A Constituição Federal admite que o interessado possa substituir o recurso ordinário constitucional contra a decisão denegatória do habeas corpus, dada em única ou última instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais estaduais, pelo habeas corpus originário perante o Superior Tribunal de Justiça, ficando, porém, a análise de eventual recurso apresentado prejudicada.

Desta forma, deverá ser conhecido o pedido originário de habeas corpus, ainda que formulado em substituição ao recurso ordinário cabível da decisão denegatória de habeas corpus, posto que a vedação existente na antiga ordem constitucional (art. 119, c, da Constituição revogada), não foi reproduzida pelo legislador constituinte de 1988.

Ressalte-se que, a partir da EC n.° 22/99, não mais se discute a questão de competência, pois o Superior Tribunal de Justiça possui competência tanto para o julgamento originário do habeas corpus (CF, art. 105, I, c) quanto para o julgamento do recurso ordinário constitucional (CF, art. 105, II, a) em relação às decisões dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Estaduais.


 

    

Por fim, será cabível, em tese, pedido de habeas corpus contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, denegatório de outro habeas corpus, competindo, originariamente, ao Supremo Tribunal Federal processá-lo e julgá-lo, não sendo obstáculo para tanto, a possibilidade constitucional de interposição de recurso ordinário para o próprio Supremo Tribunal Federal, contra a denegação do writ, pois sua simples interposição não propicia, de imediato, a tutela ao direito de locomoção.


 

1.18 Habeas corpus e punições disciplinares militares


 

O art. 142, § 2.°, da Constituição Federal estabelece que não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. Essa previsão constitucional deve ser interpretada no sentido de que não haverá habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares militares.

Dessa forma, a Constituição Federal não impede o exame pelo Poder Judiciário dos pressupostos de legalidade a saber: hierarquia, poder disciplinar, ato ligado à função e pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente.

Pontes de Miranda, na vigência da Constituição Federal de 1946, já admitia a

possibilidade de habeas corpus para a presente hipótese e explicava que


 

"quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente a (a) hierarquia, através da qual flui o dever de obediência e de conformidade com instruções, regulamentos internos e recebimentos de ordens, (b) poder disciplinar, que supõe: a atribuição de direito de punir, disciplinarmente, cujo caráter subjetivo o localiza em todos, ou em alguns, ou somente em algum dos superiores hierárquicos; (c) ato ligado à função; (d) pena, suscetível de ser aplicada disciplinarmente, portanto, sem ser pela Justiça como Justiça",


 

para concluir

"ora desde que há hierarquia, há poder disciplinar, há ato e há pena disciplinar, qualquer ingerência da Justiça na economia moral do encadeamento administrativo seria perturbadora da finalidade mesma das regras que estabelecem o dever de obediência e o direito de mandar".


 

Ressalte-se que a Emenda Constitucional n.° 18, de 5 de fevereiro de 1998, passou a prever expressamente matéria pacificada na doutrina e jurisprudência, sobre o não-cabimento de habeas corpus também em relação ao mérito das punições disciplinares aplicadas aos militares dos Estados, do Distrito Federal e Territórios.


 

1.19 Empate no habeas corpus


 

Ocorrido o empate na decisão em sede de habeas corpus, independentemente de tratar-se de ação originária, recurso ordinário constitucional, recurso especial ou recurso extraordinário, cumpre proclamar a decisão mais favorável ao paciente.


 


 

2 HABEAS DATA


 

2.1 Conceito


 

A Constituição Federal prevê em seu art. 5.°, LXXII, que, conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Aponta-se sua origem remota na legislação ordinária nos Estados Unidos, por meio do Freedom of Information Act de 1974, alterado pelo Freedom of Information Reform Act de 1978, visando possibilitar o acesso do particular às informações constantes de registros públicos ou particulares permitidos ao público.

Assim, pode-se definir o habeas data como o direito que assiste a todas as pessoas de solicitar judicialmente a exibição dos registros públicos ou privados, nos quais estejam incluídos seus dados pessoais, para que deles se tome conhecimento e se necessário for, sejam retificados os dados inexatos ou obsoletos ou que impliquem em discriminação.


 


 

2.2 Natureza jurídica


 

O habeas data é uma ação constitucional, de caráter civil, conteúdo e rito sumário, que tem por objeto a proteção do direito liquido e certo do impetrante em conhecer todas as informações e registros relativos à sua pessoa e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para eventual retificação de seus dados pessoais.


 

2.3 Finalidade


 

Por meio do habeas data objetiva-se fazer com que todos tenham acesso às informações que o Poder Público ou entidades de caráter público (exemplo: serviço de proteção ao crédito) possuam a seu respeito. Como relembra Michel Temer, acentuando o caráter democrático desse instrumento


 

"é fruto de uma experiência constitucional anterior em que o governo arquivava, a seu critério e sigilosamente, dados referentes a convicção filosófica, política, religiosa e de conduta pessoal dos indivíduos".


 

Para delimitarmos o âmbito de atuação do habeas data, importante analisarmos a experiência portuguesa , onde os arts. 26 e 35 da Constituição da República prevêem proteção semelhante à nossa

Canotilho e Vital Moreira ensinam que


 

"no âmbito normativo do direito à identidade pessoal inclui-se o direito de acesso à informação sobre a identificação civil a fim de o titular do direito tomar conhecimento dos dados de identificação e poder exigir a sua rectificação ou actualização - através de informação escrita, certidão, fotocópia, microfilme, registro informático, consulta do processo individual, acesso directo ao ficheiro central".


 

Ressalte-se, como o faz José da Silva Pacheco, que várias decisões judiciais pré-Constituição de 1988 já admitiam a utilização do mandado de segurança, com a finalidade hoje estabelecida para o habeas data.


 


 

2.4 Cabimento


 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido da necessidade de negativa da via administrativa para justificar o ajuizamento do habeas data, de maneira que inexistirá interesse de agir a essa ação constitucional se não houver relutância do detentor das informações em fornecê-las ao interessado. Tendo o habeas data natureza jurídica de ação constitucional, submetem-se às condições da ação, entre as quais o interesse de agir, que nessa hipótese configura-se, processualmente, pela resistência oferecida pela entidade governamental ou de caráter público, detentora das informações pleiteadas. Faltará, portanto, essa condição da ação se não houver solicitação administrativa, e conseqüentemente negativa no referido fornecimento.


 

Nesse mesmo sentido decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, entendendo que


 

"o acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data."


 

Desta forma, para exercer judicialmente o direito postulativo, entende a jurisprudência ser indispensável a prova de ter o impetrante requerido, na via administrativa, as informações pretendidas.

Esse entendimento foi adotado pela Lei n.° 9.507/97, que em seu art. 8.° prevê que a petição inicial deverá ser instruída da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; da recusa em fazer-se a anotação sobre a explicação ou contestação sobre determinado dado, mesmo que não seja inexato, justificando possível pendência sobre o mesmo ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão. Certo, porém, que a citada lei diminuiu a discricionariedade do detentor das informações, pois permitiu o acesso ao Judiciário após determinado lapso de tempo sem resposta ao impetrante.

Apesar da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, entendemos contrário à Constituição Federal a exigência do prévio esgotamento da via administrativa para ter-se acesso ao Poder Judiciário, via habeas data. Em momento algum, o legislador constituinte restringiu a utilização dessa ação constitucional, não podendo o intérprete restringi-la.

Entendemos por esses motivos que o parágrafo único do art. 8.° da Lei n.° 9.507/97 deve ser interpretado conforme a Constituição Federal, no sentido de não se exigir em todas as hipóteses a prova de recusa do órgão competente ao acesso às informações ou da recusa em fazer-se a retificação, ou ainda, da recusa em fazer-se a anotação, mas tão-só nas hipóteses em que o impetrante, primeiramente, optou peio acesso às instâncias administrativas.

Nessas hipóteses, bastaria ao impetrante essa prova, sem que houvesse necessidade de esgotamento de toda a via administrativa. Se, porém, o impetrante optasse diretamente pelo Poder Judiciário, a prova exigida pelo citado parágrafo único não se lhe aplicaria, por impossibilidade de restringir-se a utilização de uma ação constitucional, sem expressa previsão no texto maior.


 

2.5 Legitimação ativa


 

O habeas data poderá ser ajuizado tanto por pessoa física, brasileira ou estrangeira, quanto por pessoa jurídica, pois em relação a essas, como explica Pedro Henrique Távora Niess "por terem existência diversa das pessoas físicas que as integram, têm direito à correta identificação própria no mundo social" .


 


 

Miguel Ángel Ekmekdjian e Calogero Pizzolo observam que o art. 25.1 da Convenção Européia de Direitos Humanos habilita tanto as pessoas físicas como, as jurídicas a reclamar a proteção de direitos humanos, citando exemplo em que o Tribunal das Comunidades Européias reconheceu às pessoas jurídicas o respeito a vida privada e à intimidade como direitos inerentes a elas, afamando que necessariamente deveriam estar protegidas pelo mesmo corpo normativo das pessoas físicas.

Através de habeas data só se podem pleitear informações relativas ao próprio impetrante, nunca de terceiros. O caráter personalíssimo dessa ação constitucional deriva da própria amplitude do direito defendido, pois o direito de saber os próprios dados e registros constantes nas entidades governamentais ou de caráter público compreende o direito de que esses dados não sejam devassados ou difundidos à terceiros.

Excepcionalmente, o extinto Tribunal Federal de Recursos, em sessão plenária, admitiu a legitimação para o habeas data para os herdeiros do morto ou seu cônjuge supérstite, salientando, porém, tratar-se de decisão.

"que supera o entendimento meramente literal do texto, com justiça, pois não seria razoável que se continuasse a fazer uso ilegítimo e indevido dos dados do morto, afrontando sua memória, sem que houvesse meio de corrigenda adequada" .


 


 

    

2.6 Legitimação passiva


 

Poderão ser sujeitos passivos do habeas data as entidades governamentais, da administração pública direta e indireta, bem como as instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas que prestem serviços para o público ou de interesse público, e desde que detenham dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas .


 

A Constituição Federal traz um rol exemplificativo de algumas autoridades que podem ser sujeitos passivos do habeas data (CF, art. 102, I, d ; art. 105, I, b), as quais terão que justificar a razão de possuírem registros e dados íntimos sobre determinados indivíduos, sob pena de responsabilização política, administrativa, civil e penal. Como bem observa Celso Bastos,


 

"se não houver uma séria justificativa a legitimar a posse pela administração destes dados, eles serão lesivos ao direito à intimidade assegurado no inc. X, do art. 5.°, da Constituição. Em princípio, portanto, não há possibilidade de registro público de dados relativos à intimidade da pessoa. Seria um manifesto contra-senso que houvesse o asseguramento constitucional do direito à intimidade, mas que concomitantemente o próprio texto constitucional estivesse a permitir o arquivamento de dados relativos à vida íntima do indivíduo".


 

2.7 Procedimento (Lei n.° 9.507/97)


 

O procedimento do habeas data, assim como o do mandado de injunção, não foram regulamentados imediatamente com a promulgação da Constituição Federal. Assim, a doutrina e a jurisprudência passaram a aplicar-lhe o mesmo procedimento do mandado de segurança. Com a edição da Lei n.° 8.038/90, que institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, ficou expressamente estipulado que no mandado de injunção e no habeas data seriam observadas, no que coubesse, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica (art. 24, parágrafo único).

Em relação aos habeas data, porém, foi editada a Lei n.° 9.507, de 12-11-1997, cuja ementa prevê: regula o direito de acesso à informação e disciplina o rito processual do habeas data. Anote-se, desde logo, que a citada lei ao disciplinar o procedimento do habeas data, guarda profunda semelhança com a Lei n.° 1.533, de 31-12-1951, que regulamenta o procedimento do mandado de segurança.

Os processos de habeas data terão prioridade sobre todos os atos judiciais, exceto em relação ao habeas corpus e mandado de segurança.

O art. 8.° da citada lei estipula que a petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. Além disso, seu parágrafo único prevê que a petição inicial deverá ser instruída com prova de uma das três situações seguintes:

• da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;

• da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão;

• da recusa em fazer-se a anotação sobre a explicação ou contestação sobre determinado dado, mesmo que não seja inexato, justificando possível pendência sobre o mesmo; ou o decurso de mais de quinze dias, sem decisão.


 

Entendendo a autoridade judicial ser caso de indeferimento da petição inicial, seja por não ser caso de habeas data, seja por lhe faltar algum dos requisitos previstos na lei, poderá o fazer desde logo, cabendo dessa decisão o recurso de apelação (art. 15 da Lei n.° 9.507/97).

Não se tratando de caso de indeferimento, o juiz, ao despachar a petição inicial, determinará a notificação do coator, para que no prazo de dez dias preste as informações que julgar necessárias. Juntamente com a notificação, seguirá a segunda via do habeas data instruída com a documentação inicial. Após o término desse prazo, será ouvido o Ministério Público, dentro de cinco dias, e os autos serão conclusos ao juiz para decisão a ser proferida também em cinco dias.

Da sentença que conceder ou negar o habeas data caberá o recurso de apelação. Ressalte-se que no procedimento previsto para o habeas data só há lugar para recursos voluntários, não se repetindo a previsão do art. 12 da Lei n.° 1.533/51, que prevê o duplo grau de jurisdição obrigatório (reexame necessário) das decisões concessivas do mandado de segurança.

Os prazos dos recursos no procedimento do habeas data, por ausência de expressa previsão na referida lei, são os mesmos previstos no Código de Processo Civil, contando-se em dobro para a Fazenda Pública e para o Ministério Público (CPC, art. 188).

São legitimados para interposição do recurso de apelação: o impetrante; o Ministério Público; o coator e as entidades governamentais, da administração pública direta e indireta, bem como as instituições, entidades e pessoas jurídicas privadas que prestem serviços para o público ou de interesse público, desde que detenham dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas, a que pertencer o coator.

A lei expressamente determina no parágrafo único do art. 15 que: Quando a sentença conceder o habeas data, o recurso terá efeito meramente devolutivo. Dessa forma, a execução da sentença concessiva de habeas data é imediata, mediante o específico cumprimento da determinação da autoridade judiciária.

Ressalte-se que apesar da lei excluir o efeito suspensivo da sentença que conceder o habeas data, existirá a possibilidade do Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença.

Dessa forma, como regra geral, o juiz de 1.° grau está impossibilitado de conceder efeito suspensivo ao recurso de apelação da sentença que concedeu o habeas data, nada impedindo, porém, a suspensão dos efeitos do habeas data por ato do Presidente do Tribunal que deverá motivar seu despacho, cabendo agravo para o Tribunal que o presida. Sendo assim, a suspensão da execução provisória da sentença concessiva de habeas data não poderá ser obtida por meio do recurso de apelação, de qualquer outro recurso ou ação genérica, nem mesmo por mandado de segurança, vez que a própria lei estipula, de forma taxativa e expressa, a medida possível - despacho do Presidente do Tribunal.


 

A lei prevê, especificamente, que nos casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais caberá ao relator a instrução do processo.

A Constituição Federal isentou de custas e despesas judiciais o processo de habeas data (CF, art. 5.°, LXXVII), por tratar-se de mecanismo de exercício de soberania popular, através do direito de conhecimento que é universal em um Estado democrático de direito. Essa previsão foi repetida no art. 21 da citada lei.


 

2.8 Direito ao conhecimento e à retificação


 

Há dupla finalidade no habeas data . A primeira refere-se à obtenção de informações existentes na entidade governamental ou daquelas de caráter público. A segunda, consistente em eventual retificação dos dados nelas constantes. O direito de retificar eventuais informações errôneas, obsoletas ou discriminatórias constitui um complemento inseparável ao direito de acesso às informações.


 

Dessa forma, o habeas data tem natureza mista, pois se desenvolve em duas etapas. Primeiramente, será concedido ao impetrante o direito de acesso às informações (natureza mandamental); para, posteriormente, se necessário e devidamente comprovada a necessidade, serem as mesmas retificadas (natureza constitutiva), salvo se o impetrante já tiver conhecimento dos dados e registros, quando então será possível a utilização desse remédio constitucional somente para corrigi-Ias ou atualizá-las.

Como ressaltam Canotilho e Vital Moreira,


 

"o direito ao conhecimento dos dados pessoais existentes em registros informáticos é uma espécie de direito básico nesta matéria (habeas data já lhe chamaram) e desdobra-se, por sua vez, em vários direitos, designadamente: a) o direito de acesso, ou seja, o direito de conhecer os dados constantes de registros informáticos, quaisquer que eles sejam (públicos ou privados); b) o direito ao conhecimento da identidade dos responsáveis bem como o direito ao esclarecimento sobre a finalidade dos dados; c) o direito de contestação, ou seja, direito à rectificação dos dados e sobre identidade e endereço do responsável; d) o direito de actualização (cujo escopo fundamental é a correção do conteúdo dos dados em caso de desactualização); e) finalmente, o direito de eliminação dos dados cujo registro é interdito".


 

Ressalte-se que no habeas data bastará ao impetrante o simples desejo de conhecer as informações relativas à sua pessoa, independentemente de revelação das causas do requerimento ou da demonstração de que elas se prestarão à defesa de direitos, pois o direito de acesso é universal, não podendo ficar dependente de condições que restrinja seu exercício, nem mesmo em relação a determinação de um prazo de carência.

A Lei n.° 9.507, de 12-11-1997, que regulamentou o rito processual do habeas data, trouxe uma terceira finalidade para esse remédio constitucional. Assim, além das duas finalidades constitucionais já analisadas, prevê o inciso III do art. 7.° da citada lei que conceder-se-á habeas data para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável, e que esteja sob pendência judicial ou amigável. Vislumbra-se nessa ampliação legislativa da incidência do habeas data a idéia de evitar-se ou remediar-se possíveis humilhações que possa sofrer o indivíduo em virtude de dados constantes que, apesar de verdadeiros, seriam insuficientes para uma correta e ampla análise, possibilitando uma interpretação dúbia ou errônea, se não houvesse a oportunidade de maiores esclarecimentos.

A lei, ainda, determinou que na decisão que julgar procedente o pedido, o juiz marcará data e horário para que o coator apresente ao impetrante as informações a seu respeito, constantes de registros ou bancos de dados ou apresente em juízo a prova da retificação ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante. A decisão será comunicada ao coator, por correio, com aviso de recebimento, ou por telegrama, radiograma ou telefonema, conforme o requerer o impetrante, sendo que os originais, no caso de transmissão telegráfica, radiofônica ou telefônica, deverão ser apresentados à agência expedidora, com a firma do juiz devidamente reconhecida.

Anote-se que no caso de decisão denegatória, o pedido de habeas data poderá ser renovado se não houver sido apreciado o mérito.


 

2.9 Competência


 

Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente o habeas data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Tribunal.

Além disso, o art. 102, II, a, da Constituição Federal estabelece competir ao Supremo Tribunal Federal julgar em recurso ordinário os habeas data decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão.


 

O art. 105, I, b, da Constituição determina competir ao Superior Tribunal de Justiça julgar os habeas data contra atos de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ou do próprio Tribunal


 

A Constituição estabelece, ainda, outras regras de competência sobre habeas data, competindo ao Tribunal Superior Eleitoral julgar em recurso ordinário o habeas data denegado pelos Tribunais Regionais Eleitorais (CF, art. 121, § 4.°, V); aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente o habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de Juiz Federal (CF, art. 108, I, c) e aos juízes federais processar e julgar o habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos anteriormente descritos (CF, art. 109, VIII).

Por fim, com base no art. 125, § 1.°, da Carta Magna, cada Estado-membro estabelecerá no âmbito da justiça estadual a competência para processo e julgamento do hábeas data .


 

A Lei n.° 9.507/97, em seu art. 20, pretendendo regulamentar as competências originárias e recursais do julgamento do habeas data, simplesmente repetiu as previsões constitucionais já analisadas.


 


 

2.10 Habeas data e dados sigilosos


 

Outra questão difícil e importante em relação ao habeas data diz respeito ao seu cabimento em relação a dados e registros acobertados pelo sigilo da defesa nacional. A doutrina diverge sobre o assunto, ora entendendo a amplitude geral do habeas data, fundamentando-se na ausência de informações sigilosas em relação ao próprio informado; ora a possibilidade de sua restrição a fatos relacionados com a defesa nacional, aplicando-se a ressalva do art. 5.°, XXXIII, da Constituição Federal .


 

A Constituição da República Portuguesa, diferentemente da nossa, expressamente ressalva a possibilidade de sigilo de dados sobre "o segredo de Estado e segredo de justiça" (art. 35, n.° 1), na forma estabelecida em lei. Apesar da ressalva expressa, Canotilho e Vital Moreira afirmam que essa restrição ao conhecimento de dados está submetida aos limites constitucionais, impedindo-se que


 

"a pretexto do segredo do Estado, ou do segredo de justiça, os dados pessoais sejam aqui remetidos para um simples domínio interno da administração secreta, livre da lei com inobservância dos princípios fundamentais de transparência, finalidade, proporcionalidade, actualidade e reserva da vida privada e familiar".


 

Não obstante as diferenças entre ambas as constituições, parece ter sido essa a interpretação do antigo Tribunal Federal de Recursos, cujos ministros atualmente compõem o Superior Tribunal de Justiça permitindo, desde que plenamente justificado, o sigilo da defesa do Estado e da sociedade, ao proclamar:

"Vai daí que as disposições contidas no parágrafo único, art. 4.°, do Decreto n.° 96.876/88 - Regulamento do SNI - quando aplicadas sem justificação objetiva, apenas com o sopro do subjetivismo da prevenção ideológico-política, condensará ato desafiador à ordem constitucional atraindo a conveniente reparação pelo Judiciário. Nesse caso, o juiz examinará o limite da atuação administrativa, defrontada com o princípio da exigibilidade do acesso às informações, quando for o caso, fazendo recuar os abusos e desvios da autoridade (compelling power justice)".


 

Entendemos contrariamente a decisão do antigo TFR, ou seja, pela impossibilidade da aplicação analógica da restrição existente no art. 5.°, XXXIII, em relação ao habeas data, pois estaríamos restringindo um direito constitucional arbitrariamente, sem qualquer previsão do legislador constituinte. Nesse sentido, importante transcrevermos, parcialmente, voto vencido do então Ministro do extinto Tribunal Federal de Recursos no citado HD n.° 01, Ilmar Galvão, hoje no Supremo Tribunal Federal:

"Por isso mesmo, a atual CF, ao instituir o habeas data, no art. 5.°, LXXII, para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, ou a retificação dos respectivos dados, fê-lo sem qualquer restrição, residindo o mal-entendido no fato de haver a Consultoria-geral da República conjugado o mencionado dispositivo com o inc. XXXIII, que não trata de informes pessoais, mas de dados objetivos, acerca de outros assuntos porventura de interesse particular ou de interesse coletivo, coisa inteiramente diversa" (destaque nosso).


 

Assim, inaplicável a possibilidade de negar-se ao próprio impetrante todas ou algumas de suas informações pessoais, alegando-se sigilo em virtude da imprescindibilidade à segurança da Sociedade ou do Estado. Essa conclusão alcança-se pela constatação de que o direito de manter determinados dados sigilosos direciona-se a terceiros que estariam, em virtude da segurança social ou do Estado, impedidos de conhecê-los, e não ao próprio impetrante, que é o verdadeiro objeto dessas informações, pois se as informações forem verdadeiras, certamente já eram de conhecimento do próprio impetrante, e se forem falsas, sua retificação não causará nenhum dano à segurança social ou nacional.


 

    

3 MANDADO DE SEGURANÇA


 

3.1 Conceito e finalidade


 

O art. 5.°, inciso LXIX, da Constituição Federal consagrou novamente o mandado de segurança, introduzido no direito brasileiro na Constituição de 1934 e que não encontra instrumento absolutamente similar no direito estrangeiro. Assim, a Carta Magna prevê a concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder público .


 


 

O mandado de segurança, na definição de Hely Lopes Meirelles, é


 

"o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".


 


 

O mandado de segurança é conferido aos indivíduos para que eles se defendam de atos ilegais ou praticados com abuso de poder, constituindo-se verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política. Desta forma, importante ressaltar que o mandado de segurança caberá contra os atos discricionários e os atos vinculados, pois nos primeiros, apesar de não se poder examinar o mérito do ato, deve-se verificar se ocorreram os pressupostos autorizadores de sua edição e, nos últimos, as hipóteses vinculadoras da expedição do ato.


 

3.2 Espécies


 

O mandado de segurança poderá ser repressivo de uma ilegalidade já cometida, ou preventivo quando o impetrante demonstrar justo receio de sofrer uma violação de direito líquido e certo por parte da autoridade impetrada. Nesse caso, porém, sempre haverá a necessidade de comprovação de um ato ou uma omissão concreta que esteja pondo em risco o direito do impetrante, ou no dizer de Caio Tácito, "atos preparatórios ou indícios razoáveis, a tendência de praticar atos, ou omitir-se a fazê-lo, de tal forma que, a conservar-se esse propósito, a lesão de direito se torne efetiva".


 

3.3 Natureza jurídica


 

O mandado de segurança é uma ação constitucional, de natureza civil, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Como afirmado por Castro Nunes,


 

"garantia constitucional que se define por meio de pedir em juízo é garantia judiciária e, portanto, ação no mais amplo sentido, ainda que de rito especial e sumaríssimo".


 

A natureza civil não se altera, nem tampouco impede o ajuizamento de mandado de segurança em matéria criminal, inclusive contra ato de juiz criminal, praticado no processo penal.


 

3.4 Cabimento do mandado de segurança


 

O cabimento do mandado de segurança, em regra, será contra todo ato comissivo ou omissivo de qualquer autoridade no âmbito dos Poderes de Estado e do Ministério Público. Como salienta Ary Florêncio Guimarães,


 

"decorre o instituto, em última análise, daquilo que os publicistas chamam de obrigações negativas do Estado. O Estado como organização sociojurídica do poder não deve lesar os direitos dos que se acham sob a sua tutela, respeitando, conseqüentemente, a lídima expressão desses mesmos direitos, por via da atividade equilibrada e sensata dos seus agentes, quer na administração direta, quer no desenvolvimento do serviço público indireto" .


 

    O âmbito de incidência do mandado de segurança é definido residualmente, pois somente caberá seu ajuizamento quando o direito líquido e certo a ser protegido não for amparado por habeas corpus ou habeas data.

Podemos assim apontar os quatro requisitos identificadores do mandado de segurança:

• ato comissivo ou omissivo de autoridade praticado pelo Poder Público ou por particular decorrente de delegação do Poder Público;

• ilegalidade ou abuso de poder;

• lesão ou ameaça de lesão;

• caráter subsidiário: proteção ao direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data. Anote-se, nesse sentido, que o direito de obter certidões sobre situações relativas a terceiros, mas de interesse do solicitante (CF, art. 5.°, XXXIV) ou o direito de receber certidões objetivas sobre si mesmo, não se confunde com o direito de obter informações pessoais constantes em entidades governamentais ou de caráter público, sendo o mandado de segurança, portanto, a ação constitucional cabível.


 

Portanto, a negativa estatal ao fornecimento das informações englobadas pelo direito de certidão configura o desrespeito a um direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder passível de correção por meio de mandado de segurança.

A Lei n.° 1.533/51, em seu art. 5.°, porém, exclui o cabimento do mandado de segurança em três hipóteses: quando houver recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; contra decisão judicial ou despacho judicial para o qual haja recurso processual eficaz, ou possa ser corrigido prontamente por via de correição ; contra ato disciplinar, a menos que praticado por autoridade incompetente ou com inobservância de formalidade essencial.


 

Ocorre que a referida lei deve, por óbvio, ser interpretada de acordo com a garantia constitucionalmente deferida à proteção do direito líquido e certo. Portanto, sempre será cabível o mandado de segurança se as três exceções previstas não forem suficientes para proteger o direito líquido e certo do impetrante. Assim, o particular não estará obrigado a exaurir a via administrativa para utilizar-se do mandado de segurança, pois esse não está condicionado ao uso prévio de todos os recursos administrativos, uma vez que ao Judiciário não se pode furtar o exame de qualquer lesão de direito. Da mesma maneira, se o recurso administrativo com efeito suspensivo não bastar para a tutela integral do direito líquido e certo, plenamente cabível o mandado de segurança . Igualmente, caberá mandado de segurança se o recurso judicial existente não possuir efeito suspensivo que possibilite a correção imediata da ilegalidade, colocando em risco o direito líquido e certo. Em relação ao ato disciplinar, sempre será possível ao Judiciário, inclusive através do mandado de segurança, analisar os elementos do ato administrativo: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade.


 

    


 

Por fim, é pacífico o não-cabimento do mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado e contra lei ou ato normativo em tese, salvo se veicularem autênticos atos administrativos, produzindo efeitos concretos individualizados.


 

    

3.5 Conceito de direito líquido e certo


 

Direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, ou seja, é aquele capaz de ser comprovado, de plano, por documentação inequívoca. Note-se que o direito é sempre líquido e certo. A caracterização de imprecisão e incerteza recai sobre os fatos, que necessitam de comprovação. Importante notar que está englobado na conceituação de direito líquido e certo o fato que para tornar-se incontroverso necessite somente de adequada interpretação do direito, não havendo possibilidades de o juiz denegá-lo, sob o pretexto de tratar-se de questão de grande complexidade jurídica.

Assim, a impetração do mandado de segurança não pode fundamentar-se em simples conjecturas ou em alegações que dependam de dilação probatória incompatível com o procedimento do mandado de segurança.


 

3.6 Legitimação ativa - impetrante


 

Sujeito ativo é o titular do direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data. Tanto pode ser pessoa física como jurídica, nacional ou estrangeira, domiciliada ou não em nosso País, além das universalidades reconhecidas por lei (espólio, massa falida, por exemplo) e também os órgãos públicos despersonalizados, mas dotados de capacidade processual (chefia do Poder Executivo, Mesas do Congresso, Senado, Câmara, Assembléias, Ministério Público, por exemplo).


 

O que se exige é que o impetrante tenha o direito invocado, e que este direito esteja sob a jurisdição da Justiça brasileira.

Dessa forma, possuem legitimação ad causam para requerer segurança contra ato tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade de seus poderes ou competências as autoridades públicas, titulares dos chamados direitos-função, que têm por objeto a posse e o exercício da função pública pelo titular que a detenha, em toda a extensão das competências, atribuições e prerrogativas à elas inerentes. Assim, os órgãos públicos despersonalizados, como, por exemplo, Mesas das Casas Legislativas, Presidências dos Tribunais, chefias do Ministério Público e do Tribunal de Contas são legitimados para o ajuizamento de mandado de segurança em relação a sua área de atuação funcional e em defesa de suas atribuições institucionais.

Em relação ao Ministério Público, conforme o art. 32 da Lei n.° 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) , os Promotores de Justiça que atuam na primeira instância judicial, podem ajuizar mandado de segurança inclusive perante os tribunais locais, desde que o ato ou a omissão ilegais advenham de juízo de primeira instância em processo que funcione, o que significa dentro de sua esfera de atribuições, determinadas pela lei. Conforme já tivemos a oportunidade de destacar, em nossa obra conjunta com Pazzaglini, Smanio e Vaggione,


 

"a atividade de impetração de mandado de segurança pelo Promotor de Justiça que atua em primeiro grau de jurisdição tem a mesma natureza da interposição de recurso aos Tribunais, que está distanciada da atribuição do Ministério Público junto aos Tribunais" .


 


 

É esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, exposto já na vigência da atual Lei Orgânica Nacional, afirmando que como o Ministério Público é parte na relação jurídica processual, pode utilizar-se do mandado de segurança quando entende violado direito líquido e certo, competindo a impetração, perante os Tribunais locais, ao Promotor de Justiça quando o ato atacado emana de Juiz de primeiro grau de jurisdição .


 


 

3.7 Legitimação passiva - impetrado


 

Sujeito passivo é a autoridade coatora que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado, responde pelas suas conseqüências administrativas e detenha competência para corrigir a ilegalidade, podendo a pessoa jurídica de direito público, da qual faça parte, ingressar como litisconsorte. É firme e dominante a jurisprudência no sentido de que a indicação errônea da autoridade coatora afetará uma das condições da ação (legitimatio ad causam), acarretando, portanto, a extinção do processo, sem julgamento de mérito.


 


 

Reafirme-se que a pessoa jurídica de direito público sempre será parte legítima para integrar a lide em qualquer fase, pois suportará o ônus da decisão proferida em sede de mandado de segurança.

A doutrina, porém, não é unânime em relação ao posicionamento jurisprudencial, ora também entendendo que sujeito passivo seria a pessoa jurídica de direito público que suportará os efeitos da possível concessão do writ, ora que os sujeitos passivos, em litisconsórcio necessário, seriam a autoridade coatora e a pessoa jurídica de direito público.

Poderão ser sujeitos passivos do mandado de segurança os praticantes de atos ou omissões revestidos de força jurídica especial e componentes de qualquer dos Poderes da União, Estados e Municípios, de autarquias, de empresas públicas e sociedades de economia mista exercentes de serviços públicos e, ainda, de pessoas naturais ou jurídicas de direito privado com funções delegadas do Poder Público, como ocorre em relação às concessionárias de serviços de utilidade pública .


 

Anote-se que em relação ao mandado de segurança ajuizado contra ato de Promotor de Justiça, a jurisprudência entende de forma pacífica pela competência do juízo monocrático, diferentemente, portanto, do que ocorre com o já estudado habeas corpus.

Saliente-se, por fim, que na hipótese de ajuizamento de mandado de segurança criminal, por parte do Ministério Público e em face de decisão judicial favorável ao réu, esse deverá ser chamado ao processo para intervir como litisconsorte passivo necessário, uma vez que a concessão da segurança certamente afetará sua situação jurídica. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, concluindo pela obrigatoriedade da citação do réu, na condição de litisconsorte passivo necessário,


 

"o mandado de segurança não pode ser uma via transversa para afastar as garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal".


 

3.8 Prazo para impetração do mandado de segurança


 

O prazo para impetração do mandado de segurança é de cento e vinte dias, a contar da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a ser impugnado. Este prazo é decadencial do direito à impetração, e, como tal, não se suspende nem se interrompe desde que iniciado.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que não ofende a constituição a norma que estipula prazo para impetração do mandado de segurança, tendo reiteradas vezes proclamado a plena compatibilidade vertical do art. 18 da Lei n.° 1.533/51 com o vigente texto da Constituição da República . Igualmente ressalta o Superior Tribunal de Justiça que,


 

"muito embora a Constituição Federal não estabeleça prazo para impetração do writ, nada impede que a legislação ordinária o faça. Por isso o art. 18, da Lei n.° 1.533 foi recepcionado pela nova Carta. Portanto, ocorre a decadência quando a propositura da ação mandamental ultrapassar o prazo limite de 120 dias estabelecido na norma infraconstitucional" .


 


 

Alfredo Buzaíd salientava que


 

"o prazo para impetrar mandado de segurança, que é de cento e vinte dias, começa a fluir da ciência, pelo interessado, do ato a ser impugnado (Lei ns 1.533/51, art. 18). Geralmente conta-se o prazo a partir da publicação no Diário Oficial ou pela notificação individual do ato a ser impugnado, que lesa ou ameaça violar direito líquido e certo. Estas são as duas formas conhecidas de publicidade do ato administrativo. A comunicação pessoal, feita ao titular do direito, depois de decorrido o prazo de cento e vinte dias, não tem a virtude de reabrir o prazo já esgotado. Tal prazo extintivo, uma vez iniciado, flui continuamente; não se suspende nem se interrompe".


 

Essa é a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, cujos julgados assinalaram que o termo inicial do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança tem início com a publicação do ato impugnado no Diário Oficial .


 

Ressalte-se, por fim, que, em se tratando de mandado de segurança preventivo, inexiste a aplicação do prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias previsto na legislação infraconstitucional.


 

3.9 Competência


 

A competência para processar e julgar o mandado de segurança é definida em função da hierarquia da autoridade legitimada a praticar a conduta, comissiva ou omissiva, que possa resultar em lesão ao direito subjetivo da parte e não será alterada pela posterior elevação funcional da mesma.


 

3.10 Competência do mandado de segurança contra atos e omissões de tribunais


 

O Supremo Tribunal Federal carece de competência constitucional originária para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra qualquer ato ou omissão de Tribunal judiciário, tendo sido o art. 21, VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) inteiramente recepcionado . Por essa razão, a jurisprudência do Supremo é pacífica em reafirmar a competência dos próprios Tribunais para processarem e julgarem os mandados de segurança impetrados contra seus atos e omissões.


 

Assim sendo, não se encontra no âmbito das atribuições jurisdicionais da Suprema Corte a apreciação do writ mandamental, quando ajuizado, por exemplo, em face de deliberações emanadas do Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Superior do Trabalho, do Superior Tribunal de Justiça, do Superior Tribunal Militar, dos Tribunais de Justiça dos Estados, dos Tribunais Regionais Federais e, ainda, dos Tribunais de Alçada.

O mesmo ocorre em relação ao STJ, cuja Súmula n.° 41 proclama: "O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros Tribunais ou dos respectivos órgãos."

Anote-se, ainda, que não se encontra no rol de competências do Pretório Excelso o julgamento de mandados de segurança ajuizados contra decisão de suas turmas, visto que essas, quando julgam feitos de sua competência, representam o próprio Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/480).

A mesma impossibilidade de impetração de mandado de segurança ocorre contra atos de conteúdo jurisdicional emanados pelo Plenário do STF, uma vez que a revisão de suas decisões somente será possível pela via da ação rescisória (RTJ 53/345; RTJ 61/308; RTJ 90/27).


 

3.11 Mandado de segurança e liminares


 

A concessão da liminar em mandado de segurança encontra assento no próprio texto constitucional. Assim, presentes os requisitos necessários à liminar, os seus efeitos imediatos e imperativos não podem ser obstados.

Ocorre que a doutrina e a jurisprudência discutem importante questão sobre a disciplina das medidas liminares no mandado de segurança retirar sua força do próprio texto constitucional ou da legislação processual. As conseqüências da opção são amplas, principalmente porque no primeiro caso não será possível a edição de lei ou ato normativo impedindo a concessão de medida liminar em mandado de segurança, enquanto, pela segunda hipótese, nada obstará tal norma.

    O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de discutir amplamente essa questão no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 223-6/DF, ajuizada contra a Medida Provisória n.° 173, que proibia a concessão de liminares em ações contra o Plano Econômico Collor I.

A decisão majoritária da Suprema Corte, com base no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, entendeu que a restrição à concessão de liminares não acarretaria automaticamente lesão ao direito do indivíduo, pois "as medidas cautelares servem, na verdade, ao processo, e não ao direito da parte", pois "visam dar eficácia e utilidade ao instrumento que o Estado engedrou para solucionar os conflitos de interesse dos cidadãos". Desta forma, não se declarou a inconstitucionalidade da previsão normativa, ressaltando-se porém no voto do citado Ministro que,


 

"a solução estará no maneio do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições impostas ao poder cautelar, para, se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional, porque abusiva".


 

Assim, apesar de não declarar a inconstitucionalidade da referida medida provisória, por reconhecer que a liminar não é um direito constitucional, mas uma garantia legal do juízo, o Supremo Tribunal Federal expressamente autorizou que cada juiz, perante o caso concreto, realizasse o controle difuso de constitucionalidade, e concedesse ou não a liminar, independentemente da proibição da medida provisória.

Os Ministros Paulo Brossard e Celso de Mello entenderam que a medida provisória estaria eivada de inconstitucionalidade, inclusive em relação à supressão das liminares do mandado de segurança, pois que retiram sua força do próprio texto constitucional.

Posteriormente, em novo julgamento o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente diversos artigos da Medida Provisória n.° 375, em face de inconstitucionalidade, afirmando que a limitação à concessão de medidas liminares pelo Poder Judiciário é incompatível com a Constituição.

Nesse julgamento, o Pleno do Pretório Excelso concluiu que a vedação à concessão de liminares "obstrui o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao Poder Executivo".

Entendemos que, presentes os requisitos ensejadores da medida liminar em sede de mandado de segurança, a concessão da medida liminar será ínsita à finalidade constitucional de proteção ao direito líquido e certo, sendo qualquer proibição por ato normativo eivada de absoluta inconstitucionalidade, uma vez que restringiria-se a eficácia do remédio constitucional, deixando desprotegida o direito líquido e certo do impetrante.

Dessa forma, na eventualidade de edição de leis ou atos normativos que proíbam ou reduzam a possibilidade de concessão de liminares em sede de mandado de segurança, poderá o juiz afastar, difusamente, a incidência daquelas espécies normativas por inconstitucionalidade, e conceder a necessária medida.


 

4 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO


 

4.1 Conceito


 

O art. 5.°, inciso LXX, da Constituição Federal criou o mandado de segurança coletivo, tratando-se de grande novidade no âmbito de proteção aos direitos e garantias fundamentais, e que poderá ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.


 

4.2 Finalidade


 

O legislador constituinte quis facilitar o acesso a juízo, permitindo que pessoas jurídicas defendam o interesse de seus membros ou associados, ou ainda da sociedade como um todo, no caso dos partidos políticos, sem necessidade de um mandato especial, evitando-se a multiplicidade de demandas idênticas e conseqüente demora na prestação jurisdicional e fortalecendo as organizações classistas.


 

4.3 Objeto


 

O mandado de segurança coletivo terá por objeto a defesa dos mesmos direitos que podem ser objeto do mandado de segurança individual, porém direcionado à defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, englobando os direitos coletivos em sentido estrito, os interesses individuais homogêneos e os interesses difusos , contra ato ou omissão ilegais ou com abuso de poder de autoridade, desde que presentes os atributos da liquidez e certeza.

Por interesse coletivo, conforme define Mancuso, devemos entender


 

"aquele concernente a uma realidade coletiva (v. g., a profissão, a categoria, a família), ou seja, o exercício coletivo de interesses coletivos; e não, simplesmente, aqueles interesses que apenas são coletivos na forma, permanecendo individuais quanto à finalidade perseguida, o que configuraria um exercício coletivo de interesses individuais".


 

    

Para efeito de proteção através do mandado de segurança coletivo estão englobados os interesses individuais homogêneos, que são espécie dos interesses coletivos, eis que os titulares são plenamente determináveis.

Em relação aos interesses difusos, Mauro Cappelletti e Bryant Garth ensinam que são os


 

"interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável, ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam - a razão de sua natureza difusa - é que ninguém tem o direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação" .


 

    

Nesta mesma linha de raciocínio, Mancuso define-os como


 

"interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessário à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico), podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g., os consumidores). Caracterizam-se: pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço" .


 

4.4 Legitimação ativa e passiva


 

São legitimados para a propositura do mandado de segurança coletivo, em substituição processual:

• partido político com representação no Congresso Nacional, exigindo-se somente a existência de, no mínimo, um parlamentar, em qualquer das Casas Legislativas, filiado a determinado partido político.

• organização sindical, entidade de classe ou associação, desde que preencham três requisitos: estejam legalmente constituídos, em funcionamento há pelo menos um ano e pleiteiem a defesa dos interesses de seus membros ou associados. Anote-se, porém, que o Supremo Tribunal Federal, entende que, "tratando-se de mandado de segurança coletivo impetrado por sindicato, é indevida a exigência de um ano de constituição e funcionamento, porquanto esta restrição destina-se apenas às associações, nos termos do art. 5.°, LXX, b, in fine, da CF".


 

    Nessa hipótese, o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante . Ressalte-se, porém, que se exige estar o direito defendido compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe.

Os partidos políticos, desde que representados no Congresso Nacional, têm legitimação ampla, podendo proteger quaisquer interesses coletivos ou difusos ligados à sociedade. Anote-se, porém, que não foi esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, decidindo por maioria, afirmou


 

"Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em questões políticas, ainda assim, quando autorizado por lei ou pelo estatuto. Impossibilidade de dar a um partido político legitimidade para vir a Juízo defender 50 milhões de aposentados, que não são, em sua totalidade, filiados ao partido e que não autorizaram o mesmo a impetrar mandado de segurança em nome deles" .


 

Data venia não nos parece a melhor solução. Ora, se todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição (CF, art. 1.°, parágrafo único), sendo indispensável para o exercício da capacidade eleitoral passiva (elegibilidade), o alistamento eleitoral (CF, art. 14, § 3.°, III), a razão de existência dos partidos políticos é a própria subsistência do Estado Democrático de Direito e da preservação dos direitos e garantias fundamentais (CF, art. 1.°, V - consagra o pluralismo político como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil). Nesta esteira de raciocínio, o legislador constituinte pretende fortalecê-los concedendo-lhes legitimação para o mandado de segurança coletivo, para a defesa da própria sociedade contra atos ilegais ou abusivos por parte da autoridade pública. Cercear essa legitimação somente para seus próprios interesses ou de seus filiados é retirar dos partidos políticos a característica de essencialidade em um Estado Democrático de Direito e transformá-lo em mera associação privada, o que, certamente, não foi a intenção do legislador constituinte. Lapidar nesse sentido o voto vencido do Ministro José de Jesus Filho, no citado mandado de segurança coletivo, que concluiu da seguinte maneira:

"O legislador constituinte, ao assegurar aos partidos políticos o direito de impetrar mandado de segurança coletivo, desde que tenham representação no Congresso Nacional, está dando cumprimento à sua destinação e outorgando-lhes o instrumento legal, para o exercício de uma de suas finalidades.

De outra parte, não se pode esquecer que o texto de nossa atual Constituição é marcadamente parlamentarista, cujo regime, para sobreviver, exige a presença de partidos políticos fortes e uma das formas de fortalecê-los é outorgando-lhes o direito de impetrar mandado de segurança coletivo em favor de determinado seguimento social, sem representatividade ativa, cujo sucesso, sem dúvida, atrairá para suas hostes, se não novos filiados, pelo menos, simpatizantes. Portanto, tenho para mim, com a devida vênia, que os partidos estão legitimados ativamente, por lei, a ingressar em juízo na defesa dos postulados que lhes cumpre preservar e defender".

Em relação aos sindicatos ou associações legitimadas, o ajuizamento do mandado de segurança coletivo exige a existência de um direito subjetivo comum aos integrantes da categoria, não necessariamente com exclusividade, mas que demonstre manifesta pertinência temática com os seus objetivos institucionais. Presentes esses requisitos, o Supremo Tribunal Federal já afirmou reiteradas vezes que a Constituição Federal não exige das associações, prévia e específica autorização dos associados para o ajuizamento do mandado de segurança, bastando uma autorização genérica constante em seus estatutos sociais .


 

Desta forma, em relação à legitimidade ativa no mandado de segurança coletivo importante concluir que:

• a legitimação é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual;

• não se exige, tratando-se de segurança coletiva, da autorização expressa aludida no inc. XXI do art. 5.° da CF, que contempla hipótese de representação e não de substituição processual. Ressalte-se que, diversamente do ocorrido em relação ao mandado de segurança coletivo, a legitimidade ativa das entidades associativas para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente, prevista no art. 5.°, XXI, da CF, exige autorização expressa para o caso concreto. Nesse sentido, diferenciando as hipóteses, decidiu o STF que "Interpretação do art. 5.°, XXI, da Constituição Federal. Reza o art. 5.°, XXI, da Constituição que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. É esse dispositivo que está em causa, porquanto, na espécie, se trata de entidade associativa e de ação ordinária, o que afasta a aplicação do disposto no art. 5.°, LXX, b, e no art. 8.°, III, ambos da Carta Magna.

A questão que aqui se coloca é a de saber se os termos quando expressamente autorizadas dizem respeito à previsão genérica, constante dos estatutos dessas entidades, da representação de seus associados em ações coletivas, ou se, ao contrário, exigem que haja autorização específica deles dada em assembléia geral ou individualmente. Ora, tratando-se, como se trata de representação que não se limita sequer ao âmbito judicial pois alcança também a esfera extrajudicial, essa autorização tem de ser dada expressamente pelos associados para o caso concreto, e a norma se justifica porque, por ela basta uma autorização expressa individual ou coletiva, inclusive, quanto a esta, por meio de assembléia geral, sem necessidade, portanto, de instrumento de procuração outorgada individual ou coletivamente, nem que se trate de interesse ou direitos ligados a seus fins associativos" .


 

Em relação à legitimidade passiva, aplicam-se todas as regras já estudadas no tocante ao mandado de segurança individual, observando-se, porém, que se os eventuais beneficiários da ordem estiverem em áreas de atuação diversas, deve ser considerada autoridade coatora aquela que tiver atribuição sobre todas as demais, ainda que não tenha praticado específica e concretamente o ato impugnado .


 


 

4.5 Beneficiários


 

No mandado de segurança coletivo não haverá necessidade de constar na petição inicial os nomes de todos os associados ou filiados, uma vez que não se trata de litisconsórcio ativo em mandado de segurança individual. A situação individual de cada um deverá ser analisada no momento de execução da sentença, devendo a autoridade impetrada, ao cumprir a decisão judicial, exigir que cada beneficiário comprove pertencer à entidade beneficiária, bem como que se encontra na situação fática descrita no mandado de segurança coletivo.

No tocante à abrangência da decisão judicial, concordamos inteiramente com Celso Agrícola Barbi, no sentido de que serão beneficiários todos os associados que encontrarem-se na situação descrita na inicial, pouco importando que tenham ingressado na Associação antes ou depois do ajuizamento do mandado de segurança coletivo, ou mesmo durante a execução de sua decisão, afinal o Poder Judiciário já decidiu pela ilegalidade do ato e conseqüente proteção ao direito líquido e certo.


 

    

4.6 Mandado de segurança coletivo e individual


 

A Constituição Federal de 1988 ampliou os instrumentos de defesa contra as condutas, omissivas ou comissivas, do Poder Público que ameacem ou lesionem direitos, e caracterizadas pela ilegalidade ou abuso de poder. Assim, além dos já tradicionais mandado de segurança, ação popular, direito de petição e habeas corpus, previu novos institutos: mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e habeas data. A ratio do legislador constituinte foi aperfeiçoar a defesa da legalidade e não restringi-Ia.

Desta maneira, o ajuizamento do mandado de segurança coletivo, por um dos legitimados constitucionalmente, não impedirá a utilização do mandado de segurança individual, desde que presentes os requisitos constitucionais.

Nesse sentido, posiciona-se Arnoldo Wald afirmando que,


 

"dentro do prazo decadencial de 120 dias, o indivíduo inserido no âmbito de uma possível impetração coletiva pode optar por impetrar o seu próprio mandado de segurança individual; ajuizado também o mandado de segurança coletivo, ele poderá prosseguir com a sua ação individual (e aí a decisão de mérito no seu processo, em relação a ele, prevalece sobre aquela do coletivo), ou pedir a suspensão do processo até o julgamento do outro" .


 

        

5 MANDADO DE INJUNÇÃO


 

5.1 Histórico


 

Alguns autores apontam a origem dessa ação constitucional no writ of injunction do direito norte-americano, que consiste em remédio de uso freqüente, com base na chamada jurisdição de eqüidade, aplicando-se sempre quando a norma legal se mostra insuficiente ou incompleta para solucionar, com Justiça, determinado caso concreto. Outros autores apontam suas raízes nos instrumentos existentes no velho direito português, com a única finalidade de advertência do Poder competente omisso. Apesar das raízes históricas do direito anglo-saxão, o conceito, estrutura e finalidades da injunção norte-americana ou dos antigos instrumentos lusitanos, não correspondem à criação do mandado de injunção pelo legislador constituinte de 1988, cabendo portanto à doutrina e à jurisprudência pátrias a definição dos contornos e objetivos desse importante instrumento constitucional de combate à inefetividade das normas constitucionais que não possuam aplicabilidade imediata.


 

    

5.2 Conceito


 

O art. 5.°, inciso LXXI, da Constituição Federal prevê, de maneira inédita, que conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. O Supremo Tribunal Federal decidiu de forma unânime pela auto-aplicabilidade do mandado de injunção, independentemente de edição de lei regulamentando-o, em face do art. 5.°, § 1.°, da Constituição Federal, que determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata .

O mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, visa ao combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais.    

Canotilho, ao discorrer sobre as perspectivas do mandado de injunção e da inconstitucionalidade por omissão no direito brasileiro, fez a seguinte observação:

"Resta perguntar como o mandado de injunção ou a ação constitucional de defesa perante omissões normativas é um passo significativo no contexto da jurisdição constitucional das liberdades. Se um mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras atuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começar a destruir o `rochedo de bronze' da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará os seus objetivos".


 

    

5.3 Objeto do mandado de injunção


 

As normas constitucionais que permitem o ajuizamento do mandado de injunção assemelham-se às da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e não decorrem de todas as espécies de omissões do Poder Público, mas tão-só em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo e das normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade , por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilidade. Assim, sempre haverá a necessidade de lacunas na estrutura normativa , que necessitarem ser colmatadas por leis ou atos normativos (por exemplo: ausência de resolução do Senado Federal no caso de estabelecimento de alíquota às operações interestaduais. CF, art. 155, § 2.°).


 

    Não caberá, portanto, mandado de injunção para, sob a alegação de reclamar a edição de norma regulamentadora de dispositivo constitucional, pretender-se a alteração de lei ou ato normativo já existente, supostamente incompatível com a constituição ou para exigir-se uma certa interpretação à aplicação da legislação infraconstitucional, ou ainda para pleitear uma aplicação "mais justa" da lei existente.

Da mesma forma, não cabe mandado de injunção contra norma constitucional auto-aplicável.

O mandado de injunção somente se refere à omissão de regulamentação de norma constitucional. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, não há possibilidade de "ação injuncional, com a finalidade de compelir o Congresso Nacional a colmatar omissões normativas alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ordem a viabilizar a instituição de um sistema articulado de recursos judiciais, destinado a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto de S. José da Costa Rica".

Nesse sentido, posiciona-se Carlos Augusto Alcântara Machado, afirmando que "preferimos acolher a tese defendida por aqueles que sustentam que os direitos tutelados pela injunção são todos os enunciados na Constituição que reclamam a interposição legislatoris como condição de fruição do direito ou da liberdade agasalhada."


 

    

5.4 Requisitos


 

Os requisitos para o mandado de injunção são:

• falta de norma reguladora de uma previsão constitucional (omissão do Poder Público);

• inviabilização do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania - o mandado de injunção pressupõe a existência de nexo de causalidade entre a omissão normativa do Poder Público e a inviabilidade do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa.


 

5.5 Legitimidade ativa


 

O mandado de injunção poderá ser ajuizado por qualquer pessoa cujo exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional esteja sendo inviabilizado em virtude da falta de norma reguladora da Constituição Federal. Anote-se que apesar da ausência de previsão expressa da Constituição Federal, é plenamente possível o mandado de injunção coletivo, tendo sido reconhecida a legitimidade para as associações de classe devidamente constituídas.


 

    

5.6 Legitimidade passiva


 

O sujeito passivo será somente a pessoa estatal, uma vez que no pólo passivo da relação processual instaurada com o ajuizamento do mandado de injunção só aquelas podem estar presentes, pois somente aos entes estatais pode ser imputável o dever jurídico de emanação de provimentos normativos.

Os particulares não se revestem de legitimidade passiva ad causam para o processo injuncional, pois não lhes compete o dever de emanar as normas reputadas essenciais ao exercício do direito vindicado pelos impetrantes. Somente ao Poder Público é imputável o encargo constitucional de emanação de provimento normativo para dar aplicabilidade à norma constitucional.

Em conclusão, somente pessoas estatais podem figurar no pólo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção.    

Dessa forma, a natureza jurídico-processual do instituto não permite a formação de litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entre estatais.

Ressalte-se que se a omissão for legislativa federal, o mandado de injunção deverá ser ajuizado em face do Congresso Nacional, salvo se a iniciativa da lei for privativa do Presidente da República (CF, 61, § 1.°), quando então o mandado de injunção deverá ser ajuizado em face do Presidente da República, nunca do Congresso Nacional.


 

5.7 Procedimento


 

No mandado de injunção, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica, conforme determina o art. 24, § 1.°, da Lei n.° 8.038/90. Importante ressaltar, porém, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se pacificou pela impossibilidade da concessão de medida liminar por ser imprópria ao instituto do mandado de injunção .

Regimentalmente, no Superior Tribunal de Justiça, o mandado de injunção terá prioridade sobre os demais atos judiciais, salvo o habeas corpus, mandado de segurança e o habeas data.


 

5.8 Competência


 

O art. 102, I, q, da Constituição Federal determina que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Mesa de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal.

A Constituição Federal prevê, ainda, no art. 105, I, h, que compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.

Por fim, o art. 121, § 4.°, V, da Carta Magna prevê a competência do Tribunal Superior Eleitoral para julgar, em grau de recurso, o mandado de injunção que tiver sido denegado pelo Tribunal Regional Eleitoral.

A lei poderá, respeitadas as hipóteses previamente definidas na constituição, regulamentar a competência remanescente para outros casos de mandado de injunção.

No âmbito estadual, será permitido aos Estados-membros, no exercício do poder constituinte derivado decorrente, estabelecerem em suas constituições estaduais o órgão competente para processo e julgamento de mandados de injunção contra a omissão do Poder Público estadual em relação às normas constitucionais estaduais .


 

5.9 Decisão e efeitos do mandado de injunção


 

QUADRO GERAL


 

Posições:

Concretista, Não concretista

Concretista: Geral, Individual

Individual: Direta , Intermediária


 

Em relação à natureza jurídica da decisão judicial no mandado de injunção e seus efeitos, necessário transcrevermos parcialmente o pronunciamento do Ministro Néri da Silveira, que com absoluta clareza resumiu as posições existentes no Supremo Tribunal Federal em relação ao mandado de injunção :

"Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção n.° 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece concilia a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei. Esse tem sido o sentido de meus votos, em tal matéria. De qualquer maneira, porque voto isolado e vencido, não poderia representar uma ordem ao Congresso Nacional, eis que ineficaz. De outra parte, em se cuidando de voto, no julgamento de processo judicial, é o exercício, precisamente, da competência e independência que cada membro do Supremo Tribunal Federal tem, e necessariamente há de ter, decorrente da Constituição, de interpretar o sistema da Lei Maior e decidir os pleitos que lhe sejam submetidos, nos limites da autoridade conferida à Corte Suprema pela Constituição" (destaque nosso).

Dessa forma, podemos classificar as diversas posições em relação aos efeitos do mandado de injunção a partir de dois grandes grupos: concretista e não concretista .

Pela posição concretista, presentes os requisitos constitucionais exigidos para o mandado de injunção, o Poder Judiciário através de uma decisão constitutiva, declara a existência da omissão administrativa ou legislativa, e implementa o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional até que sobrevenha regulamentação do poder competente. Essa posição divide-se em duas espécies: concretista geral e concretista individual; conforme a abrangência de seus efeitos.

Pela concretista geral, a decisão do Poder Judiciário terá efeitos erga omnes, implementando o exercício da norma constitucional através de uma normatividade geral, até que a omissão seja suprida pelo poder competente. Essa posição é pouco aceita na doutrina, pois como ressalvado pelo Ministro Moreira Alves, ao proclamar em sede de mandado de injunção, uma decisão com efeitos erga omnes, estaria "o Supremo, juiz ou tribunal que decidisse a injunção, ocupando a função do Poder Legislativo, o que seria claramente incompatível com o sistema de separação de poderes" .

Pela concretista individual, a decisão do Poder Judiciário só produzirá efeitos para o autor do mandado de injunção, que poderá exercitar plenamente o direito, liberdade ou prerrogativa prevista na norma constitucional. Como salienta Canotilho


 

"o mandado de injunção não tem por objecto uma pretensão a uma emanação, a cargo do juiz, de uma regulação legal complementadora com eficácia `erga omnes'. O mandado de injunção apenas viabiliza, num caso concreto, o exercício de um direito ou liberdade constitucional perturbado pela falta parcial de lei regulamentadora. Se a sentença judicial pretendesse ser uma normação com valor de lei ela seria nula (inexistente) por usurpação de poderes" .


 

Essa espécie, no Supremo Tribunal Federal, se subdivide em duas: direta e intermediária.

Pela primeira, concretista individual direta, o Poder Judiciário, imediatamente ao julgar procedente o mandado de injunção, implementa a eficácia da norma constitucional ao autor. Assim, os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio entendem que a constituição criou mecanismos distintos voltados a controlar as omissões inconstitucionais, que são a inconstitucionalidade por omissão, inscrita no art. 103 da CF, e o mandado de injunção, estabelecido pelo inc. LXXI, art. 5.°, da mesma Carta. Como afirmado pelo Ministro Marco Aurélio:


 

"sob a minha ótica, o mandado de injunção tem, no tocante ao provimento judicial, efeitos concretos, beneficiando apenas a parte envolvida, a impetrante".


 

Pela segunda, concretista individual intermediária, posição do Ministro Néri da Silveira, após julgar a procedência do mandado de injunção, fixa ao Congresso Nacional o prazo de 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora. Ao término desse prazo, se a inércia permanecer o Poder Judiciário deve fixar as condições necessárias ao exercício do direito por parte do autor.

Parece-nos que inexiste incompatibilidade entre a adoção da posição concretista individual e a teoria da separação de poderes consagrada expressamente pelo art. 2.° da Constituição Federal.

A constituição, ao determinar que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são Poderes da República, independentes e harmônicos, adotou a doutrina constitucional norte-americana do check and balances, pois ao mesmo tempo que previu diversas e diferentes funções estatais para cada um dos Poderes, garantindo-lhes prerrogativas para o bom exercício delas, estabeleceu um sistema complexo de freios e contrapesos para harmonizá-los em prol da sociedade. Assim, poderá o Poder Legislativo sustar a executoriedade de lei delegada editada pelo Chefe do Poder Executivo que exorbite os limites constitucionais (CF, art. 49, V); o Senado Federal processará e julgará o Presidente da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal em crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I) e igualmente deverá aprovar por maioria absoluta de seus membros a indicação presidencial para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, III). Todos esses instrumentos encontram-se previstos no sistema de freios e contrapesos constitucionais, visando impedir o arbítrio estatal .

Dessa forma, plenamente conciliável o art. 5.°, LXXI (conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania) e o art. 5.°, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito), com o art. 2.° (são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), todos da Constituição Federal, pois o Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, deverá evitar a ameaça ou a lesão a direitos, liberdades ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, decorrentes da omissão do Poder competente, declarando a existência da omissão e permitindo que o prejudicado usufrua da norma constitucional, nos moldes previstos na decisão, enquanto não for colmatada a lacuna legislativa ou administrativa.

Assim agindo, não estará o Judiciário regulamentando abstratamente a Constituição Federal, com efeitos erga omnes, pois não é sua função; mas ao mesmo tempo, não estará deixando de exercer uma de suas funções precípuas, o resguardo dos direitos e garantias fundamentais. Como destaca Carlos Augusto Alcântara Machado, "não se trata de pretensa usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário e, sim, de exercício de uma atribuição conferida constitucionalmente" .

Em conclusão, filiamo-nos à posição concretista individual intermediária, criada pelo Ministro Néri da Silveira, parecendo-nos com a devida venia, que a idéia do Poder Judiciário, após julgar procedente o mandado de injunção estabelecer um prazo para que a Constituição Federal seja regulamentada, antes de efetivamente colmatá-la, adequa-se perfeitamente à idéia de Separação de Poderes. Assim, à partir da decisão do Judiciário, o poder competente estaria oficialmente declarado omisso, devendo atuar. Esse prazo, no âmbito legislativo, entendemos, nunca poderia ser inferior ao processo legislativo sumário .

Por fim, temos a posição não concretista, adotada pela jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal que, firmou-se no sentido de atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar o reconhecimento formal da inércia do Poder Público, "em dar concreção à norma constitucional positivadora do direito postulado, buscando-se, com essa exortação ao legislador, a plena integração normativa do preceito fundamental invocado pelo impetrante do writ como fundamento da prerrogativa que lhe foi outorgada pela Carta Política".

Sendo esse o conteúdo possível da decisão injuncional, não há falar em medidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo, condições viabilizadoras do exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucionalmente prevista, mas, tão-somente, deverá ser dado ciência ao poder competente para que edite a norma faltante.

Critica-se essa posição por tornar os efeitos do mandado de injunção idênticos aos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2.°), apesar de serem institutos diversos.

Excepcionalmente, o Supremo Tribunal Federal adotando parcialmente a posição concretista, em face da manutenção da inércia do Poder Legislativo, decidiu em sede de mandado de injunção em relação à norma prevista no art. 8.°, § 3.° do ADCT de 1988 ), autorizar, desde logo, a possibilidade de ajuizarem os beneficiários dessa norma transitória, com fundamento no direito comum, a pertinente ação de reparação econômica do prejuízo, caso o tenham sofrido.    

Ressalte-se, porém, que esta decisão baseou-se no fato de o Poder Legislativo ter descumprido um prazo constitucionalmente estabelecido para a edição de norma, pela própria constituição, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, não podendo desta maneira restar dúvida quanto à mora do parlamento.

Também, de maneira excepcional, o STF adotou a posição concretista, para proteger o direito constitucional previsto no art. 195, § 7.° ("são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei") e desrespeitado pela inércia estatal, proclamando que "o Tribunal, por maioria, conheceu em parte o mandado de injunção e nessa parte o deferiu para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote as providências legislativas, decorrentes do art. 195, § 7.°, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo, sem legislar, passe a requerente a gozar a imunidade requerida".


 

6 DIREITO DE CERTIDÃO


 

Tradicional previsão constitucional, o chamado direito de certidão, novamente, foi consagrado como o direito líquido e certo de qualquer pessoa à obtenção de certidão para defesa de um direito, desde que demonstrado seu legítimo interesse.

A esse direito corresponde a obrigatoriedade do Estado, salvo nas hipóteses constitucionais de sigilo, em fornecer as informações solicitadas, sob pena de responsabilização política, civil e criminal .

Ressalte-se que o direito à expedição de certidão engloba o esclarecimento de situações já ocorridas, jamais sob hipóteses ou conjecturas relacionadas a situações ainda a serem esclarecidas.

A negativa estatal ao fornecimento das informações englobadas pelo direito de certidão configura o desrespeito a um direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder, passível, portanto, de correção por meio de mandado de segurança.

Celso de Mello aponta os pressupostos necessários para a utilização do direito de certidão: legítimo interesse (existência de direito individual ou da coletividade a ser defendido); ausência de sigilo; res habilis (atos administrativos e atos judiciais são objetos certificáveis). Como salienta o autor, "é evidente que a administração pública não pode certificar sobre documentos inexistentes em seus registros" e indicação de finalidade.

O art. 5.°, XXXIV da Constituição Federal assegura a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, independentemente do pagamento de taxas.

Em regra, não poderá o Poder Público negar-se a fornecer as informações solicitadas, sob pena de sua responsabilização civil, bem como de responsabilização pessoal de seus servidores inertes, pois, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça,


 

"a garantia constitucional que assegura a todos a obtenção de certidões em repartições públicas é de natureza individual, sendo obrigatória a sua expedição quando se destina à defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal do requerente"


 

    

A exceção ocorrerá na hipótese de sigilo imposto pela segurança da sociedade e do Estado .


 


 

7 DIREITO DE PETIÇÃO


 

7.1 Histórico e conceito


 


 

Historicamente, o direito de petição nasceu na Inglaterra, durante a Idade Média, através do right of petition, consolidando-se no Bill of Rights de 1689, que permitiu aos súditos que dirigissem petições ao rei. Igualmente foi previsto nas clássicas Declarações de Direitos, como a da Pensilvânia de 1776 (art. 16), e também na Constituição francesa de 1791 (art. 3.°).

Pode ser definido como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação.

A Constituição Federal consagra no art. 5.°, XXXIV o direito de petição aos Poderes Públicos, assegurando-o a todos, independentemente do pagamento de taxas, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. A Constituição Federal de 1988 não obsta o exercício do direito de petição coletiva ou conjunta, através da interposição de petições, representações ou reclamações efetuadas conjuntamente por mais de uma pessoa. Observe-se que essa modalidade não se confunde com as petições em nome coletivo que são aquelas apresentadas por uma pessoa jurídica em representação dos respectivos membros.


 

7.2 Natureza


 

O direito em análise constitui uma prerrogativa democrática, de caráter essencialmente informal, apesar de sua forma escrita, e independe de pagamento de taxas. Dessa forma, como instrumento de participação político-fiscalizatório dos negócios do Estado que tem por finalidade a defesa da legalidade constitucional e do interesse público geral, seu exercício está desvinculado da comprovação da existência de qualquer lesão a interesses próprios do peticionário.

Acentue-se que, pela Constituição brasileira, apesar de direito de representação possuir objeto distinto do direito de petição, instrumentaliza-se por meio deste.


 

7.3 Legitimidade ativa e passiva


 

A Constituição Federal assegura a qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, o direito de apresentar reclamações aos Poderes Públicos, Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como ao Ministério Público, contra ilegalidade ou abuso de poder.

    

7.4 Finalidade


 

A finalidade do direito de petição é dar-se notícia do fato ilegal ou abusivo ao Poder Público, para que providencie as medidas adequadas. O exercício do direito de petição não exige seu endereçamento ao órgão competente para tomada de providências, devendo, pois, quem a receber, encaminhá-la à autoridade competente.

Na legislação ordinária, exemplo de exercício do direito de petição vem expresso na Lei n.° 4.898/65 (Lei de Abuso de Autoridade), que prevê em seu art. 1.°:

"O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente Lei."

    O direito de petição possui eficácia constitucional, obrigando as autoridades públicas endereçadas ao recebimento, ao exame e se necessário for, à resposta em prazo razoável, sob pena de configurar-se violação ao direito líquido e certo do peticionário, sanável por intermédio de mandado de segurança. Note-se que, apesar da impossibilidade de obrigar-se o Poder Público competente a adoção de medidas para sanar eventuais ilegalidades ou abusos de poder, haverá possibilidade, posterior, de responsabilizar o servidor público omisso, civil, administrativa e penalmente.

O Direito de Petição não poderá ser utilizado como sucedâneo da ação penal, de forma a oferecer-se, diretamente em juízo criminal, acusação formal em substituição ao Ministério Público. A Constituição Federal prevê uma única e excepcional norma sobre ação penal privada subsidiária da pública (CF, art. 5.°, LIX), que somente poderá ser utilizada quando da inércia do Ministério Público, ou seja, quando esgotado o prazo legal não tiver o Parquet oferecido denúncia, requisitado diligências ou proposto o arquivamento, ou ainda nas infrações de menor potencial ofensivo, oferecido a transação penal.


 

8 AÇÃO POPULAR


 

8.1 Conceito


 

O art. 5.°, LXXIII, da Constituição Federal proclama que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. No conceito de Hely Lopes Meirelles, ação popular


 

"é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos".


 

    

8.2 Finalidade


 

A ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular (CF, arts. 1.° e 14), pela qual, na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a res pública (República) é patrimônio do povo. A ação popular poderá ser utilizada de forma preventiva (ajuizamento da ação antes da consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o ressarcimento do dano causado).

Assim sendo, a finalidade da ação popular é a defesa de interesses difusos, reconhecendo-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover a defesa de tais interesses.


 

8.3 Requisitos


 

São dois os requisitos para o ajuizamento da ação popular:

• requisito subjetivo: somente tem legitimidade para a propositura da ação popular o cidadão;

• requisito objetivo refere-se à natureza do ato ou da omissão do Poder Público a ser impugnado, que deve ser, obrigatoriamente lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, a ação popular é destinada "a preservar, em função de seu amplo espectro de atuação jurídico-processual, a intangibilidade do patrimônio público e a integridade da moralidade administrativa (CF, art. 5.°, LXXIII)".


 

8.4 Objeto


 

O objeto da ação popular é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público, sem contudo configurar-se a ultima ratio, ou seja, não se exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento.

A Lei da Ação Popular (Lei n.° 4.717/65), em seu art. 4.°, apesar de definir exemplificativamente os atos com presunção legal de ilegitimidade e lesividade, passíveis, portanto, de ação popular, não excluiu dessa possibilidade todos os atos que contenham vício de forma; ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos, desvio de finalidade ou tenham sido praticados por autoridade incompetente (Lei n.° 4.717/65, art. 1.°).


 

    Ainda em relação ao objeto, Hely Lopes Meirelles aponta que "hoje é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que não cabe ação popular para invalidar lei em tese, ou seja, a norma geral, abstrata, que apenas estabelece regras de conduta para sua aplicação. Em tais casos, é necessário que a lei renda ensejo a algum ato concreto de execução, para ser atacado pela via popular e declarado ilegítimo e lesivo ao patrimônio público, se assim o for" .


 

    

8.5 Legitimação ativa


 

Somente o cidadão, seja o brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e 21 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo de seus direitos políticos, possuem legitimação constitucional para a propositura da ação popular. A comprovação da legitimidade será feita com a juntada do título de eleitor (brasileiros) ou do certificado de equiparação e gozo dos direitos civis e políticos e título de eleitor (português equiparado).

Dessa forma, não poderão ingressar em juízo os estrangeiros, as pessoas jurídicas e aqueles que tiverem suspensos ou declarados perdidos seus direitos políticos (CF, art. 15). Porém, se a privação for posterior ao ajuizamento da ação popular, não será obstáculo para seu prosseguimento.

Ressalte-se que, no caso do cidadão menor de 21 anos, por tratar-se de um direito político, tal qual o direito de voto, não há necessidade de assistência.

A legitimação do cidadão é ampla, tendo o direito de ajuizar a ação popular, mesmo que o litígio se verifique em comarca onde ele não possua domicílio eleitoral, sendo irrelevante que o cidadão pertença, ou não, à comunidade a que diga respeito o litígio, pois esse pressuposto não está na lei e nem se assenta em razoáveis fundamentos.

A jurisprudência e a doutrina majoritária entendem que o cidadão, autor da ação popular, age como substituto processual, pois defende em juízo, em nome próprio, um interesse difuso, pertencente à coletividade, pois como ensina Hely Lopes Meirelles,


 

"tal ação é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição Federal lhe outorga".


 

    

Discordamos dessa posição, pois a ação popular, enquanto instrumento de exercício da soberania popular (CF, arts. 1.° e 14), pertence ao cidadão, que em face de expressa previsão constitucional teve sua legitimação ordinária ampliada, e, em nome próprio e na defesa de seu próprio direito - participação na vida política do Estado e fiscalização da gerência do patrimônio público -, poderá ingressar em juízo. Canotilho e Moreira, em análise ao mesmo instituto previsto na Constituição da República Portuguesa , prelecionam que


 

"a acção popular traduz-se, por definição, num alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa" .


 


 

Assim entende José Afonso da Silva, para quem


 

"a ação popular consiste num instituto de democracia direta, e o cidadão, que a intenta, fá-lo em nome próprio, por direito próprio, na defesa de direito próprio, que é o de sua participação na vida política do Estado, fiscalizando a gestão do patrimônio público, a fim de que esta se conforme com os princípios da legalidade e da moralidade".


 


 

O Ministério Público, enquanto instituição, não possui legitimação para o ingresso de ação popular; porém como parte pública autônoma é incumbido de zelar pela regularidade do processo e de promover a responsabilização civil e criminal dos responsáveis pelo ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, manifestando-se, em relação ao mérito, com total independência funcional (CF, art. 127, § 1.°).


 

8.6 Legitimação passiva


 

Os sujeitos passivos da ação popular são diversos, prevendo a Lei n.° 4.717/65, em seu art. 6.°, § 2.°, a obrigatoriedade de citação das pessoas jurídicas públicas, tanto da Administração direta quanto da indireta, inclusive das empresas públicas e das sociedades de economia mista, ou privadas, em nome das quais foi praticado o ato a ser anulado, e mais as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firmado o contrato impugnado, ou que, por omissos, tiverem dado oportunidade à lesão, como também, os beneficiários diretos do mesmo ato ou contrato.


 

    

8.7 Natureza da decisão


 

A natureza da decisão na ação popular é desconstitutiva-condenatória, visando tanto à anulação do ato impugnado quanto à condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos.


 

8.8 Competência


 

A competência para processar e julgar a ação popular será determinada pela origem do ato a ser anulado, aplicando-se as normais regras constitucionais e legais de competência.

Importante ressaltar que seguindo uma tradição de nosso direito constitucional, não há previsão na Constituição de 1988, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, para o processo e julgamento de ações populares, mesmo que propostas em face do Congresso Nacional, de Ministros de Estado ou do próprio Presidente da República , ou das demais autoridades que, em mandado de segurança, estão sob sua jurisdição.


 

    

8.9 Sentença e coisa julgada


 

As conseqüências da procedência da ação popular são:

• invalidade do ato impugnado;

• condenação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos;

• condenação dos réus às custas e despesas com a ação, bem como honorários advocatícios;

• produção de efeitos de coisa julgada erga omnes.


 

Por outro lado, quando a ação popular é julgada improcedente, deve-se perquirir a razão da improcedência, para se analisarem seus efeitos. Se a ação popular for julgada improcedente por ser infundada, a sentença produzirá efeitos de coisa julgada erga omnes, permanecendo válido o ato. Porém, se a improcedência decorrer de deficiência probatória, apesar da manutenção da validade do ato impugnado, a decisão de mérito não terá eficácia de coisa julgada erga omnes, havendo possibilidade de ajuizamento de nova ação popular com o mesmo objeto e fundamento, por prevalecer o interesse público de defesa da legalidade e da moralidade administrativas, em busca da verdade real.


 

Em ambas as hipóteses de improcedência, ficará o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

A ratio dessa previsão constitucional é impedir a utilização eleitoreira da ação popular, com objetivos político-partidários de desmoralização dos adversários políticos, levianamente.


 

9 TEXTO INTEGRAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


 

CAPÍTULO I


 

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS


 

Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação;

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

XVII - é plena a liberdade de associações para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII - são assegurados nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

XXX - é garantido o direito de herança;

XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça;

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

e) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;


 

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

XII - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) suspensão ou interdição de direitos;

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade

competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória;

LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados

imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer

calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;    LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado em habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;

LXXII - conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;

LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

a) o registro civil de nascimento;

b) o registro de óbito;

LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

§ 1.° As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2.° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.


 

    
 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

5


 

    DIREITOS SOCIAIS


 

1 CONCEITO E ABRANGÊNCIA


 

Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1.°, IV, da Constituição Federal.

Como ressaltam Canotilho e Vital Moreira,


 

"a individualização de uma categoria de direitos e garantias dos trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político, reveste um particular significado constitucional, do ponto em que ela traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos, liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão genéricos e abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade" .


 

O trabalhador subordinado será, para efeitos constitucionais de proteção do art. 7.°, o empregado, ou seja, aquele que mantiver algum vínculo de emprego.

Por ausência de um conceito constitucional de trabalhador ), para determinação dos beneficiários dos direitos sociais constitucionais devemos nos socorrer ao conceito infraconstitucional do termo, considerando para efeitos constitucionais o trabalhador subordinado, ou seja, aquele que trabalha ou presta serviços por conta e sob direção da autoridade de outrem, pessoa física ou jurídica, entidade privada ou pública, adaptando-o, porém, ao texto constitucional, como ressaltado por Amauri Mascaro do Nascimento, para quem


 

"a Constituição é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público. Não mencionando outros trabalhadores, como o eventual, o autônomo e o temporário, os direitos destes ficam dependentes de alteração da lei ordinária, à qual se restringem" .


 

    Os direitos sociais previstos constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de imperativas, invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da relação trabalhista. Como conclui Arnaldo Süssekind,


 

"essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal; mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade, atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação de emprego e que se não confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no momento ou após a cessação do contrato de trabalho"


 

    

A definição dos direitos sociais no título constitucional destinado aos direitos e garantias fundamentais acarreta duas conseqüências imediatas: subordinação à regra da auto-aplicabilidade prevista, no § 1.°, do art. 5.° e suscetibilidade do ajuizamento do mandado de injunção, sempre que houver a omissão do poder público na regulamentação de alguma norma que preveja um direito social, e conseqüentemente inviabilize seu exercício.

A Constituição de 1988, portanto, consagrou diversas regras garantidoras da socialidade e corresponsabilidade, entre as pessoas, os diversos grupos e camadas socioeconômicas.


 

2 DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO


 

Consagra a Constituição Federal o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, entre outros direitos, impedindo-se, dessa forma, a dispensa injustificada, sem motivo socialmente relevante.

O conceito de despedida arbitrária funda-se na motivação disciplinar, técnica, econômica ou financeira. Dessa forma, por motivo disciplinar deve ser entendida a relação do empregado, no cumprimento de suas obrigações, com o empregador, estando compreendidas as figuras da justa causa previstas na legislação ordinária e não apenas o descumprimento de ordens gerais de serviço.

Por sua vez, motivo técnico é aquele que se relaciona com a organização e a atividade empresarial, como a supressão necessária de seção ou de estabelecimento, e motivo econômico ou financeiro coincide com a ocorrência de força maior que atinge a empresa, tornando-a insolvente em suas obrigações negociais.


 

    

3 ROL DOS DIREITOS SOCIAIS


 

Os direitos sociais enumerados exemplificativamente nesse capítulo não esgotam os direitos fundamentais constitucionais dos trabalhadores, que encontram-se também difusamente previstos na própria Constituição Federal.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de 1948, pela Organização das Nações Unidas, em Assembléia Geral, consagra em seu art. XXII, que


 

"todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômico, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade".


 

A Constituição Federal proclama serem direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (CF, art. 6.°) .


 

Observe-se que, para garantir maior efetividade aos direitos sociais, a Emenda Constitucional n.° 31, de 14 de dezembro de 2000, atenta a um dos objetivos fundamentais da República - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais -, criou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, instituído no âmbito do Poder Executivo Federal, para vigorar até 2010, e tendo por objetivo viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, devendo a aplicação de seus recursos direcionar-se às ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida.

No art. 7.°, o legislador constituinte definiu alguns direitos constitucionais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos ;


 

    

II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III - fundo de garantia do tempo de serviço;

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. Assim, conforme ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal, "o legislador constituinte brasileiro delineou, no preceito consubstanciado no art. 7.°, IV da Carta Política, um nítido programa social destinado a ser desenvolvido pelo Estado, mediante atividade legislativa vinculada.


 

Ao dever de legislar imposto ao Poder Público - e de legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais de índole jurídico-social e de caráter econômico-financeiro - corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, as necessidades vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem de preservar, em caráter permanente, o poder aquisitivo desse piso remuneratório".

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem

remuneração variável;

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei . A Emenda Constitucional n.° 20/98 estabelece em seu artigo 13 que até que a lei discipline o acesso ao salário-família para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social;

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;


 

    XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

XXIV - aposentadoria;

XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis

anos de idade em creches e pré-escolas;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo

prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho ;

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos ;

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.


 

No parágrafo único do citado art. 7.°, a Constituição Federal criou uma regra de

extensão dos direitos sociais, assegurando à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social .


 

    


 

4 LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL OU SINDICAL


 

4.1 Conceituação


 

A liberdade sindical é uma forma específica de liberdade de associação (CF, art. 5.°, XVII), com regras próprias, demonstrando, portanto, sua posição de tipo autônomo.

Canotilho e Vital Moreira definem a abrangência da liberdade sindical, afirmando

que


 

"é hoje mais que uma simples liberdade de associação perante o Estado. Verdadeiramente, o acento tônico coloca-se no direito á actividade sindical, perante o Estado e perante o patronato, o que implica, por um lado, o direito de não ser prejudicado pelo exercício de direitos sindicais e, por outro lado, o direito a condições de actividade sindical (direito de informação e de assembléia nos locais de trabalho, dispensa de trabalho para dirigentes e delegados sindicais). Finalmente, dada a sua natureza de organizações de classe, os sindicatos possuem uma importante dimensão política que se alarga muito para além dos interesses profissionais dos sindicalizados, fazendo com que a liberdade sindical consista também no direito dos sindicatos a exercer determinadas funções políticas" .


 

4.2 Classificação dos direitos sindicais


 

• Liberdade de constituição: é livre a associação profissional ou sindical, não podendo a lei exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato. Ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical (CF, art. 8.°, I). A constituição estabelece somente uma restrição, quando veda criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, "o ato de fiscalização estatal se restringe à observância da norma constitucional no que diz respeito à vedação da sobreposição, na mesma base territorial, de organização sindical do mesmo grau. Interferência estatal na liberdade de organização sindical. Inexistência. O Poder Público, tendo em vista o preceito constitucional proibitivo, exerce mera fiscalização".

• Liberdade de inscrição: ninguém poderá ser obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a qualquer sindicato.

• Direito de auto-organização: implica a liberdade de definição da forma de governo da associação ou do sindicato, bem como as formas de expressão de vontade (assembléias, eleições, plebiscitos, referendos etc.), nos termos constitucionais. A Constituição Federal refere-se expressamente ao direito do aposentado filiado a votar e ser votado nas organizações sindicais (CF, art. 8.°, VII).

• Direito de exercício de atividade sindical na empresa: corresponde ao direito de ação sindical nos locais de trabalho, bem como ao de organização através de representantes e comissões sindicais. A própria Constituição Federal prevê a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (CF, art. 8.°, VI); a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (CF, art. 10); e a eleição de um representante, nas empresas de mais de duzentos empregados, com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores (CF, art. 11). Além disso, autoriza ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (CF, art. 8.°, III.

• Direito democrático: impõem-se aos sindicatos diversos requisitos que coadunem-se com os princípios constitucionais. Entre eles, deverão os estatutos estabelecer eleições periódicas e por escrutínio secreto para seus órgãos dirigentes, quorum de votações para assembléias gerais, inclusive para deflagração de greves; controle e responsabilização dos órgãos dirigentes.

• Direito de independência e autonomia: inclusive com a existência de fontes de renda independentes do patronato ou do próprio Poder Público. A constituição, portanto, estabelece que a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.

• Direito de relacionamento ou de filiação em organizações sindicais internacionais: é manifestação do princípio da solidariedade internacional dos interesses dos trabalhadores.

• Direito de proteção especial dos dirigentes eleitos dos trabalhadores: é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei (CF, art. 8.°, VIII). Esse direito, denominado de estabilidade sindical, manifesta-se sob uma dupla ótica, pois tanto é a consagração de um direito de defesa dos representantes eleitos dos trabalhadores perante o patronato, para o fiel cumprimento de suas funções (dimensão subjetiva), quanto uma imposição constitucional dirigida ao legislador ordinário, que deverá estabelecer adequadas normas protetivas aos referidos representantes (dimensão objetiva).


 


 

4.3 Contribuições confederativa e sindical - diferenças e exigibilidade


 

É certo que ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato (CF, art. 8.°, V), não podendo o sindicato compelir os não filiados para obrigá-los a pagar-lhe contribuição assistencial nem obrigar aos filiados a permanecerem no sindicato. Porém, não se pode confundir a chamada contribuição assistencial ou confederativa com a contribuição sindical. A primeira é prevista no início do inciso IV, art. 8.°, da Constituição Federal ("a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva"); enquanto a segunda é prevista no final do citado inciso ("independentemente da contribuição prevista em lei").

Pinto Ferreira define a contribuição sindical, antes denominada de imposto sindical, como uma contribuição parafiscal, afirmando que "na verdade é uma norma de tributo"; e citando Amauri Mascaro Nascimento, diz que a contribuição sindical é


 

"um pagamento compulsório, devido por todo trabalhador ou empregado, em benefício do respectivo sindicato, pelo fato de pertencerem à categoria econômica ou profissional ou a uma profissão liberal" .


 


 

Assim, nenhuma entidade sindical poderá cobrar a contribuição assistencial daquele que se recusou a filiar-se ou permanecer filiado, porém, a contribuição sindical, que a Constituição Federal assegura, desde que prevista em lei, é obrigatória e devida pelos que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades.

Desta forma, a contribuição sindical definida em lei é obrigatória, mesmo para os profissionais liberais não filiados , enquanto qualquer outra contribuição assistencial/ confederativa é facultativa, somente podendo ser cobrada com autorização por parte do empregado ou trabalhador.

Portanto, inobstante a separação dos sindicatos da esfera de intervenção do Ministério do Trabalho, a contribuição sindical foi preservada pela nova Constituição Federal, pelo que remanesce seu disciplinamento pela CLT , sendo os recursos da "conta especial emprego e salário" descontados a título de contribuição sindical, para finalidade definida em lei, entre elas a própria subsistência e independência sindical, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal. Esse é o mesmo posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que se posiciona, nos termos constitucionais, pela não-obrigatoriedade de contribuições assistenciais/confederarivas para os não filiados, mas da exigibilidade da contribuição sindicai prevista em Lei.

Ressalte-se, por fim, que, apesar de o art. 8.°, I, da CF, garantir a liberdade sindical, é admissível o controle jurisdicional sobre a legalidade da contribuição assistencial cobrada dos sindicalizados, em face do art. 5.°, XXXVI, pois nenhuma alegação de lesão ou ameaça a direito será excluída de apreciação do Poder Judiciário.


 

5 DIREITO DE GREVE


 

A doutrina indica que o surgimento da palavra greve deve-se a uma praça de Paris, denominada Place de Grève, na qual os operários se reuniam quando paralisavam seus serviços com finalidades reivindicatórias.

A greve pode ser definida como um direito de autodefesa que consiste na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimentos, com o fim de defender interesses determinados.

Podemos concluir, como Cassio Mesquita Barros, para quem


 

"o direito de greve, sob o ponto de vista da teoria jurídica, se configura como direito de imunidade do trabalhador face às conseqüências normais de não trabalhar. Seu reconhecimento como direito implica uma permissão de não-cumprimento de uma obrigação" .


 


 

Incluem-se no direito de greve diversas situações de índole instrumental, além do fato de o empregado não trabalhar, tais como a atuação de piquetes pacíficos, passeatas, reivindicações em geral, a propaganda, coleta de fundos, "operação tartaruga", "cumprimento estrito do dever", "não-colaboração" etc.

O art. 9.° da Constituição Federal assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender e determina que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, inclusive responsabilizando os abusos cometidos.

A disciplina do art. 9.° refere-se aos empregados de empresas privadas, entre as quais se incluem as sociedades de economia mista e as denominadas empresas públicas, uma vez que, em relação a essas, se aplica o art. 173, § 1.°, da Constituição Federal, que determina sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.

Em relação às diversas espécies de greves permissíveis pelo texto constitucional, os trabalhadores podem decretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, visando conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou, ainda, greves de protesto. Contra esse posicionamento, Arnaldo Süssekind afirma

"O direito do Trabalho, de um modo geral, só admite a greve de finalidades profissionais, objetivando pressionar o empregador a adotar ou rever condições contratuais ou ambientais de trabalho. Por conseguinte, as greves políticas, de consumidores, de estudantes etc., precisamente por que o atendimento da respectiva postulação não depende de um dos pólos da relação de emprego, escapam às fronteiras do Direito do Trabalho. A deflagração dessas greves não corresponde ao exercício de um direito, mesmo quando as de liberdades políticas tiverem sido deliberadas por assembléias de sindicatos" .


 

    As características principais do direito de greve são:

• direito coletivo, cujo titular é um grupo organizado de trabalhadores;

• direito trabalhista irrenunciável no âmbito do contrato individual do trabalho;

• direito relativo, podendo sofrer limitações, inclusive em relação às atividades consideradas essenciais (CF, art. 9.°, § 1.°);

• instrumento de autodefesa, que consiste na abstenção simultânea do trabalho;

• procedimento de pressão;

• finalidade primordial: defender os interesses da profissão (greves reivindicativas);

• outras finalidades: greves políticas, greves de solidariedade, greves de protesto;

• caráter pacífico.

O direito de greve é auto-aplicável, não podendo ser restringido ou impedido pela legislação infraconstitucional. Não está vedada, porém, a possibilidade de regulamentação de seu procedimento, como, por exemplo, a exigência de determinado quorum na assembléia geral, para que ela se instale.

Nas atividades públicas o direito de greve não entra em vigor imediatamente, dependendo seu exercício de lei ordinária específica .

Sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, conferir capítulo dedicado à Administração Pública - Servidores Públicos.

A greve dos empregadores é denominada lock-out (locaute), e ocorre quando aqueles fecham as portas de seus estabelecimentos, impossibilitando a prestação de serviços pelos empregados, com a finalidade de pressionar os próprios trabalhadores ou setores do Poder Público, para que atendam suas reivindicações.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

6


 

DIREITO DE NACIONALIDADE


 

CONCEITO


 

Nacionalidade é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal este Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento de deveres impostos.

Aluísio Dardeau de Carvalho aponta a falta de juridicidade do termo nacionalidade, que, partindo da idéia de nação, englobaria somente os indivíduos que pertencessem à determinado grupo ligado pela raça, religião, hábitos e costumes. Porém, igualmente, aponta que essa terminologia encontra-se generalizada em diversos ordenamentos jurídicos.


 

2 DEFINIÇÕES RELACIONADAS À MATÉRIA


 

Alguns conceitos estão relacionados com o estudo do direito de nacionalidade. São os conceitos de povo, população, nação e cidadão.

Povo: é o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado - é seu elemento humano. O povo está unido ao Estado pelo vínculo jurídico da nacionalidade.

População: é conjunto de habitantes de um território, de um país, de uma região, de uma cidade. Esse conceito é mais extenso que o anterior - povo -, pois engloba os nacionais e os estrangeiros, desde que habitantes de um mesmo território. Como salientado por Marcelo Caetano,


 

"o termo população tem um significado econômico, que corresponde ao sentido vulgar, e que abrange o conjunto de pessoas residentes num território, quer se trate de nacionais quer de estrangeiros. Ora o elemento humano do Estado é constituído unicamente pelos que a ele estão ligados pelo vínculo jurídico que hoje chamamos de nacionalidade" .


 

Nação: agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros, fixados num território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e lingüísticos. Conforme ensina A. Dardeau de Carvalho,


 

"a complexidade do fenômeno nação, sem dúvida, resulta da multiplicidade de fatores que entram na sua composição, uns de natureza objetiva, outros de natureza subjetiva. A raça, a religião, a língua, os hábitos e costumes, são os fatores objetivos que permitem distinguir as nações entre si. A consciência coletiva, o sentimento da comunidade de origem, é o fator subjetivo da distinção" .


 


 

Cidadão: é o nacional (brasileiro nato ou naturalizado) no gozo dos direitos políticos e participantes da vida do Estado.


 

3 ESPÉCIES DE NACIONALIDADE


 

A competência para legislar sobre nacionalidade é exclusiva do próprio Estado,

sendo incontroversa a total impossibilidade de ingerência normativa de direito estrangeiro.

Doutrinariamente, distinguem-se duas espécies de nacionalidade, a primária e a secundária.

A nacionalidade primária, também conhecida por originária, ou de origem, resulta do nascimento a partir do qual, através de critérios sangüíneos, territoriais ou mistos será estabelecida.

A nacionalidade secundária ou adquirida é a que se adquire por vontade própria, após o nascimento, e em regra pela naturalização.

A Constituição Federal manteve o modelo de enunciar separadamente quais os casos de aquisição de nacionalidade originária e quais as hipóteses de aquisição secundária, como fora feito pela Constituição anterior, em rompimento com a tradição constitucional brasileira, que enumerava todas as formas de aquisição da nacionalidade em uma só seqüência.


 

4 BRASILEIROS NATOS


 

4.1 Critérios de atribuição de nacionalidade originária


 

Os critérios de atribuição de nacionalidade originária são, basicamente, dois: o ius sanguinis e o ius soli, aplicando-se ambos a partir de um fato natural: o nascimento.


 

a. IUS SANGUINIS (origem sangüínea) - por esse critério será nacional todo o descendente de nacionais, independentemente do local de nascimento.

Importante observar que a Constituição Federal de 1988 não adotou esse critério puro, exigindo-se sempre algum outro requisito, como veremos a seguir. Sempre, porém, deve estar presente uma relação de contemporaneidade entre a condição jurídica do ascendente e o momento do nascimento, ou seja, aquele deverá ser brasileiro nato ou naturalizado à época do nascimento deste.

b. IUS SOLI (origem territorial) - por esse critério será nacional o nascido no território do Estado, independentemente da nacionalidade de sua ascendência. A Constituição brasileira adotou-o em regra.


 

5 HIPÓTESES DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA


 

A Constituição Federal prevê exaustiva e taxativamente as hipóteses de aquisição da nacionalidade originária, ou seja, somente serão brasileiros natos aqueles que preencherem os requisitos constitucionais das hipóteses únicas do art. 12, inciso I. Como ressalta Francisco Rezek, analisando hipótese semelhante, "seria flagrante, na lei, o vício de inconstitucionalidade, quando ali detectássemos o intento de criar, à margem da Lei Maior, um novo caso de nacionalidade originária" .


 

A regra adotada, como já visto, foi ius soli, mitigada pela adoção do ius sanguinis somado a determinados requisitos. Assim são brasileiros natos:

• os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país (ius soli);

• os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil (ius sanguinis + critério funcional);

• os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira (ius sanguinis + critério residencial + opção confirmativa).


 

5.1 Os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país


 

O legislador constituinte adotou critério já tradicional em nosso ordenamento constitucional: IUS SOLI.

Dessa forma, em regra, basta ter nascido no território brasileiro, para ser considerado brasileiro nato, independentemente da nacionalidade dos pais ou ascendentes.

O território nacional deve ser entendido como as terras delimitadas pelas fronteiras geográficas, com rios, lagos, baías, golfos, ilhas, bem como o espaço aéreo e o mar territorial, formando o território propriamente dito; os navios e as aeronaves de guerra brasileiros, onde quer que se encontrem; os navios mercantes brasileiros em alto mar ou de passagem em mar territorial estrangeiro; as aeronaves civis brasileiras em vôo sobre o alto mar ou de passagem sobre águas territoriais ou espaços aéreos estrangeiros.

A constituição, porém, traz uma única exceção à aplicabilidade do critério do ius soli, excluindo-se da nacionalidade brasileira os filhos de estrangeiros, que estejam a serviço de seu país.

Não se trata da adoção pura e simples do critério ius sanguinis para exclusão da nacionalidade brasileira, mas da conjugação de dois requisitos:

• ambos os pais estrangeiros;

• um dos pais, no mínimo, deve estar no território brasileiro, a serviço do seu país de origem. Frise-se que não bastará outra espécie de serviço particular ou para terceiro país, pois a exceção ao critério do ius soli refere-se a uma tendência natural do direito internacional, inexistente na hipótese de pais estrangeiros a serviço de um terceiro país, que não o seu próprio.


 

5.2 Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil


 

Nesta hipótese o legislador constituinte adotou o ius sanguinis somado, porém, a um requisito específico (critério funcional), qual seja, a necessidade de pai ou de mãe brasileiros, sejam natos ou naturalizados, estarem a serviço do Brasil. Assim, são requisitos:

• ser filho de pai brasileiro ou mãe brasileira (ius sanguinis);

• o pai ou a mãe devem estar a serviço da República Federativa do Brasil (critério funcional), abrangendo-se o serviço diplomático; o serviço consular; serviço público de outra natureza prestado aos órgãos da administração centralizada ou descentralizada (autarquias, sociedade de economia mista e empresas públicas) da União, dos Estados-membros, dos Municípios, do Distrito Federal ou dos Territórios.


 

5.3 Nacionalidade potestativa: os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira


 

Esta hipótese de aquisição de nacionalidade originária sofreu importantes alterações com a Constituição de 1988 e, posteriormente, com a Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 7-6-1994.

Na vigência da constituição passada, o art. 145, c, previa a aquisição da nacionalidade aos nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, embora não a serviço do país, e não fossem registrados, que viessem a residir no território nacional antes de atingir a maioridade; e neste caso, alcançada esta, fizessem dentro de quatro anos opção pela nacionalidade brasileira.

Assim, previa-se a necessidade de cinco requisitos:

• nascidos de pai brasileiro ou mãe brasileira;

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;

• inocorrência do registro na repartição competente;

• fixação de residência antes da maioridade;

• realização da opção até quatro anos após a aquisição da maioridade).


 


 

O legislador constituinte de 88 alterou um dos requisitos, deixando de fixar prazo para realização da opção. Dessa forma, essa hipótese de aquisição da nacionalidade originária passou a ficar condicionada aos seguintes requisitos:

• nascidos de pai brasileiro ou mãe brasileira;

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;

• inocorrência do registro na repartição competente;

• fixação de residência antes da maioridade;

• realização da opção a qualquer tempo.


 

Com a Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, essa hipótese de aquisição foi

novamente alterada, deixando de exigir-se prazo para a fixação de residência no Brasil.

Requisitos:

• nascidos de pai brasileiro ou mãe brasileira;

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;

• fixação de residência a qualquer tempo;

• realização da opção a qualquer tempo.


 

    
 


 


 


 

5.4 Opção


 

A opção prevista na Constituição Federal consiste na declaração unilateral de vontade de conservar a nacionalidade brasileira primária, na já analisada hipótese de nacionalidade potestativa. A aquisição, apesar de provisória, dá-se com a fixação da residência, sendo a opção uma condição confirmativa e não formativa de nacionalidade.

Dessa forma, no momento em que o filho de pai brasileiro e/ou mãe brasileira, que não estivessem a serviço do Brasil, nascido no estrangeiro, fixasse residência no Brasil, adquiriria a nacionalidade provisória, que seria confirmada com a opção feita perante a Justiça Federal .


 

O momento da fixação da residência no País constitui o fator gerador da nacionalidade, que fica sujeita a uma condição confirmativa, a opção. Ocorre que, pela inexistência de prazo para essa opção, apesar da aquisição temporária da nacionalidade com a fixação de residência, seus efeitos ficarão suspensos até que haja a referida condição confirmativa.

Pela constituição anterior, a pessoa nascida nas condições mencionadas, enquanto não atingisse o prazo de quatro anos após a maioridade, era considerada, para todos os efeitos, brasileira nata, desde a fixação da residência, inclusive podendo requerer abertura de assento de nascimento provisório, que seria cancelado se, decorrido o prazo de quatro anos mencionado no texto constitucional, não tivesse havido a opção pela nacionalidade brasileira (Lei Federal n.° 6.015/73, art. 32, §§ 2.° a 5.°). Feita, no entanto, a opção, a pessoa conservaria sua condição jurídica de brasileira nata. Não a fazendo, perderia a citada condição.

Agora, nos termos da constituição atual, em virtude da inexistência de prazo para a realização da opção, que poderá ser a qualquer tempo, parece-nos mais sensato que, apesar de o momento da fixação da residência no País constituir o fator gerador da nacionalidade, seus efeitos fiquem suspensos até que sobrevenha a condição confirmativa - opção (que terá efeitos retroativos) .


 

Não foi outro o entendimento da Relatoria da Revisão Constitucional a cargo do então deputado Nelson Jobim, que assim se manifestou: "A opção pode agora ser feita a qualquer tempo. Tal como nos regimes anteriores, até a maioridade, são brasileiros esses indivíduos. Entretanto, como a norma não estabelece mais prazo, podendo a opção ser efetuada a qualquer tempo, alcançada a maioridade essas pessoas passam a ser brasileiras sob condição suspensiva, isto é, depois de alcançada a maioridade, até que optem pela nacionalidade brasileira, sua condição de brasileiro nato fica suspensa. Nesse período o Brasil os reconhece como nacionais, mas a manifestação volitiva do Estado torna-se inoperante até a realização do acontecimento previsto, a opção.

É lícito considerá-los nacionais no espaço de tempo entre a maioridade e a opção, mas não podem invocar tal atributo porque pendente da verificação da condição".


 

5.5 Hipótese suprimida pela Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 7-6-1994 - ius sanguinis + registro


 

A análise das propostas apresentadas durante a revisão constitucional, bem como as emendas, substitutivos e pareceres ofertados, mostra que em momento algum o legislador constituinte-revisor pretendeu retirar do texto constitucional a hipótese de aquisição de nacionalidade, do filho de brasileiro que, nascendo no estrangeiro, fosse registrado na repartição pública competente. Assim, mesmo tendo o ilustre relator Deputado Nelson Jobim apresentado a proposta de emenda constitucional de revisão n.° 03-A, de 1994, como emenda aglutinativa relativa à alínea c, do inciso I, do art. 12, com a redação atual, em seu parecer somente se discute as alterações da nacionalidade potestativa, não se referindo em nenhum momento à hipótese do registro, ou mesmo quais os motivos para sua supressão.

Apesar dessas considerações, positivamente o texto constitucional foi alterado, suprimindo-se uma das tradicionais hipóteses de aquisição da nacionalidade originária.

O texto original do art. 12, I, c, da Constituição Federal previa a aquisição da nacionalidade originária aos nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que fossem registrados em repartição brasileira competente.

Assim, era adotado o critério do ius sanguinis somado a um requisito específico (registro), qual seja, a necessidade de registro em repartição brasileira competente (Embaixada ou Consulado), independentemente de qualquer outro procedimento subseqüente, além do registro, para confirmar a nacionalidade.

O assento de nascimento lavrado no exterior por agente consular possuía a mesma eficácia jurídica daqueles que eram formalizados no Brasil por oficiais do registro civil das pessoas naturais, não havendo necessidade de qualquer opção, nesta hipótese.

A Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 7-6-1994, suprimiu essa hipótese de nacionalidade originária.

Com esta alteração, não há mais possibilidade de filho de brasileiros, nascido no estrangeiro, vir a ser registrado em repartição brasileira competente, para fins de aquisição de nacionalidade. Portanto, para que venha a adquirir a nacionalidade brasileira, deverá fixar residência no país e realizar a devida opção (nacionalidade potestativa).

Note-se que não houve recepção da Lei dos Registros Públicos, quando repetindo a antiga hipótese constitucional, regulamentava a ocorrência do registro como aquisitivo de nacionalidade originária, pois a lei ordinária não pode criar novas hipóteses de brasileiros natos .

Relembremo-nos que o direito pátrio, anteriormente, já se encontrou nessa mesma situação, quando a Constituição Federal de 1967 deixou de prever como forma de aquisição da nacionalidade originária a possibilidade de opção pela nacionalidade brasileira feita pelo filho de pais estrangeiros, que estivessem a serviço de seu governo, cujo nascimento se dera no território nacional, que era prevista pela Constituição Federal de 1946. Apesar da supressão constitucional, essa hipótese constava no texto do art. 22 da Lei n.° 818/49. À época se apontou a não-recepção dessa norma, em virtude de somente a norma constitucional determinar as hipóteses de aquisição da nacionalidade originária.


 

6 BRASILEIRO NATURALIZADO


 

O brasileiro naturalizado é aquele que adquire a nacionalidade brasileira de forma secundária, ou seja, não pela ocorrência de um fato natural, mas por um ato voluntário. A naturalização é o único meio derivado de aquisição de nacionalidade, permitindo-se ao estrangeiro, que detém outra nacionalidade, ou ao apátrida (também denominado heimatlos), que não possui nenhuma, assumir a nacionalidade do país em que se encontra, mediante a satisfação de requisitos constitucionais e legais.

Não existe direito público subjetivo à obtenção da naturalização, que se configura ato de soberania estatal, sendo, portanto, ato discricionário do Chefe do Poder Executivo, já tendo, inclusive, o Supremo Tribunal Federal decidido que "não há inconstitucionalidade no preceito que atribui exclusivamente ao Poder Executivo a faculdade de conceder naturalização".

Como bem observa Celso de Mello,


 

"a concessão da naturalização é faculdade exclusiva do Poder Executivo. A satisfação das condições, exigências e requisitos legais não assegura ao estrangeiro direito à naturalização. A outorga da nacionalidade brasileira secundária a um estrangeiro constitui manifestação de soberania nacional, sendo faculdade discricionária do Poder Executivo".


 

6.1 Espécies de naturalização


 

A naturalização, doutrinariamente, poderá ser tácita ou expressa, dividindo-se esta última em ordinária ou extraordinária.


 

6.1.1 Naturalização tácita ou grande naturalização


 

    

O art. 69, § 4.°, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891, previa serem


 

"cidadãos brazileiros os estrangeiros que, achando-se no Brazil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis mezes depois de entrar em vigor a Constituição, o animo de conservar a nacionalidade de origem".


 

Obviamente, essa hipótese de aquisição de nacionalidade foi prevista com um prazo fatal - seis meses da promulgação da Constituição de 1891 - ao término do qual deixou de produzir efeitos jurídicos. Por tradição constitucional foi sendo mantida nas sucessivas constituições, porém sem qualquer relevância jurídica. Fez bem o legislador constituinte de 1988 ao suprimir sua menção.

Anote-se que citado dispositivo da naturalização tácita quando aplicado aos pais, igualmente, acarretava a naturalização dos filhos menores em sua companhia.


 

6.1.2 Naturalização expressa


 

É aquela que depende de requerimento do interessado, demonstrando sua manifestação de vontade em adquirir a nacionalidade brasileira. Divide-se em ordinária e extraordinária.


 

1. Naturalização ordinária


 

O processo de naturalização deve respeitar os requisitos legais , bem como apresenta características administrativas, uma vez que todo o procedimento até decisão final do Presidente da República ocorre perante o Ministério da Justiça, porém com uma formalidade final de caráter jurisdicional, uma vez que


 

"a entrega do certificado de naturalização ao estrangeiro que pretende naturalizar-se brasileiro constitui o momento de efetiva aquisição da nacionalidade brasileira. Este certificado deve ser entregue pelo magistrado competente .


 

Enquanto não ocorrer tal entrega, o estrangeiro ainda não é brasileiro, podendo, inclusive, ser excluído no território nacional" .

Assim, serão considerados brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, sendo exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral.

Devemos subdividir o estudo da aquisição da nacionalidade ordinária, para melhor compreensão, em três partes:

• estrangeiros, excluídos os originários de países de língua portuguesa;

• estrangeiros originários de países de língua portuguesa, exceto portugueses residentes no Brasil (Angola, Açores, Cabo Verde, Goa, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, Príncipe e Timor Leste);

• os portugueses residentes no Brasil.


 

A. Estrangeiros, excluídos os originários de países de língua portuguesa


 

Requisitos: o Estatuto dos Estrangeiros (Lei n.° 6.815, de 19-8-1980), em seu art. 112 prevê os seguintes requisitos:

1. capacidade civil segundo a lei brasileira;

2. ser registrado como permanente no Brasil (visto permanente);

3. residência contínua pelo prazo de quatro anos;

4. ler e escrever em português;

5. boa conduta e boa saúde;

6. exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família;

7. bom procedimento;

8. inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de prisão, abstratamente considerada superior a um ano.

A simples satisfação dos requisitos não assegura a nacionalização do estrangeiro, uma vez que a concessão da nacionalidade é ato discricionário do Poder Executivo, conforme já visto.


 

B. Para os originários de países de língua portuguesa, exceto portugueses residentes no Brasil


 

A constituição prevê somente dois requisitos para que os originários de países de língua portuguesa adquiram a nacionalidade brasileira, quais sejam:

1. residência por um ano ininterrupto;

2. idoneidade moral.


 

O fato de os requisitos serem previstos constitucionalmente não afasta a natureza discricionária do Poder Executivo em conceder ou não a nacionalidade nestes casos.

Além disso, entende-se necessário o requisito da capacidade civil, pois a aquisição da nacionalidade secundária decorre de um ato de vontade.


 

    

C. Para os portugueses residentes no Brasil


 

A constituição, além de garantir aos portugueses, na forma da lei, a aquisição da nacionalidade brasileira, exigindo apenas os requisitos de residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral, prevê a possibilidade de aos portugueses com residência permanente no país, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serem atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado.

São, portanto, duas hipóteses previstas aos portugueses:

• 1.ª - aquisição da nacionalidade brasileira derivada: neste caso seguirá todos os requisitos da naturalização para os originários de países de língua portuguesa (ver item anterior);

• 2.ª - aquisição da equiparação com brasileiro naturalizado, sem contudo perder a nacionalidade portuguesa (quase nacionalidade): o art. 12, § 1.°, da Constituição Federal, com nova redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 7-6-1994, prevê aos portugueses que preencham os requisitos constitucionais, a possibilidade, desde que haja reciprocidade em favor dos brasileiros (cláusula do ut des, ou seja, cláusula de admissão de reciprocidade), de atribuição dos direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, salvo os previstos na Constituição. O Ministério da Justiça é o órgão com atribuição para o reconhecimento da igualdade de direitos e deveres entre os portugueses equiparados e os brasileiros naturalizados. Ressalte-se que, para o exercício dos direitos políticos, há necessidade de requerimento à Justiça Eleitoral e permanência, no mínimo, de cinco anos de residência no País. Como ressalta Jorge Miranda,

"com esse regime não se estabelece uma dupla cidadania ou uma cidadania comum luso-brasileira. Os portugueses no Brasil continuam portugueses e os brasileiros em Portugal, brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condição comum de estrangeiro, direitos que a priori poderiam ser apenas conferidos aos cidadãos do país".


 


 

2. Naturalização extraordinária ou quinzenária


 

A previsão de uma hipótese de naturalização extraordinária foi uma inovação na ordem constitucional de 1988. O texto original da CF/88 previa que seriam considerados brasileiros naturalizados os estrangeiros residentes no país há mais de 30 anos (trintenária), sem condenação penal, desde que fizessem o requerimento.

Somente se exigiam estes três requisitos, não podendo a lei infraconstitucional

ampliá-los:

1. residência fixa no país há mais de trinta anos;

2. ausência de condenação penal;

3. requerimento do interessado.


 

A Emenda Constitucional de Revisão n.° 3/94 alterou o prazo de residência fixa no Brasil exigida, diminuindo-o para 15 (quinze) anos ininterruptos (quinzenária). Exigem-se, atualmente, os seguintes requisitos:

1. residência fixa no país há mais de 15 anos;

2. ausência de condenação penal;

3. requerimento do interessado.


 

A Constituição Federal respeitou a declaração de vontade do interessado, exigindo, expressamente, seu requerimento de nacionalidade.

Discute-se se, excepcionalmente, nessa hipótese inexistiria discricionariedade por parte do Poder Executivo, estando o mesmo vinculado ao requerimento feito pelo interessado.

A expressa previsão constitucional afirmando a aquisição, presentes todos os requisitos, "... desde que requeiram...", parece não deixar dúvidas sobre a existência de direito subjetivo por parte daquele que cumprir com as exigências constitucionais, mesmo porque, diferentemente da hipótese de naturalização ordinária, não há referência alguma à lei.

É esse o entendimento da doutrina. Celso Bastos diz:

"A hipótese não comporta discussão administrativa. A utilização do verbo `requerer' oferece bem a idéia de que se trata do exercício de um direito vinculado a certos pressupostos. Em outras palavras, a incorporação deste direito no patrimônio do naturalizado é automática. Falta-lhes, é certo, o requerimento. Mas sobrevindo este, não podem as autoridades negar-lhe a naturalização sob fundamento de ser necessário cumprir qualquer outro pressuposto".

Da mesma forma se manifesta José Afonso da Silva, para quem essa hipótese "é uma prerrogativa à qual o interessado tem direito subjetivo, preenchidos os pressupostos". João Grandino Rodas e Jacob Dolinger afirmam a criação de "uma nova figura de naturalização constitucional, independentemente do poder discricionário do Estado".

Por fim, ressalte-se, em relação ao prazo de 15 anos, que a ausência temporária do estrangeiro do território brasileiro "não significa que a residência não foi contínua, pois há que distinguir entre residência contínua e permanência contínua".


 

6.2 Radicação precoce e curso superior


 

A constituição anterior (CF/67, art. 145, II, b, 1 e 2) previa expressamente outras duas hipóteses de aquisição da nacionalidade secundária: radicação precoce e conclusão de curso superior.


 

    

Assim, também eram considerados brasileiros naturalizados os nascidos no estrangeiro, que hajam sido admitidos no Brasil durante os primeiros cinco anos de vida, estabelecidos definitivamente no território nacional, que para preservar a nacionalidade brasileira deveriam manifestar-se por ela, inequivocadamente, até dois anos após atingir a maioridade (radicação precoce); e os nascidos no estrangeiro que, vindo a residir no País antes de atingida a maioridade, fizessem curso superior em estabelecimento nacional e tivessem requerido a nacionalidade até um ano depois da formatura (conclusão de curso superior).

As hipóteses da radicação precoce e conclusão de curso superior deixaram de constar no texto constitucional em virtude da desnecessidade de especificar hipóteses casuísticas, que devem ficar a cargo do legislador ordinário. O fato de deixarem de figurar no Texto Maior, porém, não impede que continuem a existir como hipóteses legais de aquisição da nacionalidade secundária, uma vez que a Lei n.° 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), nesse aspecto, foi recepcionada pelo art. 12, II, a (são brasileiros naturalizados os que na forma da lei ...) e pelo art. 22, XIII (compete privativamente à União legislar sobre nacionalidade, cidadania e naturalização) ambos da Carta Magna.


 

    

7 TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE BRASILEIRO NATO E NATURALIZADO


 

A Constituição Federal, em virtude do princípio da igualdade, determina que a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados. Portanto, as únicas hipóteses de tratamento diferenciado são as quatro constitucionais: cargos, função, extradição e propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

As exceções constitucionais têm natureza histórica, como salienta Ilmar Penna Marinho:


 

"... devido, entretanto, aos abusos cometidos por indivíduos naturalizados, com a espantosa facilidade das antigas leis sobre a nacionalidade e devido, sobretudo, à atividade nociva e subversiva desses elementos, os Estados, em suas legislações modernas, não só dificultaram a outorga da naturalização, exigindo uma série de requisitos e um estágio de residência mais longo, porém, tornaram, ainda, exclusivo dos nacionais natos o gozo de certas prerrogativas, outrora concedidas indistintamente".


 


 

7.1 Brasileiro nato e naturalizado - diferenças


 

Cargos art. 12, § 3.°

Função art. 8.°, VII

Extradição art. 5.°, LI

Direito de propriedade art. 222


 

7.2 Cargos


 

Como salienta Pontes de Miranda,


 

"alguns cargos a Constituição considerou privativos de brasileiros natos. A ratio legis está em que seria perigoso que interesses estranhos ao Brasil fizessem alguém naturalizar-se brasileiro, para que, em verdade, os representasse".


 

Nesta esteira, o legislador constituinte fixou dois critérios para a definição dos cargos privativos aos brasileiros natos: a chamada linha sucessória e a segurança nacional.

Assim, em relação à linha sucessória, temos que o art. 79 da Constituição Federal prevê que substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, na vaga, o Vice-presidente. Da mesma forma, no art. 80, temos a determinação de que em caso de impedimento do Presidente e do Vice-presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da presidência o presidente da Câmara dos Deputados; o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal (cuja presidência pode ser ocupada por qualquer dos Ministros).

No tocante à segurança nacional, devemos ter em mente as funções exercidas pelos diplomatas e oficiais das Forças Armadas, que em virtude de suas posições estratégicas nos negócios do Estado, mereceram maior atenção por parte do legislador constituinte.

Assim, são privativos de brasileiro nato os cargos: de Presidente e Vice-presidente da República; de Presidente da Câmara dos Deputados; de Presidente do Senado Federal, de Ministro do Supremo Tribunal Federal; da carreira diplomática; de oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estado da Defesa.

Apesar desta previsão constitucional em relação à carreira diplomática, ressalte-se que não há impedimento em relação ao brasileiro naturalizado ocupar o cargo de Ministro das Relações Exteriores, uma vez que o art. 87 da Constituição Federal não exige a condição de brasileiro nato aos ocupantes de cargos de ministros de Estado, salvo em relação ao titular do Ministério de Estado da Defesa, em virtude da redação dada pela EC n.° 23, promulgada em 2-9-1999.

Houve, portanto, redução dos cargos privativos de brasileiros natos, em relação à constituição anterior, que exigia essa condição aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, ministros de Estado, ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Federal de Recursos, do Tribunal de Contas da União, Procurador-Geral da República, senador e deputado federal, Governador do Distrito Federal, Governador e Vice-governador de Estado e Território e seus substitutos, os de Embaixador e os das carreiras diplomáticas, de oficial da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (CF/67, art. 145, parágrafo único).

A enumeração do texto é taxativa, não permitindo qualquer ampliação, por meio de legislação ordinária.


 

7.3 Função


 

A Constituição Federal, igualmente diferenciando o brasileiro nato do naturalizado, reserva aos primeiros (natos), seis assentos no Conselho da República.

O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam: o Vice-Presidente da República; o Presidente da Câmara dos Deputados; o Presidente do Senado Federal; os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados, os líderes da maioria e da minoria no Senado Federal; o Ministro da Justiça; seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução.

Note-se que tanto o brasileiro nato quanto o naturalizado têm acesso ao Conselho da República, porém esse sofre algumas restrições, pois, além das funções previstas para detentores de cargos exclusivos do brasileiro nato (Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal), a Constituição, reitere-se, reserva seis lugares nesse Conselho para cidadãos brasileiros natos.

O brasileiro naturalizado, porém, poderá fazer parte do Conselho da República, como líder da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal ou como Ministro da Justiça.


 

7.4 Extradição


 

O tema referente à extradição, inclusive sob o aspecto diferenciados entre brasileiro nato e naturalizado, foi exaustivamente tratado no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais.


 

7.5 Direito de propriedade/manifestação de pensamento/informação


 

A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País .

Dessa forma, a Constituição não exclui o brasileiro naturalizado dessa hipótese, tão-somente lhe exige contar com mais de 10 anos de naturalização.


 

8 PERDA DO DIREITO DE NACIONALIDADE


 

A perda da nacionalidade só pode ocorrer nas hipóteses taxativamente previstas na Constituição Federal, sendo absolutamente vedada a ampliação de tais hipóteses pelo legislador ordinário, e será declarada quando o brasileiro:

• tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional (ação de cancelamento de naturalização);

• adquirir outra nacionalidade (naturalização voluntária), salvo nos casos:

a. de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;

b. de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

A Constituição de 1988 suprimiu uma terceira hipótese prevista anteriormente (CF/ 67-69, art. 146, II), pela qual perderia a nacionalidade o brasileiro que sem licença do Presidente da República, aceitasse comissão, emprego ou pensão de governo estrangeiro. Aqueles que tiverem perdido a nacionalidade brasileira em decorrência deste fato terão direito de readquiri-la com efeitos retroativos (ex tunc).

Por fim, apesar da ausência de previsão expressa da constituição, também haverá possibilidade de perda da nacionalidade, quando essa foi adquirida com fraude à lei, nos termos da legislação civil ordinária . Como destaca Jacob Dolinger:

"O Constituinte de 1988 entendeu que a fraude às leis sobre aquisição da nacionalidade equivale a qualquer outra fraude, podendo ficar sob a égide da lei ordinária, dizendo o Constituinte João Hermann Neto, em seu Relatório dos Trabalhos da Subcomissão Temática, que "não mencionou o parágrafo único do art. 146 que se refere à anulação por decreto do Chefe do Estado de aquisição de nacionalidade obtida em fraude à lei, que certamente virá a constar da legislação ordinária."


 


 

8.1 Ação de cancelamento de naturalização


 

Esta hipótese de perda da nacionalidade, também conhecida como perda-punição, somente se aplica, obviamente, aos brasileiros naturalizados.


 


 

São previstos dois requisitos para que o brasileiro naturalizado perca sua nacionalidade, por meio de ação de cancelamento:

• prática de atividade nociva ao interesse nacional;

• cancelamento por sentença judicial com trânsito em julgado.


 

A ação é proposta pelo Ministério Público Federal, que imputará ao brasileiro naturalizado a prática de atividade nociva ao interesse nacional. Não há, porém, uma tipicidade específica na lei que preveja quais são as hipóteses de atividade nociva ao interesse nacional, devendo haver uma interpretação por parte do Ministério Público no momento da propositura da ação e do Poder Judiciário ao julgá-la.

Os efeitos da sentença judicial que decreta a perda da nacionalidade são ex nunc, ou seja, não são retroativos, somente atingindo a relação jurídica indivíduo-Estado, após seu trânsito em julgado.

Por fim, ressalte-se que uma vez perdida a nacionalidade somente será possível readquiri-la por meio de ação rescisória e nunca por novo procedimento de naturalização, pois estaria-se burlando a previsão constitucional.


 

8.2 Naturalização voluntária


 

8.2.1 Regra constitucional


 

A segunda hipótese de perda da nacionalidade, também conhecida como perda-mudança, é aplicável tanto aos brasileiros natos quanto aos naturalizados. O brasileiro, em regra, perderá sua nacionalidade quando, voluntariamente, adquirir outra nacionalidade. Diferentemente da previsão anterior, nesta hipótese não haverá necessidade de processo judicial, pois a perda da nacionalidade será decretada por meio de processo administrativo e oficializada mediante Decreto do Presidente da República, garantida a ampla defesa.

    

São necessários três requisitos para que a previsão constitucional seja levada a termo:

• voluntariedade da conduta;

• capacidade civil do interessado;

• aquisição da nacionalidade estrangeira.


 

A mera formalização, perante o Estado estrangeiro, de pedido que vise à obtenção de sua nacionalização, não gera, por si só, a perda da nacionalidade, que supõe efetiva aquisição da nacionalidade estrangeira.

A perda será efetivada por meio de um procedimento administrativo no Ministério da Justiça.

Os efeitos do Decreto Presidencial que estabelece a perda da nacionalidade são ex nunc, ou seja, não são retroativos, atingindo somente a relação jurídica indivíduo-Estado, após sua edição.    

O brasileiro nato ou naturalizado, que perde esta condição, em virtude do art. 12, § 4.°, II, da Constituição Federal, poderá readquiri-la, por meio dos procedimentos previstos de naturalização.

Mesmo na hipótese do brasileiro nato que se vê privado da nacionalidade originária, tornando-se, pois, estrangeiro, somente poderá haver a reaquisição sob forma derivada, mediante processo de naturalização, tornando-se brasileiro naturalizado.


 

8.2.2 Exceções constitucionais


 

A Emenda Constitucional de Revisão n.° 3, de 7-6-1994, expressamente, passou a admitir duas hipóteses de dupla nacionalidade. Dessa forma, não será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que, apesar de adquirir outra nacionalidade, incidir em uma das seguintes hipóteses constitucionais:

Reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira. Assim, não perderá a nacionalidade o brasileiro que teve reconhecida outra nacionalidade por Estado estrangeiro, originariamente, em virtude do ius sanguinis. Por exemplo: é o caso da Itália que reconhece aos descendentes de seus nacionais a cidadania italiana. Os brasileiros descendentes de italianos que adquirem aquela nacionalidade, por meio do simples processo administrativo, não perderão a nacionalidade brasileira, uma vez que se trata de mero reconhecimento de nacionalidade originária italiana, em virtude do vínculo sangüíneo. Ostentarão, pois, dupla nacionalidade.

Imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Em relação à interpretação do art. 12, § 4.°, II, b, da Constituição Federal, é importante citar a decisão do Ministro da Justiça Nelson Jobim, que adota integralmente o parecer da Dr.ª Sandra Valle, Secretária de Justiça, "no sentido de que a perda da nacionalidade brasileira não deve ocorrer quando a aquisição da outra nacionalidade decorrer de imposição da norma estrangeira".

Trata-se de hipótese em que uma brasileira adquiriu, por naturalização, a nacionalidade norte-americana, tendo sido instaurada contra a mesma processo de perda de nacionalidade brasileira, pelo Consulado Geral do Brasil em New York. Ocorre que a brasileira trabalhava nos Estados Unidos desde o ano de 1975, tendo concluído curso de mestrado jurídico naquele país, além de ter contraído casamento com nacional americano, e necessitou adquirir a nacionalidade americana para seguir a carreira de promotora assistente da Promotoria de Justiça Federal dos Estados Unidos. Além disso, sua condição de estrangeira inviabilizaria eventual herança deixada por seu marido norte-americano, em face da excessiva tributação. Entendeu-se que a norma constitucional procura, "assim, preservar a nacionalidade brasileira daquele que, por motivos de trabalho, acesso aos serviços públicos, fixação de residência etc., praticamente se vê obrigado a adquirir a nacionalidade estrangeira, mas que, na realidade, jamais teve a intenção ou a vontade de abdicar de cidadania originária", concluindo que "a perda só deve ocorrer nos casos em que a vontade do indivíduo é de, efetivamente, mudar de nacionalidade, expressamente demonstrada".


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

7


 

DIREITOS POLÍTICOS


 

1 CONCEITO


 

É o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania popular, conforme preleciona o caput do art. 14 da Constituição Federal. São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania. Tradicional a definição de Pimenta Bueno:


 

"...prerrogativas, atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos. São o Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de vontade ou eleitor, o direito de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado".


 

Tais normas constituem um desdobramento do princípio democrático inscrito no art. 1.°, parágrafo único, que afirma todo o poder emanar do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente.


 

2 DIREITOS POLÍTICOS


 

A soberania popular, conforme prescreve o art. 14, caput, da Constituição Federal, será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei , mediante: plebiscito; referendo; iniciativa popular. Podemos, igualmente, incluir como exercício da soberania e pertencente aos direitos políticos do cidadão: ajuizamento de ação popular e organização e participação de partidos políticos.


 

Assim, são direitos políticos:

• direito de sufrágio;

• alistabilidade (direito de votar em eleições, plebiscitos e referendos);

• elegibilidade;

• iniciativa popular de lei;

• ação popular;

• organização e participação de partidos políticos.


 

3 NÚCLEO DOS DIREITOS POLÍTICOS - DIREITO DE SUFRÁGIO


 

3.1 Conceituação


 

O direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de eleger e de ser eleito. Assim, o direito de sufrágio apresenta-se em seus dois aspectos:

• capacidade eleitoral ativa (direito de votar - alistabilidade)

• capacidade eleitoral passiva (direito de ser votado - elegibilidade).


 

É importante ressaltar que os direitos políticos compreendem o direito de sufrágio, como seu núcleo, e este, por sua vez, compreende o direito de voto.

Como explica José Afonso da Silva,


 

"as palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimos. A Constituição, no entanto, dá-lhes sentidos diferentes, especialmente, no seu artigo 14, por onde se vê que o sufrágio é universal e o voto é direto e secreto e tem valor igual. A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vontade num processo decisório. Escrutínio é outro termo com que se confundem as palavras sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo de participação do povo no governo, expressando: um, o direito (sufrágio), outro, o seu exercício (o voto), e o outro, o modo de exercício (escrutínio)".


 

O sufrágio "é um direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal".

Dessa forma, por meio do sufrágio o conjunto de cidadãos de determinado Estado escolherá as pessoas que irão exercer as funções estatais, mediante o sistema representativo existente em um regime democrático.


 

3.2 Classificação


 

A doutrina classifica o sufrágio, em virtude de sua abrangência, em universal ou restrito (qualificativo).

O sufrágio é universal quando o direito de votar é concedido a todos os nacionais, independentemente de fixação de condições de nascimento, econômicas, culturais ou outras condições especiais, não padecendo, como relembra Pedro Henrique Távora Niess,


 

"do mal da discriminação, pois é conferido pela Constituição brasileira independentemente de solicitação econômica, qualificação pessoal ou qualquer outra exigência, não obstante condicionado ao preenchimento de certos requisitos, como é necessário".


 

    

Ressalte-se que a existência de requisitos de forma (necessidade de alistamento eleitoral) e fundo (nacionalidade, idade mínima, por exemplo), não retiram a universalidade do sufrágio.

O sufrágio, por outro lado, será restrito quando o direito de voto é concedido em virtude da presença de determinadas condições especiais possuídas por alguns nacionais. O sufrágio restrito poderá ser censitário, quando o nacional tiver que preencher qualificação econômica (renda, bens em), ou capacitário, quando necessitar apresentar alguma característica especial (natureza intelectual, por exemplo).


 

    

4 CAPACIDADE ELEITORAL ATIVA


 

A capacidade eleitoral ativa consiste em forma de participação da pessoa na democracia representativa, por meio da escolha de seus mandatários.

O direito de voto é o ato fundamental para o exercício do direito de sufrágio e manifesta-se tanto em eleições quanto em plebiscitos e referendos.

A aquisição dos direitos políticos faz-se mediante alistamento, que é condição de elegibilidade, assim, a qualificação de uma pessoa, perante o órgão da Justiça Eleitoral, inscrevendo-se como eleitor, garante-lhe o direito de votar.

No Brasil, o alistamento eleitoral depende da iniciativa do nacional que preencha os requisitos, não havendo inscrição ex officio por parte da autoridade judicial eleitoral.

O alistamento eleitoral consiste em procedimento administrativo, instaurado perante os órgãos competentes da Justiça Eleitoral, visando à verificação do cumprimento dos requisitos constitucionais e das condições legais necessárias à inscrição como eleitor.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos; e, facultativos para os analfabetos, os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos.

Além disso, a constituição determina que não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

O conceito de conscrito estende-se aos médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários que prestam serviço militar obrigatório a teor da Lei n.° 5.292. Também aos que prestam serviço militar na condição de prorrogação de engajamento incidem restrições da Constituição Federal, com base no art. 14, § 2.°.


 

5 DIREITO DE VOTO


 

O direito de sufrágio, no tocante ao direito de eleger (capacidade eleitoral ativa) é exercido por meio do direito de voto, ou seja, o direito de voto é o instrumento de exercício do direito de sufrágio.


 

5.1 Natureza do voto


 

O voto é um direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social de soberania popular na democracia representativa. Além disso, aos maiores de 18 e menores de 70 anos é um dever; portanto, obrigatório.

Assim, a natureza do voto também se caracteriza por ser um dever sociopolítico, pois o cidadão tem o dever de manifestar sua vontade, por meio do voto, para a escolha de governantes em um regime representativo.


 

5.2 Caracteres do voto


 

O voto, que será exercido de forma direta, apresenta diversas características constitucionais: personalidade, obrigatoriedade, liberdade, sigilosidade, igualdade, periodicidade.

PERSONALIDADE: o voto só pode ser exercido pessoalmente. Não há possibilidade de se outorgar procuração para votar. A identidade do eleitor é verificada pela exibição do título de eleitor.

A personalidade é essencial para se verificar a sinceridade e autenticidade do voto.

OBRIGATORIEDADE FORMAL DO COMPARECIMENTO: em regra, existe a obrigatoriedade do voto, salvo aos maiores de 70 anos e aos menores de 18 e maiores de 16. Consiste em obrigar o cidadão ao comparecimento às eleições, assinando uma folha de presença e depositando seu voto na urna, havendo inclusive uma sanção (multa) para sua ausência. Em virtude, porém, de sua característica de secreto, não se pode exigir que o cidadão, efetivamente, vote.

LIBERDADE: manifesta-se não apenas pela preferência a um candidato entre os que se apresentam, mas também pela faculdade até mesmo de depositar uma cédula em branco na urna ou em anular o voto. Essa liberdade deve ser garantida, e, por esta razão, a obrigatoriedade já analisada não pode significar senão o comparecimento do eleitor, o depósito da cédula na urna e a assinatura da folha individual de votação. Como salienta

Pedro Henrique Távora Niess,


 

"em defesa da prevalência dessa liberdade, não passível de elisão pela renúncia - que a afetaria na essência, tornando-a extremamente vulnerável -, é que o Judiciário inadmite a validade do voto identificável".


 

SIGILOSIDADE: o Código Eleitoral exige cabine indevassável, para garantir o sigilo do voto. O segredo do voto consiste em que não deve ser revelado nem por seu autor nem por terceiro fraudulentamente.

O sigilo do voto deverá ser garantido mediante algumas providências legais, tais como: uso de cédulas oficiais, que impossibilitam o reconhecimento do eleitor; isolamento do eleitor em cabine indevassável, para assinalar, em segredo, o candidato de sua preferência; verificação da autenticidade da cédula oficial, à vista das rubricas dos mesários emprego de urna que assegure a inviolabilidade do sufrágio e seja suficientemente ampla para que não se acumulem as cédulas na ordem em que forem introduzidas pelo próprio eleitor, não se admitindo que outro o faça (Código Eleitoral, art. 103 do Código Eleitoral).

Ressalte-se, ainda, que na hipótese de votação por meio de urnas eletrônicas, sempre haverá a necessidade de garantir-se, por meio de correto programa computadorizado, não só o total sigilo do voto como também a possibilidade do eleitor optar pelo voto em branco ou pelo voto nulo, a fim de resguardar-se a liberdade de escolha.

DIRETO: os eleitores elegerão, no exercício do direito de sufrágio, por meio do voto (instrumento), por si, sem intermediários, seus representantes e governantes. Discordamos de José Afonso da Silva que afirma que essa é uma regra sem exceções, pois a própria Constituição Federal prevê, excepcionalmente, no art. 81, § 2.°, uma espécie de eleição indireta para o cargo de Presidente da República. Assim, vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, nos últimos dois anos do período presidencial, far-se-á nova eleição para ambos os cargos, em 30 dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

PERIODICIDADE: o art. 60, § 4.°, da Constituição Federal é garantia da temporariedade dos mandatos, uma vez que a democracia representativa prevê e exige existência de mandatos com prazo determinado.

IGUALDADE: todos os cidadãos têm o mesmo valor no processo eleitoral, independentemente de sexo, cor, credo, idade, posição intelectual, social ou situação econômica. ONE MAN, ONE VOTE.


 

6 PLEBISCITO E REFERENDO: EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO


 


 

A Constituição Federal prevê expressamente que uma das formas de exercício da soberania popular será por meio da realização direta de consultas populares, mediante plebiscitos e referendos (CF, art. 14, caput), disciplinando, ainda, que caberá privativamente ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscitos (CF, art. 49), salvo, por óbvio, quando a própria Constituição expressamente determinar (por exemplo: art. 18, §§ 3.° e 4.°; art. 2.°, Ato Constitucional das Disposições Transitórias).

Em nosso ordenamento jurídico-constitucional essas duas formas de participação popular nos negócios do Estado divergem, basicamente, em virtude do momento de suas realizações.

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional , o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva).


 

    Saliente-se, novamente, que por se tratar de exercício da soberania, somente àqueles que detiverem capacidade eleitoral ativa será permitido participar de ambas as consultas.


 

7 ELEGIBILIDADE


 

7.1 Conceito


 

Elegibilidade é a capacidade eleitoral passiva consistente na possibilidade de o cidadão pleitear determinados mandatos políticos, mediante eleição popular, desde que preenchidos certos requisitos.


 

7.2 Condições


 

Não basta possuir capacidade eleitoral ativa (ser eleitor) para adquirir a capacidade eleitoral passiva (poder ser eleito). A elegibilidade adquire-se por etapas segundo faixas etárias (art. 14, § 3.°, VI, a até d).

Assim, para que alguém possa concorrer a um mandato eletivo, torna-se necessário que preencha certos requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade, e não incida numa das inelegibilidades, que consistem em impedimentos à capacidade eleitoral passiva.


 

São condições de elegibilidade (Cf, art. 14, § 3.°):

• Nacionalidade brasileira ou condição de português equiparado: só o nacional e o português equiparado têm acesso ao alistamento, que é pressuposto necessário para a capacidade eleitoral passiva. A constituição, porém, reservou para alguns cargos (CF, art. 12, § 3.°) a exigência da nacionalidade originária.

• Pleno exercido dos direitos políticos: aquele que teve suspenso ou perdeu seus direitos políticos não exercerá a capacidade eleitoral passiva.

• Alistamento eleitoral: comprovado pela inscrição eleitoral obtida no juízo eleitoral do domicílio do alistando, e por parte do candidato, com o seu título de eleitor.

• Domicílio eleitoral na circunscrição: o eleitor deve ser domiciliado no local pelo qual se candidata, por período que será estabelecido pela legislação infraconstitucional.

• Filiação partidária: ninguém pode concorrer avulso sem partido político (CF, art. 17). A capacidade eleitoral passiva exige prévia filiação partidária, uma vez que a democracia representativa consagrada pela Constituição de 1988 inadmite candidaturas que não apresentem a intermediação de agremiações políticas constituídas na forma do art. 17 da Constituição Federal. Saliente-se que, em face da exigibilidade de filiação partidária para o exercício desse direito político (elegibilidade), há de ser assegurado a todos o direito de livre acesso aos partidos, sem possibilidade de existência de requisitos discriminatórios e arbitrários. Alguns países possibilitam a apresentação de candidaturas presidenciais diretamente aos cidadãos e não aos partidos (por exemplo: Constituição da República Portuguesa, art. 127).

Em relação aos partidos políticos, o art. 17 da Constituição Federal estabelece que é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa e observados os seguintes preceitos: caráter nacional; proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à Justiça Eleitoral; funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

A lei ordinária fixará o prazo de filiação partidária antes do pleito eleitoral, a fim de que o cidadão tome-se elegível .

Além disso, assegura-se aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias.

Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral, tendo direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.


 

Por fim, a constituição veda a utilização pelos partidos políticos de organização

paramilitar.

• Idade mínima: deverá ser atendido esse requisito na data do certame eleitoral e não do alistamento ou mesmo na do registro :

35 anos para presidente e vice-presidente da República e senador;

30 anos para governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal;

21 anos para deputado federal, deputado estadual ou distrital, prefeito, vice-prefeito e juiz de paz;

18 anos para vereador.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

    

8 DIREITOS POLITICOS NEGATIVOS


 

8.1 Conceito


 

Os direitos políticos negativos correspondem às previsões constitucionais que restringem o acesso do cidadão à participação nos órgãos governamentais, por meio de impedimentos às candidaturas.

Dividem-se em regras sobre inelegibilidade e normas sobre perda e suspensão dos direitos políticos.


 

8.2 Inelegibilidades


 

A inelegibilidade consiste na ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato e, conseqüentemente, poder ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania. Sua finalidade é proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, § 9.°).

A constituição estabelece, diretamente, vários casos de inelegibilidades no art. 14, §§ 4.° a 7.°, normas estas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, além de permitir que lei complementar estabeleça outros casos (CF, art. 14, § 9.°. A lei complementar correspondente é a LC n.° 64/90), com a mesma finalidade acima descrita.


 

8.3 Quadro de inelegibilidades


 

Inelegibilidade: Absoluta, Relativa

Absoluta -> Inalistáveis, Analfabetos

Inalistáveis {Estrangeiros, Conscritos


 

Relativa -> Motivos funcionais, Cônjuge/parentesco/afinidade, Militares, Legais

Motivos funcionais {para o mesmo cargo (reeleição), para outros cargos (desincompatibilização)

Cônjuge/parentesco/afinidade {Inelegibilidade reflexa

Militares {Menos de 10 anos de serviço, Mais de 10 anos de serviço

Legais {Lei Complementar n.° 64/90


 

8.4 Inelegibilidade absoluta


 

A inelegibilidade absoluta consiste em impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. O indivíduo que se encontrar em uma das situações descritas pela Constituição Federal como de inelegibilidade absoluta não poderá concorrer a eleição alguma, ou seja, não poderá pleitear nenhum mandato eletivo. Refere-se, pois, à determinada característica da pessoa que pretende candidatar-se, e não ao pleito ou mesmo ao cargo pretendido.

A inelegibilidade absoluta é excepcional e somente pode ser estabelecida, taxativamente, pela própria Constituição Federal.


 

São os seguintes casos:

• Inalistáveis: a elegibilidade tem como pressuposto a alistabilidade (capacidade eleitoral ativa); assim, todos aqueles que não podem ser eleitores, não poderão ser candidatos.

• Analfabetos: apesar da possibilidade de alistamento eleitoral e do exercício do direito de voto, o analfabeto não possui capacidade eleitoral passiva.


 

8.5 Inelegibilidade relativa


 

As inelegibilidades relativas, diferentemente das anteriores, não estão relacionadas com determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se, mas constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão.

O relativamente inelegível possui elegibilidade genérica, porém, especificamente em relação a algum cargo ou função eletiva, no momento da eleição, não poderá candidatar-se.

A inelegibilidade relativa pode ser dividida em:

• por motivos funcionais;

• por motivos de casamento, parentesco ou afinidade;

• dos militares;

• previsões de ordem legal.


 

8.5.1 Por motivos funcionais


 

A. Para o mesmo cargo (CF, art. 14, § 5.° - com redação dada pela Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997)


 

A Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997, alterou tradição histórica do direito constitucional brasileiro instituindo a possibilidade de reeleição para o chefe do Poder Executivo federal, estadual, distrital e municipal.

Desde a primeira Constituição republicana, de 24 de fevereiro de 1891, até a atual Constituição Federal, de 1988, o sistema político-constitucional brasileiro jamais admitiu a possibilidade do detentor de mandado executivo se candidatar a reeleição.

O art. 43 da Constituição de 1891 estabelecia que "o Presidente exercerá o cargo por quatro annos, não podendo ser reeleito para o período presidencial immediato". Comentando esse dispositivo, e defendendo o posicionamento do constituinte da época, Rui Barbosa colocava-se contra o instituto da reeleição e ensinava que "desde os tempos mais longínquos da evolução política da humanidade, uma das características da forma republicana começou a ser, com poucas excepções explicadas pela contingência accidental de certos factos ou meios sociaes, a limitação, rigorosamente temporária, do poder do Chefe da Nação, contraposta a duração, ordinariamente por toda a vida humana, da supremacia do sobernado nas Monarchias", para concluir que "desta noção tem resultado, não somente ser restricto a um curto prazo o termo de exercício da primeira magistratura, senão também vedar-se a reeleição do que ocupa, receiando-se que a faculdade contrária importe em deixar ao Chefe do Estado aberta a porta à perpetuidade no gozo da soberania".

Esse posicionamento foi seguindo por todas as demais previsões constitucionais.

A previsão da Constituição de 16 de julho de 1934, em seu art. 52, estabelecia que "o período presidencial durará um quadriennio, não podendo o Presidente da República ser reeleito senão quatro annos depois de cessada a sua função, qualquer que tenha sido a duração desta".

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, apesar de não se referir expressamente a possibilidade ou não de reeleição do Presidente da República, regulamentava nos arts. 82 ss a sucessão presidencial, estabelecendo que a única prerrogativa do Presidente em exercício seria indicar um candidato à eleição.

A vedação à reeleição do Presidente da República foi prevista, ainda, no art. 139, I, a, da Constituição de 18 de setembro de 1946 ("São também inelegíveis para Presidente da República o Presidente que tenha exercido o cargo por qualquer tempo, no período imediatamente anterior, e bem assim o Vice-presidente que lhe tenha sucedido ou quem dentro dos seis meses anteriores ao pleito, o haja substituído'), no art. 146, I, a, da Constituição de 24 de janeiro de 1967 ("São também inelegíveis para Presidente e Vice-presidente da República o Presidente que tenha exercido o cargo por qualquer tempo, no período imediatamente anterior; ou quem, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, lhe haja sucedido ou o tenha substituído") e no art. 151, parágrafo único, da Emenda Constitucional n.° 01, de 17 de outubro de 1969, posteriormente transformado em § 1.°, a, pela Emenda Constitucional n.° 19, de 6 de agosto de 1981 ("... irrelegibilidade de quem haja exercido cargo de Presidente e de Vice-presidente da República, de Governador e de Vice-governador, de Prefeito e de Vice-prefeito, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior").

Mesmo com a reabertura democrática, a idéia de reeleição dos mandatos executivos continuou sendo repelida pela doutrina constitucional brasileira, como percebe-se pelo texto do Anteprojeto Constitucional elaborado pela Comissão Provisória de Estudos Constitucionais - Comissão Afonso Arinos ("Comissão dos Notáveis"), entregue ao Presidente da República em 18-9-1986, que previa em seu art. 221 a seguinte redação: "O mandato do Presidente e do Vice-presidente da República é de seis anos, vedada a reeleição."

Dessa forma, a vedação à reeleição foi novamente consagrada pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que proibia expressamente a reeleição em seus arts. 14, § 5.° ("São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito") e 82 ("O mandato do Presidente da República é de quatro anos, vedada a reeleição para o período subseqüente, e terá início em 1.° de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição" - redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão n.° 5, de 7-6-1994).

Tal tradição em nosso ordenamento constitucional visava não só afastar o perigo da perpetuidade da mesma pessoa na chefia da Nação, por meio de sucessivos mandatos, mas também evitar o uso da máquina administrativa por parte do Chefe do Executivo, na busca de novos mandatos.

Esse entendimento é seguido por inúmeros países, que vedam taxativamente a possibilidade da reeleição do Chefe do Executivo para o período seguinte, como, por exemplo, o art. 25 da Constituição Política da República do Chile, com a atual redação dada pelo artigo único da Lei de Reforma Constitucional n.°19.295, de 4-3-1994, que expressamente veda a possibilidade de reeleição, determinando que o mandato do Presidente da República terá a duração de seis anos, não podendo ser reeleito para o período seguinte; e o art. 70 da Constituição da República da Coréia, de 12 de julho de 1948, emendada em outubro de 1987, estabelecendo que o mandato do Presidente da República será de cinco anos, sem direito à reeleição.

Outras constituições são ainda mais severas, pretendendo impedir drasticamente a perpetuidade no poder, como, por exemplo, a Constituição da República das Filipinas, de 15-10-1986, em seu art. VII, seção 4, estabelece que o Presidente e Vice-presidente da República serão eleitos para um mandato de seis anos, proibindo-se não só a reeleição, mas também que o Presidente ou qualquer pessoa que o houver sucedido por mais de quatro anos possam concorrer à qualquer eleição para o mesmo cargo, independente da sucessividade ou não dos mandatos.

Criticando a opção do legislador constituinte de 1988, que vedava a reeleição do chefe do Poder Executivo para o período sucessivo, Michel Temer salientava, em defesa da reeleição, que "a possibilidade da reeleição privilegia, assim, o princípio da participação popular porque confere ao povo a possibilidade de um duplo julgamento: o do programa partidário e do agente executor desse programa (chefe do Poder Executivo). Talvez por essa razão o sistema jurídico norte-americano autorize a reeleição. E ninguém pode dizer que ali não se pratica a democracia", e concluía fazendo um pedido: "Reeleição, portanto, e por um período, para Presidente, governadores e prefeitos."

Igualmente, salientávamos na 1.ª edição dessa obra que realmente não havia o que justificasse a vedação à reeleição, por um único período, para os cargos de Chefe do Poder Executivo Federal, Estadual, Distrital e Municipal, e afirmávamos que "não seduzindo o argumento da utilização da máquina administrativa a seu próprio favor, quando o mesmo pode ocorrer e, costumeira e lamentavelmente ocorre, a favor do candidato de seu partido político", para concluirmos que "a reeleição é democrática, e deve ser implementada, juntamente com a concessão de maiores mecanismos e instrumentos para a Justiça eleitoral e o Ministério Público coibirem o uso da máquina administrativa".

A Emenda Constitucional n.°16, de 4-6-1997, portanto, veio alterar a disciplina histórica de inelegibilidades relativas, alterando o art. 14, § 5.°, que passou a ter a seguinte redação: "O presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente."

Importante ressaltar a espécie de reeleição adotada pela EC n.° 16/97, dentre as demais existentes em ordenamentos jurídicos comparados. O legislador reformador brasileiro, ao permitir a reeleição para um único período subseqüente, manteve na Constituição Federal uma inelegibilidade relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo, pois os chefes do Poder Executivo, Federal, Estadual, Distrital e Municipal, não poderão ser candidatos a um terceiro mandato sucessivo.

Note-se que não se proíbe constitucionalmente que uma mesma pessoa possa exercer três ou mais mandatos presidenciais, mas se proíbe a sucessividade indeterminada de mandatos. Assim, após o exercício de dois mandatos sucessivos, o Chefe do Poder Executivo não poderá ser candidato ao mesmo cargo, na eleição imediatamente posterior, incidindo sobre ele a inelegibilidade relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo.

O ordenamento constitucional brasileiro não adotou a fórmula norte-americana sobre reeleição. O art. II, Seção 1, item 1 da Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, não fazia qualquer restrição à reeleição do Presidente e Vice-presidente da República, consagrando-se a plena e ilimitada possibilidade de mandatos sucessivos. Posteriormente, a Emenda Constitucional n.° 22, de 1951, introduziu a limitação à reeleição em uma única vez, prevendo que ninguém poderá ser eleito mais de duas vezes para o cargo de Presidente. Perceba-se que a vedação aplica-se a mandatos sucessivos ou não, proibindo-se que uma mesma pessoa possa ser Presidente da República por mais de dois mandatos. Essa previsão visa possibilitar uma maior e necessária alternância no poder. É o mesmo entendimento da Constituição austríaca, promulgada em 14-10-1920 e atualizada até a Lei Constitucional Federal n.° 491, de 27-11-1984, que estabelece em seu art. 60, item 5, a duração do mandato presidencial em seis anos, admitindo-se somente uma reeleição para o período presidencial seguinte.

A fórmula adotada pela Emenda Constitucional n.° 16, promulgada em 4-6-1997, assemelha-se com as previsões constitucionais argentina, portuguesa e chinesa, ao vedar-se mais de dois mandatos sucessivos. Note-se, somente, que enquanto a argentina autoriza, expressamente, a possibilidade de um terceiro mandato não sucessivo, as constituições portuguesa e chinesa, assim como a brasileira, simplesmente não proíbem que isso ocorra.

Dessa forma, o art. 90 da Constituição da Nação Argentina, com a nova redação dada pelas reformas de 24-8-1994 e segundo a versão publicada em 10-1-1995, prevê a possibilidade de reeleição por um só período consecutivo. Expressamente, porém, admite a possibilidade de um terceiro mandato presidencial, após o intervalo de um período. Quiroga Lavié, ao comentar o citado art. 90 da Constituição da Nação Argentina, aponta a não-adoção do sistema norte-americano, onde depois de uma reeleição o presidente não pode jamais ser reeleito, para a seguir concluir que no sistema argentino, desde que haja intervalo de um período, poderá haver um terceiro mandato.

A Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2-4-1976, estabelece, em seu art. 126, item 1, a possibilidade de reeleição para um segundo mandato consecutivo, prevendo, expressamente, sua inadmissibilidade para um terceiro mandato consecutivo, ou ainda, durante o qüinqüênio imediatamente subseqüente ao termo do segundo mandato consecutivo. Como salientam Canotilho e Moreira, "a proibição de reeleição para um terceiro mandato consecutivo visa evitar a permanência demasiado longa no cargo, com os riscos da pessoalização do poder, inerentes à eleição directa".

Igualmente, o art. 79 da Constituição da República Popular da China, de 4-12-1982, prevê que o presidente e vice-presidente não podem cumprir mais de dois mandatos consecutivos, não havendo, porém, qualquer vedação expressa impedindo um terceiro mandato, desde que não consecutivo.

Parece-nos que essa foi a regra adotada pela Constituição Federal brasileira a partir da Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997, diferenciando-se da já estudada norma norte-americana, mesmo porque, se a Constituição brasileira pretendesse impedir que uma mesma pessoa exercesse mais de dois mandatos na Chefia do Executivo, utilizar-se-ia da fórmula: "... poderão ser reeleitos para um único período", pois, dessa maneira, irrelevante seria a sucessividade ou não dos mandatos, e não da adotada pela EC n.° 16/ 97: "... poderão ser reeleitos para um único período subseqüente".

Em conclusão, podemos apontar as seguintes características da introdução da reeleição à Chefia do Poder Executivo no ordenamento constitucional brasileiro:

• possibilidade expressa de reeleição para o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos para um único período subseqüente.

• Permanência da inelegibilidade relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo, na medida em que o art. 14, § 5.°, da Constituição Federal proíbe a possibilidade dos chefes do Poder Executivo Federal, Estadual, Distrital e Municipal candidatarem-se a um terceiro mandato sucessivo.

• Possibilidade implícita de uma mesma pessoa candidatar-se e, eventualmente, exercer por mais de três mandatos a Chefia do Executivo Federal, Estadual, Distrital e Municipal, desde que não sejam sucessivos. Assim, após o exercício de dois mandatos de Presidente da República, Governador de Estado ou do Distrito Federal ou Prefeito Municipal, haverá a obrigatoriedade do intervalo de um período, para que possa haver nova candidatura ao mesmo cargo.

• Plena elegibilidade do Vice-presidente da República, dos Vice-governadores dos Estados e do Distrito Federal e dos Vice-prefeitos aos mesmos cargos, para um único período subseqüente.

É importante ressaltar, a fim de evitar-se futuras fraudes e inconstitucionalidades, as seguintes regras:

• Impossibilidade do Chefe do Poder Executivo, que esteja exercendo seu segundo mandato sucessivo, renunciar antes do término desse, no intuito de pleitear nova recondução para o período subseqüente. A renúncia, por óbvio, seria válida, porém, não afastaria a inelegibilidade relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo, prevista no art. 14, § 5.°, da CF, e que impediria um terceiro mandato consecutivo .

• Impossibilidade daquele que foi titular de dois mandatos sucessivos na chefia do Executivo, vir a candidatar-se, no período imediatamente subseqüente, à vice-chefia. Tal vedação decorre do próprio texto constitucional, pois o art. 79 prevê que o Vice-presidente substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga; regra essa que é seguida em nível estadual, distrital e municipal. Desta forma, haveria clara fraude à Constituição Federal, permitindo-se a possibilidade de uma mesma pessoa exercer três mandatos presidenciais sucessivos.

Na vigência do texto constitucional anterior à EC n.° 16/97 o Supremo Tribunal Federal confirmou decisão da Justiça Eleitoral, que considerou inelegível, para o cargo de vice-prefeito, quem exerceu o cargo de prefeito, no período imediatamente anterior; ainda que desincompatibilizado no prazo do art. 14, § 5.°, da Constituição Federal. Conforme ressaltado, não há o que se falar na impossibilidade de interpretar-se extensivamente norma restritiva de direito, mas na aplicação correta de regra de hermenêutica, a revelar e definir o exato sentido da norma, de molde a impedir que, por via indireta, viesse ele a frustrar-se, pois se acaso o novo Prefeito renunciasse e o vice assumisse a titularidade do Executivo, estar-se-ia burlando a regra que vedava a reeleição, pois estaria exercendo dois mandatos de Prefeito sucessivamente.

Certamente, com a alteração proposta pela Emenda Constitucional n.° 16/97, essa regra interpretativa do Supremo Tribunal Federal somente teria aplicação se aquele que pretendesse candidatar-se a Vice-prefeito já houvesse exercido dois mandatos sucessivos como Prefeito municipal, pois, conforme já analisado, haveria clara fraude à Constituição Federal, permitindo-se a possibilidade de uma mesma pessoa exercer três mandatos executivos sucessivos;

• Impossibilidade daquele que foi titular de dois mandatos sucessivos na chefia do Executivo vir a candidatar-se, durante o período imediatamente subseqüente à eleição prevista no art. 81 da Constituição Federal, que determina que vagando os cargos de Presidente e Vice-presidente da República, far-se-á eleição direta, noventa dias depois de aberta a última vaga, ou eleição indireta pelo Congresso Nacional, trinta dias depois de aberta a última vaga, se a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato presidencial. Essa vedação decorre da proibição de uma mesma pessoa exercer a chefia do Executivo por três mandatos sucessivos, pois, se eventualmente fosse eleito, estaria exercendo o terceiro mandato, sem que houvesse respeitado um período integral afastado da Chefia do Executivo.

Note-se, portanto, que apesar de inexistir regra expressa na Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997, semelhante ao art. 126 da Constituição da República portuguesa ("Não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o qüinqüênio imediatamente subseqüente ao termo do segundo mandato consecutivo. Se o Presidente da República renunciar ao cargo, não poderá candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no qüinqüênio imediatamente subseqüente à renúncia"), será absolutamente inconstitucional qualquer tentativa daquele que foi titular de dois mandatos sucessivos de chefe do Poder Executivo, pleiteá-lo novamente no período imediatamente subseqüente (atualmente de quatro anos em virtude da duração dos mandatos), seja ao pretender candidatar-se às eleições normais, seja ao pretender suceder o novo chefe do Executivo durante o exercício de seu mandato (CF, art. 81).


 

    

A.1. Reeleição e desincompatibilização


 

Importante opção adotada pela Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997, foi no tocante a inexigência de desincompatibilização do Chefe do Poder Executivo que pretenda candidatar-se à reeleição. A citada Emenda não exigiu ao titular de mandato executivo a necessidade de renunciar, ou mesmo de afastar-se temporariamente do cargo, para que pudesse concorrer a sua própria reeleição, demonstrando a nítida escolha pela idéia de continuidade administrativa.

O texto da Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997, guarda muita relação com o texto do substitutivo apresentado pelo relator da Revisão Constitucional de 1994, o então deputado federal, hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que afastando diversos textos que exigiam a prévia renúncia dos detentores de cargo executivo, concluiu pela redação que permitia ao chefe do Executivo concorrer à reeleição no exercício do cargo. Salientava o então relator da Revisão Constitucional que "ora, admitindo-se a reeleição para cargos executivos, seria inconsistente manter-se a exigência de renúncia prévia... a exigência de renúncia prévia poderia originar uma perturbação desnecessária na continuidade administrativa... Em realidade, o instituto da reeleição é prática constante na maioria dos países democráticos, tais como os Estados Unidos e a França, sendo um prova da crença na maturidade da vontade da maioria, quando esta decide pela manutenção de uma administração bem-sucedida", para então concluir pela possibilidade de reeleição, por um período subseqüente, dos titulares de cargos do Poder Executivo, permitindo-lhes concorrer no exercício do cargo.

Entendemos que essa opção do legislador reformador foi clara e consciente, não havendo possibilidade de aplicação do § 6.° do art. 14 da CF à presente hipótese, uma vez que se trata de outra espécie de inelegibilidade relativa, aplicável somente ao chefe do Executivo que pretenda candidatar-se a outros cargos . Nem tampouco nos parece correto qualquer interpretação no sentido de possibilitar-se, com fulcro no art. 14, § 9.°, da Constituição Federal, a edição de lei complementar que preveja a necessidade de desincompatibilização do Chefe do Executivo para candidatar-se à reeleição. O citado § 9.°, assim, como o § 6.°, ambos do art. 14, estabelecem outras hipóteses de inelegibilidades relativas, que não se confundem e nem podem ser confundidas com a hipótese descrita no § 5.° do citado artigo.


 

Ressalte-se que a própria redação do § 9.° do art. 14 deixa isso claro, ao afirmar que: "Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade...". Obviamente, essa lei complementar deve estabelecer novas hipóteses, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, e não regulamentar as hipóteses já previstas pelo próprio legislador constituinte nos parágrafos antecessores e que tratam de normas constitucionais de eficácia plena.


 

Importante, ainda, considerar a impossibilidade de qualquer interpretação que restrinja o exercício de um direito político expressamente previsto pela Constituição Federal, no caso a possibilidade de reeleição do Chefe do Executivo para um único mandato sucessivo, sem que haja expressa limitação pelo próprio texto constitucional.

Nesse sentido entendeu o Tribunal Superior Eleitoral, ao decidir:

"Não se tratando, no § 5.° do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda Constitucional n.° 16/1997, de caso de inelegibilidade, mas, sim de hipótese em que se garante a elegibilidade dos Chefes dos Poderes Executivos federal, estadual, distrital, municipal e dos que os hajam sucedido/substituído no curso dos mandatos, para o mesmo cargo, para um período subseqüente, bem de entender é que não cabe exigir-lhe desincompatibilização para concorrer ao segundo mandato, assim constitucionalmente autorizado. Cuidando-se de caso de elegibilidade, somente a Constituição poderia, de expresso, estabelecer o afastamento no prazo por ela estipulado, como condição para concorrer à reeleição prevista no § 5.° do art. 14 da Lei Magna, na redação atual",

concluindo mais adiante que:

"Consulta que se responde, negativamente, quanto à necessidade de desincompatibilização dos titulares dos Poderes Executivos federal, estadual, distrital ou municipal, para disputarem a reeleição, solução que se estende aos Vice-presidente da República, Vice-governador de Estado e do Distrito Federal e Vice-prefeito."

Da mesma forma, entendendo pela desnecessidade de desincompatibilização dos Chefes do Poder Executivo Federal, Estadual, Distrital e Municipal, decidiu o Supremo Tribunal Federal em sede de ação direta de inconstitucionalidade, ao indeferir medida liminar em que se requeria a interpretação conforme a Constituição Federal do art. 14, § 5.° (redação dada pela Emenda Constitucional n.° 16/97), no sentido de que lhe fosse aplicado a necessária desincompatibilização prevista no § 6.°, do citado art. 14. Entendeu o Pretório Excelso "não ser possível interpretar a CF de modo a criar cláusula restritiva de direitos políticos não prevista, expressamente, no texto constitucional".

Reforça-se, pois, a idéia exposta supra, de necessidade de dotação da Justiça Eleitoral e do Ministério Público de instrumentos e mecanismos céleres e eficazes no combate ao uso da máquina administrativa, para que não vejamos consagrados métodos ilegais e imorais de utilização de dinheiro, funcionários, locais e maquinário públicos pelo Chefe do Executivo, no intuito de manter-se no cargo.


 

A.2. Vacância do cargo de chefe do poder executivo. Sucessão do vice e possibilidade de candidatura à reeleição para um único período subseqüente


 

O art. 14, § 5.°, da Constituição Federal estabelece a possibilidade de reeleição para aquele que houver sucedido ou substituído o Chefe do Poder Executivo no curso dos mandatos, para um único período subseqüente.

Essa norma deve ser interpretada de forma lógica e coerente com os demais preceitos constitucionais, bem como com o próprio instituto jurídico da reeleição.

Assim, tanto sob o prisma lógico quanto sob o prisma jurídico-constitucional, entendemos inexistir dúvida quanto à possibilidade de vice-Presidentes, vice-Governadores e vice-Prefeitos candidatarem-se ao cargo de Chefe do Executivo, para o período subseqüente, independentemente de terem ou não substituído ou sucedido o Presidente, Governador ou Prefeito, no curso de seus mandatos .


 

    

Essa solução atende à lógica interpretativa constitucional, pois sendo função constitucional precípua do vice-Presidente substituir o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe, no de vacância (CF, art. 79), não haveria lógica no sistema eleitoral, disciplinado pela Carta Magna, em acarretar punição ao vice-Presidente, vice-Governador ou vice-Prefeito pelo exercício de sua missão constitucional, impedindo-o de disputar, no mandato subseqüente, a chefia do Executivo. Tal conseqüência tornaria a figura da vice-presidência meramente decorativa e substitutiva, sem qualquer aspiração política de continuidade do programa da chapa eleita, para os próximos mandatos.

Dessa forma, por exemplo, o vice-Presidente que - no exercício de sua missão constitucional - substituir o Presidente da República, independentemente do momento de seu mandato, poderá candidatar-se à Chefia do Poder Executivo normalmente, inclusive podendo, posteriormente se eleito for, disputar sua própria reeleição à Chefia do Executivo.

Diversa, porém, será a hipótese do vice-Presidente, vice-Governadores e vice-Prefeitos que assumirem efetivamente o cargo de titular do Poder Executivo, em face de sua vacância definitiva.

Nesse caso, para fins de reeleição, deverão ser considerados como exercentes - de forma efetiva e definitiva - do cargo de Presidente, Governador ou Prefeito, podendo somente candidatar-se a um único período subseqüente.

A interpretação da norma constitucional leva-nos à seguinte conclusão: veda-se o exercício efetivo e definitivo do cargo de Chefe do Poder Executivo por mais de dois mandatos sucessivos.

Portanto, se o vice-Chefe do Poder Executivo somente substituiu o titular, não houve exercício efetivo e definitivo do cargo para fins de reeleição, podendo ser candidato à chefia do Executivo e, se eventualmente eleito, poderá disputar sua própria reeleição.

Se, porém, o vice-Chefe do Poder Executivo, em face da vacância definitiva do titular, assumiu o cargo de forma efetiva e definitiva, para fins de reeleição, esse mandato deve ser computado como o primeiro, permitindo-se somente que dispute um único período subseqüente, independentemente do tempo em que exerceu de forma definitiva o primeiro mandato. Não poderá, em conseqüência, se for eleito para o mandato subseqüente, disputar sua própria reeleição, pois se eventualmente fosse vitorioso, estaria a exercer seu terceiro mandato efetivo e definitivo como Chefe do Poder Executivo, o que é vedado pela Constituição.


 

B. Para outros cargos (CF, art. 14, § 6.°)


 

São inelegíveis para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os governadores de Estado e do Distrito Federal e os prefeitos que não renunciarem aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito .

Trata-se de norma disciplinadora da desincompatibilização dos Chefes do Poder Executivo. Conforme salienta Celso de Mello:

"A exigência da desincompatibilização, que se atende pelo afastamento do cargo ou função, só existe para aqueles que, por força de preceito constitucional ou legal, forem considerados inelegíveis. Inexistindo a inelegibilidade, não há que se cogitar de desincompatibilização."

Assim, para que possam candidatar-se a outros cargos, deverá o Chefe do Poder executivo afastar-se definitivamente, por meio da renúncia.

O Tribunal Superior Eleitoral entende que o Vice-presidente, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito poderão candidatar-se a outros cargos preservando os seus mandatos respectivos, desde que, nos seis meses anteriores ao pleito não tenham sucedido ou substituído o titular.


 

    Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal admitiu a elegibilidade de ex-prefeito municipal do município-mãe que, renunciando seis meses antes do pleito eleitoral, candidatou-se a prefeito do município-desmembrado.


 

    

8.5.2 Por motivos de casamento, parentesco ou afinidade


 

    

São inelegíveis, no território de circunscrição (a Constituição Federal usa a terminologia jurisdição) do titular; o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. É a denominada inelegibilidade reflexa.

Como o próprio texto constitucional expressamente prevê, a inelegibilidade reflexa incide sobre os cônjuges, parentes e afins dos detentores de mandatos eletivos executivos, e não sobre seus auxiliares (Ministros, Secretários de Estado ou do Município). Assim, já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que a norma constitucional não inclui a inelegibilidade dos parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, de Ministros de Estado.

A norma constitucional traz duas regras para a inelegibilidade reflexa: uma como norma geral e proibitiva e outra como norma excepcional e permissiva.

• Norma geral e proibitiva: a expressão constitucional no território da jurisdição significa que o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do prefeito municipal não poderão candidatar-se a vereador e/ou prefeito do mesmo município; o mesmo ocorrendo no caso do cônjuge, parentes ou afins até segundo grau do governador; que não poderão candidatar-se a qualquer cargo no Estado (vereador ou prefeito de qualquer município do respectivo Estado; deputado estadual e governador do mesmo Estado; e ainda, deputado federal e senador nas vagas do próprio Estado, pois conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, "em se tratando de eleição para deputado federal ou senador; cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição eleitoral'); por sua vez, o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Presidente, não poderão candidatar-se a qualquer cargo no país. Aplicando-se as mesmas regras àqueles que os tenham substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito.


 

Ressalte-se, ainda, que essa inelegibilidade não se aplica à viúva do Chefe do Poder Executivo, pois, com a morte, dissolve-se a sociedade conjugal, não mais se podendo considerar cônjuge a viúva.

Com base na inelegibilidade reflexa, no caso de ocorrência de criação de Município por desmembramento (CF, art. 18, § 4.°), o irmão do prefeito do Município-mãe não poderá candidatar-se a Chefe do Executivo do Município recém-criado, pois como salientou o Supremo Tribunal Federal,


 

"o regime jurídico das inelegibilidades comporta interpretação construtiva dos preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena validade da exegese que, sorteada por parâmetros axiológicos consagrados pela própria Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias políticas locais. O primado da idéia republicana - cujo fundamento ético-político repousa no exercício do regime democrático e no postulado da igualdade - rejeita qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral".


 


 

Da mesma forma, será inelegível para o mandato de Chefe do Poder Executivo alguém que vive maritalmente com o Chefe do Poder Executivo, ou mesmo com seu irmão (afim de 2.° grau), pois a Constituição Federal estende o conceito de entidade familiar, nos termos do art. 226, § 3.°. O mesmo ocorrendo no caso de casamento religioso, pois


 

"no casamento eclesiástico há circunstâncias especiais, com características de matrimônio de fato, no campo das relações pessoais e, às vezes, patrimoniais, que têm relevância na esfera da ordem política, a justificar a incidência da inelegibilidade".


 

• Norma excepcional e permissiva: no caso do cônjuge, parente ou afim já possuir mandato eletivo, não haverá qualquer impedimento para que pleiteie a reeleição, ou seja, candidate-se ao mesmo cargo, mesmo que dentro da circunscrição de atuação do chefe do Poder Executivo. Note-se que a exceção constitucional refere-se à reeleição para o mesmo cargo na mesma circunscrição eleitoral. A título exemplificativo, o cônjuge, parente ou afim até segundo grau de Governador de Estado somente poderá disputar a reeleição para Deputado Federal ou Senador por esse Estado se já for titular desse mandato nessa mesma circunscrição. Caso, porém, seja titular do mandato de Deputado Federal ou Senador por outro Estado e pretenda, após transferir seu domicílio eleitoral, disputar novamente as eleições à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal pelo Estado onde seu cônjuge, parente ou afim até segundo grau seja Governador do Estado, incidirá a inelegibilidade reflexa (CF, art. 14, § 7.°), uma vez que não se tratará juridicamente de reeleição, mas de uma nova e primeira eleição para o Congresso Nacional por uma nova circunscrição eleitoral.

Nesse sentido decidiu o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, afirmando que

"O conceito de reeleição de Deputado Federal ou de Senador implica renovação do mandato para o mesmo cargo, por mais um período subseqüente, no mesmo Estado ou no Distrito Federal, por onde se elegeu. Se o parlamentar federal transferir o domicílio eleitoral para outra Unidade da Federação e, aí, concorrer, não cabe falar em reeleição, que pressupõe pronunciamento do corpo de eleitores da mesma circunscrição, na qual, no pleito imediatamente anterior se elegeu.


 


 

Se o parlamentar federal, detentor de mandato por uma Unidade Federativa, transferir o domicílio eleitoral para Estado diverso ou para o Distrito Federal, onde cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo grau, ou por adoção, seja Governador, torna-se inelegível, no território da respectiva jurisdição, por não se encontrar, nessas circunstâncias, em situação jurídica de reeleição, embora titular de mandato."


 

8.5.2.1 Inelegibilidade reflexa e renúncia do detentor de mandato executivo


 

A Súmula 6 do Tribunal Superior Eleitoral ("É inelegível para o cargo de Prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no § 7.° do art. 14 da Constituição, do titular do mandato, ainda, que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito"), não concedendo qualquer efeito a renúncia do titular do mandato Executivo para fins de afastamento da inelegibilidade reflexa, mantinha a impossibilidade da candidatura de seu cônjuge e parentes ou afins até segundo grau para o idêntico cargo de chefe do Executivo.

Essa previsão não se aplicava para todas as candidaturas a outros mandatos eletivos, mas somente ao mesmo cargo de Chefe do Executivo.

A nova interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, porém, afastou a incidência da Súmula 6, igualando a situação da renúncia do Chefe do Executivo seis meses antes do término do mandato para todas as eventuais candidaturas de seu cônjuge, parentes ou afins até segundo grau.

Dessa forma, se o chefe do Executivo renunciar seis meses antes da eleição, seu cônjuge e parente ou afins até segundo grau poderão candidatar-se a todos os cargos eletivos, inclusive à chefia do Executivo até então por ele ocupada, desde que esse pudesse concorrer a sua própria reeleição, afastando-se totalmente a inelegibilidade reflexa .


 

    Assim, ampliou-se o entendimento anterior do Tribunal Superior Eleitoral ao afirmar que, "somente com o afastamento do titular do cargo eletivo do Poder Executivo, seis meses antes do pleito, ficam elegíveis o cônjuge e os parentes, consangüíneos ou afins", pois a renúncia do chefe do Poder Executivo, nos seis meses anteriores à eleição, somente produzirá efeitos de afastamento da inelegibilidade reflexa, para a disputa de cargos eletivos diversos daquele renunciado pelo titular do mandato. Assim, por exemplo, irmão do Governador do Estado poderá candidatar-se a Deputado Federal, Senador da República ou Prefeito de município, desde que haja renúncia do Governador nos seis meses anteriores ao pleito eleitoral.


 

    


 

8.5.3 Militar


 

O militar é alistável, podendo ser eleito, conforme determina o art. 14, § 8.°. Ocorre, porém, que o art. 142, § 3.°, V, da Constituição Federal proíbe aos membros das Forças Armadas, enquanto em serviço ativo, estarem filiados a partidos políticos. Essa proibição, igualmente, se aplica aos militares dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, em face do art. 42, § 1.°.


 

    

Como solucionar este aparente conflito constitucional: a necessidade do militar estar filiado a partido político para exercer sua capacidade eleitoral passiva (CF, art. 14, § 3.°, V), garantida pelo art. 14, § 8.°, da CF e a impossibilidade de filiar-se a partidos políticos enquanto em serviço ativo?

O assunto já foi reiteradamente julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, na vigência da antiga redação do art. 42, § 6.°, substituído pela EC n.° 18/98, por semelhante redação pelos atuais arts. 42, § 1.° e 142, § 3.°, V, onde se indica "como suprimento da prévia filiação partidária, o registro da candidatura apresentada pelo partido e autorizada pelo candidato". Assim, do registro da candidatura até a diplomação do candidato ou seu regresso às Forças Armadas, o candidato é mantido na condição de agregado, ou seja, afastado temporariamente, caso conte com mais de dez anos de serviço, ou ainda, será afastado definitivamente, se contar com menos de dez anos.


 

    Fixada esta premissa, a Constituição Federal determina que o militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

• se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

• se contar mais de dez anos, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.


 

8.5.4 Previsões de ordem legal


 

A Constituição Federal, no § 9.°, do art. 14, autorizou a edição de lei complementar (LC n.° 64/90 e LC n.° 81/94) para dispor sobre outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A lei complementar é a única espécie normativa autorizada constitucionalmente a disciplinar a criação e estabelecer os prazos de duração de outras inelegibilidades relativas, sendo-lhe vedado a criação de inelegibilidade absoluta, pois estas são previstas taxativamente pela própria Constituição.


 

    

Existe, portanto, uma autêntica reserva de Lei Complementar, e, conseqüentemente, qualquer outra lei, regulamento, regimento, portaria ou resolução que verse o assunto será inconstitucional, por invasão de matéria própria e exclusiva daquela espécie normativa.


 

    

9 PRIVAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS


 

O cidadão pode ser privado, definitiva ou temporariamente, de seus direitos políticos, em face de hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional.

A Constituição Federal não aponta as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, porém a natureza, forma e, principalmente, efeitos das mesmas possibilitam a diferenciação entre os casos de perda e suspensão.

O art. 15 da Constituição Federal estabelece ser vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5.°, inc. VIII, e improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4.°.

Ocorrendo uma das hipóteses previstas na Constituição Federal, o fato deverá ser comunicado ao Juiz Eleitoral competente, que determinará sua inclusão no sistema de dados, para que aquele que estiver privado de seus direitos políticos seja definitivamente (perda), seja temporariamente (suspensão), não figure na folha de votação.

A privação dos direitos políticos, seja nas hipóteses de perda seja nas de suspensão, engloba a perda do mandato eletivo, determinando, portanto, imediata cessação de seu exercício. Note-se que, no caso de tratar-se de parlamentares federais, a própria Constituição Federal regulamenta o mecanismo da perda do mandato, afirmando em seu art. 55, § 3.°, que perderá o mandato o Deputado ou Senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos, por declaração da Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa. Essa previsão somente não é aplicável na hipótese de suspensão dos direitos políticos por condenação criminal em sentença transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, como será analisado no item 9.2.2.

Aquele que estiver com sua inscrição cancelada, por ter perdido seus direitos políticos, ou suspensa, por estar com seus direitos políticos suspensos, cessado o motivo ensejador da privação, poderá regularizar sua situação junto à Justiça Eleitoral .


 


 

    

9.1 Perda


 

A perda dos direitos políticos configura a privação definitiva dos mesmos e ocorre nos casos de cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado e recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5.°, VIII, da Constituição Federal.


 

9.1.1 Cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional (CF, art. 12, § 4.°)


 

A hipótese de perda da nacionalidade brasileira por esse motivo já foi estudada anteriormente. Como conseqüência desta perda, o indivíduo retorna à situação de estrangeiro perdendo os direitos políticos, pois o atributo da cidadania é próprio dos que possuem nacionalidade. Somente o Poder Judiciário (Justiça Federal, art. 109, X, da CF) poderá decretar a perda dos direitos políticos nessa hipótese.


 

9.1.2 Escusa de consciência


 

O art. 5.°, inciso VIII, prevê que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. A Lei n.° 8.239, de 4-10-1991, regulamentada pela Portaria n.° 2.681, de 28-7-1992 (fundamentada no § 1.° do art. 143 da CF):

"Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar",

previu as obrigações alternativas para o caso de serviço militar obrigatório.

Assim, para que haja perda dos direitos políticos deverão estar presentes os dois requisitos:

• descumprimento de uma obrigação a todos imposta;

• recusa à realização de uma prestação alternativa fixada em lei: caso não tenha sido editada a lei regulamentando a prestação alternativa, não há possibilidade do cidadão ser afetado em seus direitos políticos por inércia estatal. Dessa forma, ficará aguardando a edição legislativa.

Diferentemente da constituição anterior, onde havia expressa previsão da competência do Presidente da República para decretar a perda dos direitos políticos nessa hipótese (CF/67-69, art. 144, § 2.°), a atual silenciou a respeito.

Analisando a questão, José Afonso da Silva entende que se a Constituição não autorizou o Presidente da República a fazê-lo,

    

"só resta ao Poder Judiciário, único que tem poder para dirimir a questão, em processo suscitado pelas autoridades federais em face de caso concreto", esta competência.

Data venia desse entendimento, concordamos com Fávila Ribeiro, para quem


 

"o legislador constituinte deixando de estabelecer, cedeu à lei federal, com base no art. 22, XIII, da Constituição Federal, a competência para regular esse procedimento".


 

Mesmo porque, lembre-se que no caso de perda da nacionalidade por naturalização voluntária (CF, art. 12, § 4.°, II), e conseqüente perda dos direitos políticos, é competente a autoridade administrativa, como já visto.

A Lei n.° 8.239, de 4-10-1991, que regulamentou o art. 143, § 1.°, da Constituição Federal, acolhendo esse entendimento, determina que a recusa ou cumprimento incompleto do serviço alternativo, sob qualquer pretexto, por motivo de responsabilidade pessoal do convocado, implicará o não-fornecimento do certificado correspondente, pelo prazo de dois anos após o vencimento do período estabelecido. Findo o prazo previsto no parágrafo anterior, o certificado só será emitido após a decretação, pela autoridade administrativa competente, da suspensão dos direitos políticos do inadimplente, que poderá, a qualquer tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento das obrigações devidas. Apesar da lei referir-se à suspensão, trata-se de perda, pois não configura uma sanção com prazo determinado para terminar. O que a lei possibilita é a reaquisição dos direitos políticos, a qualquer tempo, mediante o cumprimento das obrigações devidas.


 

9.1.3 Outros casos de perda


 

Tanto a perda quanto a suspensão dos direitos políticos, como já ressaltado, somente poderão ocorrer nos casos taxativamente previstos na Constituição. Logicamente, não necessariamente nas previsões do art. 15, como é o caso da hipótese prevista no art. 12, § 4.°, II. Assim, determina essa norma legal que será declarada a perda da nacionalidade brasileira administrativamente, quando a pessoa adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária. Como conseqüência desta alteração em sua condição jurídica, tornando-se estrangeiro, por óbvio não mais terá direitos políticos no Brasil.

O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que o procedimento de naturalização vier a ser anulado judicialmente por vício de consentimento no ato jurídico (erro, dolo, coação, fraude ou simulação). A pessoa retomará à condição de estrangeiro, deixando, pois, de ostentar direitos políticos perante o ordenamento brasileiro.


    

9.2 Suspensão


 

A suspensão dos direitos políticos caracteriza-se pela temporariedade da privação dos direitos políticos e ocorre nas seguintes hipóteses: incapacidade civil absoluta; condenação criminal com trânsito em julgado, enquanto durarem seus efeitos; improbidade administrativa.


 

9.2.1 Incapacidade civil absoluta


 

Um dos efeitos secundários da sentença judicial que decreta a interdição é a suspensão dos direitos políticos. Assim, basta a decretação da interdição do incapaz, nos termos dos arts. 446 e 462 do Código Civil, nas hipóteses do art. 5.° do referido diploma legal, para que decorra, como efeito secundário e específico da sentença judicial, a suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem os efeitos da interdição.


 

9.2.2 Condenação criminal com trânsito em julgado enquanto durarem seus efeitos


 

Todos os sentenciados que sofrerem condenação criminal com trânsito em julgado estarão com seus direitos políticos suspensos até que ocorra a extinção da punibilidade, como conseqüência automática e inafastável da sentença condenatória. A duração dessa suspensão cessa com a já citada ocorrência da extinção da punibilidade, seja pelo cumprimento da pena, seja por qualquer outras das espécies previstas no Código Penal, independentemente de reabilitação ou de prova de reparação de danos (Súmula 9 do TSE: "A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos").

Os requisitos para a ocorrência dessa hipótese de suspensão dos direitos políticos

são:

• condenação criminal com trânsito em julgado: O art. 15, inciso III, da Constituição Federal é auto-aplicável, sendo conseqüência direta e imediata da decisão condenatória transitada em julgado, não havendo necessidade de manifestação expressa a respeito de sua incidência na decisão condenatória e prescindindo-se de quaisquer formalidades. Assim, a condenação criminal transitada em julgado acarreta a suspensão de direitos políticos pelo tempo em que durarem seus efeitos, independentemente de estar em curso ação de revisão criminal.


 

    

Não transitada em julgado a sentença condenatória, pode ser concedido o registro do candidato, uma vez que a suspensão dos direitos políticos prevista pelo inciso III, do art. 15, da Constituição Federal, ainda não terá incidência. O disposto no art. 15, inciso III, da Constituição Federal, ao referir-se ao termo "condenação criminal transitada em julgado" não distingue quanto ao tipo de infração penal cometida, abrangendo não só aquelas decorrentes da prática de crimes dolosos ou culposos, mas também as decorrentes de contravenção penal, independentemente da aplicação de pena privativa de liberdade (5), pois a ratio do citado dispositivo é permitir que os cargos públicos eletivos sejam reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da representação democrática. Importante, portanto, relembrar a lição do Ministro Carlos Velloso que, ao defender a aplicabilidade do art. 15, inciso III, tanto aos crimes dolosos quanto aos crimes culposos, afirma que

"sou daqueles que entendem que os cargos públicos deveriam ser reservados para os cidadãos insuspeitos. Não posso entender que a administração pública possa impedir que, para cargos menores, sejam empossados cidadãos com maus antecedentes e que os altos cargos eletivos possam ser exercidos por cidadãos que estão sendo processados e por cidadãos até condenados".


 

    


 

• Efeitos da condenação criminal: a suspensão dos direitos persistirá enquanto durarem as sanções impostas ao condenado, tendo total incidência durante o período de livramento condicional, e ainda, nas hipóteses de prisão albergue ou domiciliar, pois somente a execução da pena afasta a suspensão dos direitos políticos com base no art. 15, inc. III, da Constituição Federal. Em relação ao período de prova do sursis, por tratar-se de forma de cumprimento da pena, o sentenciado igualmente ficará privado temporariamente de seus direitos políticos.


 


 

Anote-se que, diferentemente da Constituição anterior, não se trata atualmente de norma constitucional de eficácia limitada à edição de uma futura lei complementar, o que impediria a aplicação imediata da suspensão dos direitos políticos como ocorria. O art. 149, § 2.°, c, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.° 01, de 1969, determinava que: "Assegurada ao paciente ampla defesa, poderá ser declarada a perda ou a suspensão dos seus direitos políticos por motivo de condenação criminal, enquanto durarem seus efeitos." Porém, o § 3.° desse mesmo artigo estipulava a necessidade de edição de lei complementar para dispor sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição. Em virtude dessa redação, entendia o Supremo Tribunal Federal que a condenação criminal transitada em julgado não importava na automática suspensão dos direitos políticos, em face da inexistência da lei complementar exigida pela Constituição Federal. A partir da Constituição Federal de 1988, a suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado se dá ainda que em curso o período de prova do sursis, conforme destacado pelo Supremo Tribunal Federal: "Em face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena."


 

A. Condenação criminal com trânsito em julgado e perda de mandato eletivo


 

Lembremo-nos que, como regra geral, a privação dos direitos políticos, inclusive na hipótese de condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos, engloba a perda do mandato eletivo, determinando, portanto, imediata cessação de seu exercício .


 

Porém, os parlamentares federais no exercício do mandato que forem condenados criminalmente incidem na hipótese do art. 55, inciso VI e § 2.°, da CF, não perdendo automaticamente o mandato, mas não podendo disputar novas eleições enquanto durarem os efeitos da decisão condenatória. Isso ocorre pois a própria Constituição Federal estabelece que perderá o mandato o Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado, sendo que a perda será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.


 

    Assim, em face de duas normas constitucionais aparentemente conflitantes (CF, arts. 15, III, e 55, VI) deve-se procurar delimitar o âmbito normativo de cada uma, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão, para então interpretá-las no sentido de garantir-se a unidade da constituição e a máxima efetividade de suas previsões. A partir dessa análise, percebe-se que a razão de existência do art. 55, inciso VI, e § 2.°, da Constituição Federal é de garantir ao Congresso Nacional a durabilidade dos mandatos de seus membros (deputados federais e senadores da República), com a finalidade de preservar a independência do Legislativo perante os demais poderes, tendo sua extensão delimitada, tão-somente, aos próprios parlamentares federais, por expressa e taxativa previsão constitucional. Trata-se, pois, de uma norma constitucional especial e excepcional em relação à previsão genérica do art. 15, inciso III.


 

Dessa forma, em relação aos Congressistas condenados criminalmente, com trânsito em julgado, não será automática a perda do mandato, pois a própria constituição, estabelecendo que "a perda será decidida", exigiu a ocorrência de um ato político e discricionário da respectiva Casa Legislativa Federal, absolutamente independente à decisão judicial. Como destacou o Ministro Nelson Jobim, no caso de parlamentares federais, "a perda do mandato, por condenação criminal, não é automática: depende de um juízo político do plenário da casa parlamentar. A Constituição outorga ao Parlamento a possibilidade da emissão de um juízo político de conveniência sobre a perda do mandato. Desta forma, a rigor, a condenação criminal, transitada em julgado, não causará a suspensão dos direitos políticos, tudo porque a perda do mandato depende de uma decisão da Casa parlamentar respectiva e não da condenação criminal".


 

Nesse sentido, importante lição nos traz o Ministro Moreira Alves, relator do Rextr. n.° 179.502-6/SP, em cuja decisão o Supremo Tribunal Federal pacificou o assunto:


 


 

"Assim sendo, tem-se que, por esse critério da especialidade - sem retirar a eficácia de qualquer das normas em choque, o que só se faz em último caso, pelo princípio dominante no direito moderno, de que se deve dar a máxima eficácia possível às normas constitucionais -, o problema se resolve excepcionando-se da abrangência da generalidade do art. 15, III, os parlamentares referidos no art. 55, para os quais, enquanto no exercício do mandato, a condenação criminal por si só, e ainda quando transitada em julgado, não implica a suspensão dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a perda do mandato vier a ser decretada pela Casa a que ele pertencer".


 

    Temos a mesma situação em relação aos deputados estaduais e distritais, por força dos arts. 27, § 1.° e 32, § 3.°, que determinam a aplicação das mesmas regras referentes à perda do mandato do deputado federal .


 

Diversa, porém, é a hipótese em relação aos parlamentares municipais ou detentores de mandatos no âmbito do Poder Executivo, uma vez que a Constituição Federal não os excepcionou da total incidência do referido inciso III, do art. 15, não havendo, portanto, em relação aos vereadores, presidente , governadores e prefeitos, o que justifique o afastamento da regra geral aplicável na hipótese de suspensão dos direitos políticos, qual seja, imediata cessação do exercício do mandato . Dessa forma, uma vez transitada em julgado a sentença condenatória por infração penal praticada por detentor de mandato eletivo, serão remetidas certidões à Justiça Eleitoral, que as encaminhará ao Juiz Eleitoral competente, que oficiará no caso de tratar-se de parlamentares o Presidente da respectiva Casa Legislativa, para que declare a extinção do mandato e, conseqüentemente, efetive o preenchimento da vaga. Trata-se de ato vinculado do Poder Legislativo municipal que deverá, obrigatoriamente, aplicar os efeitos decorrentes do art. 15, inciso III, da Constituição Federal, independentemente de qualquer deliberação política.


 


 

B. Diferenciação entre suspensão dos direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado (CF, art. 15, inciso III) e inelegibilidade legal em face de condenação criminal por determinadas infrações penais (Lei complementar n.° 64/90, art. 1.°, inciso I, e)


 

Por fim, a presente hipótese de suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos não se confunde com a previsão de inelegibilidade do art. 1.°, inciso I, e, da Lei Complementar n.° 64/90, que prevê serem inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena.

Enquanto a primeira hipótese tem seu fundamento no art. 15, inciso III, da Constituição Federal (suspensão), a segunda tem seu fundamento no § 9.° do art. 14 (inelegibilidade legal) e somente abrange uma situação de inelegibilidade, posterior ao término da suspensão dos direitos políticos, aos condenados pela prática dos crimes previstos no já citado art. 1.°, da LC n.° 64/90.

Assim, conforme decidido pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, "extinta a pena, não cabe cogitar de subsistência da suspensão de direitos políticos decorrentes da condenação criminal e, por outro lado, não incide o art. 1.°, inciso I, e, LC n.° 64/90, se a condenação não foi baseada em qualquer dos crimes nela enumerados taxativamente".


 

9.2.3 Improbidade administrativa


 

A Constituição Federal, no art. 37, § 4.° prevê que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da sanção penal cabível, reforçando a previsão de suspensão dos direitos políticos do art. 15, V.

A questão da improbidade administrativa será amplamente analisada no capítulo da Administração Pública, somente anotando desde já que a competência para essa hipótese será do próprio Poder Judiciário, nas ações envolvendo atos de improbidade.

Ressalte-se, ainda, inexistir previsão constitucional de foro privilegiado para a propositura de ações por ato de improbidade administrativa movidas contra quaisquer autoridades .


 

10 PARTIDOS POLÍTICOS


 

A Constituição Federal regulamentou os partidos políticos, como instrumentos necessários e importantes para preservação do Estado Democrático de Direito, afirmando a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os preceitos de caráter nacional; proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à Justiça Eleitoral e funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

A Constituição Federal assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidárias, sendo vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar.

Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral e terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.

Conforme salienta Miguel Reale Junior,


 

"enquanto na Europa vive-se a crise da democracia dos partidos, partidos de massa que se revelam incapazes de satisfatoriamente aglutinar os segmentos sociais, de se fazerem intérpretes das aspirações concretas, veículos impróprios para efetiva participação política, no Brasil é mister iniciar a obra da ligação entre a Sociedade Civil e o Estado pelo fortalecimento dos partidos políticos".


 

Com esse intuito, o legislador constituinte fortaleceu a autonomia dos partidos políticos, diminuindo extraordinariamente o controle do Poder Público sobre eles, visando, como ressaltando por Michel Temer,


 

"tentar criar (ou fortalecer) partidos políticos sólidos, comprometidos com determinada ideologia político-administrativa, uma vez que o partido há de ser o canal condutor a ser percorrido por certa parcela da opinião pública para chegar ao governo e aplicar o seu programa",


 

uma vez que é essencial lembrar a lição de Raul Machado Horta de que


 

"o sistema de partidos repercute de igual modo no funcionamento do regime presidencial, tornando mais flexíveis as relações entre o Presidente e o Congresso, ou concorrendo para abrandar as dimensões imperiais do poder presidencial, em regime de pluripartidarismo".


 

Por fim, importante lembrarmos que, apesar de serem os principais operadores políticos em um regime democrático, os partidos não são os únicos, havendo a possibilidade de tutela de interesses setoriais (grupos ecológicos, feministas, pacifistas), através de associações e grupos de pressão.


 

11 LÍNGUA E SÍMBOLOS OFICIAIS


 

O art. 13 da Constituição proclama a língua portuguesa como idioma oficial da República Federativa do Brasil e estabelece a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais como símbolos da República Federativa do Brasil. Igualmente, autoriza os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a estabelecerem símbolos próprios.

Em relação à importância do idioma oficial, ressaltava Miguel Reale, no período

anterior à Assembléia Nacional Constituinte, que


 

"a questão da língua é essencial, sugerindo eu se declare que `o Português é a língua oficial do Brasil', porque há uma grande luta para saber se é o Português. Há quem diga que não, que a língua oficial é `o Brasileiro', e outros que é o `Português falado no Brasil'. Ainda recentemente os Estados Unidos da América aprovaram emenda constitucional dizendo que `o Inglês é a língua oficial', porque havia quem quisesse que fosse o Espanhol e outras línguas. Essa experiência parece-me necessária, porque a língua é o solo da cultura, é o ponto de partida da cultura. Toda cultura está fundamentada na linguagem. É a razão pela qual os filósofos neopositivistas dizem, com exagero, que `quem diz Ciência, diz Linguagem', pois, na realidade, cada Ciência corresponde a um sistema de signos, a um conjunto próprio de termos específicos, isto é, à sua linguagem".


 

Em complementação à regra prevista no citado art. 13, a Constituição Federal prevê em seu art. 210, § 2.°, que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada, porém, às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

Ressalte-se, portanto, que nas comunidades indígenas ambas as línguas serão ministradas, permanecendo, porém, o caráter de idioma oficial à língua portuguesa.


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

9


 

ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA


 

1 REGRAS DE ORGANIZAÇÃO


 

1.1 Adoção da federação


 

A Constituição de 1988 adotou como forma de Estado o federalismo, que na conceituação de Dalmo de Abreu Dallari é uma "aliança ou união de Estados", baseada em uma Constituição e onde


 

"os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada".


 

Dessa forma, difere o Estado Unitário, que


 

"é, por conseguinte, rigorosamente centralizado, no seu limiar, e identifica um mesmo poder, para um mesmo povo, num mesmo território",


 

caracterizando-se pela centralização político-administrativa em um só centro produtor de decisões. Igualmente, difere da Confederação, que consiste na união de Estados-soberanos por meio de um tratado internacional dissolúvel.


 

A adoção da espécie federal de Estado gravita em torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não somente à sua configuração, mas também à sua manutenção e indissolubilidade, pois como aponta José Roberto Dromi, analisando a federação argentina, "a simples federação pura é tão irrealizável quanto um sistema unitário, pois é uma aliança e as alianças não perduram".

Como ressaltado por Geraldo Ataliba, "exsurge a Federação como a associação de Estados (foedus, foederis) para formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela `autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal' (Sampaio Dória), caracterizadora dessa igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos extraem suas competências da mesma norma (Kelsen). Daí cada qual ser supremo em sua esfera, tal como disposto no Pacto Federal (Victor Nunes)".


 

    O mínimo necessário para a caracterização da organização constitucional federalista exige, inicialmente, a decisão do legislador constituinte, por meio da edição de uma constituição, em criar o Estado Federal e suas partes indissociáveis, a Federação ou União, e os Estados-membros, pois a criação de um governo geral supõe a renúncia e o abandono de certas porções de competências administrativas, legislativas e tributárias por parte dos governos locais. Essa decisão está consubstanciada nos arts. 1.° e 18 da Constituição de 1988.

Além disso, a constituição deve estabelecer os seguintes princípios:

• os cidadãos dos diversos Estados-membros aderentes à Federação devem possuir a nacionalidade única dessa;

• repartição constitucional de competências entre a União, Estados-membros, Distrito Federal e município;

• necessidade de que cada ente federativo possua uma esfera de competência tributária que lhe garanta renda própria;

• poder de auto-organização dos Estados-membros, Distrito Federal e municípios, atribuindo-lhes autonomia constitucional;

• possibilidade constitucional excepcional e taxativa de intervenção federal, para manutenção do equilíbrio federativo;

• participação dos Estados no Poder Legislativo Federal, de forma a permitir-se a ingerência de sua vontade na formação da legislação federal;

• possibilidade de criação de novo Estado ou modificação territorial de Estado

existente dependendo da aquiescência da população do Estado afetado;

• a existência de um órgão de cúpula do Poder Judiciário para interpretação e proteção da Constituição Federal.

Note-se que, expressamente, o legislador constituinte determinou a impossibilidade de qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir a Federação (CF, art. 60, § 4.°, I).


 

    

1.2 Princípio da indissolubilidade do vínculo federativo


 

O princípio da indissolubilidade em nosso Estado Federal foi consagrado em nossas constituições republicanas desde 1891 (art. 1.°) e tem duas finalidades básicas: a unidade nacional e a necessidade descentralizadora.

O art. 1.° da Constituição Federal afirma que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do Distrito Federal; sendo completado pelo art. 18, que prevê que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos e possuidores da tríplice capacidade de auto-organização e normalização própria, autogoverno e auto-administração.

Dessa forma, inadmissível qualquer pretensão de separação de um Estado-membro, do Distrito Federal ou de qualquer município da Federação, inexistindo em nosso ordenamento jurídico o denominado direito de secessão. A mera tentativa de secessão do Estado-membro permitirá a decretação de intervenção federal (CF, art. 34, I), devendo sempre a Constituição ser interpretada de sorte que não ameace a organização federal por ela instituída, ou ponha em risco a coexistência harmoniosa e solidária da União, Estados e municípios.


 

1.3 Capital Federal


 

A Constituição Federal determina que Brasília é a Capital Federal (CF, art. 18, § 1.°), tratando-se de inovação do legislador constituinte de 1988, que não mais definiu o Distrito Federal como a Capital , pois esse é o ente federativo que engloba aquela, ao qual é vedado dividir-se em municípios (CF, art. 32, caput). Assim ficam diferenciadas a Capital Federal do País da circunscrição territorial representada na Federação pelo Distrito Federal.


 


 

Ressalte-se que foi a 1.ª Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891, em seu art. 3.°, que expressamente determinou que "fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 kilometros quadrados, que será opportunamente demarcada, para nella estabelecer-se a futura Capital Federal. Effectuada a mudança da capital, o actual Distrito Federal passará a constituir um Estado".

Em lição preciosa, José Afonso da Silva expõe que

    "Brasília, assim, assume uma posição jurídica específica no conceito brasileiro de cidade. Brasília é civitas civitatum, na medida em que é cidade-centro, pólo irradiante, de onde partem, aos governados, as decisões mais graves, e onde acontecem os fatos decisivos para os destinos do País. Mas não se encaixa no conceito geral de cidades, porque não é sede de município. É civitas e polis, enquanto modo de habitar de sede do Governo Federal... Brasília tem como função servir de Capital da União, Capital Federal e, pois, Capital do Brasil, como entidade de direito internacional".


 

    

1.4 União


 

A União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados-membros e municípios, constituindo pessoa jurídica de Direito Público Interno, cabendo-lhe exercer as atribuições da soberania do Estado brasileiro. Não se confundindo com o Estado Federal, este sim pessoa jurídica de Direito Internacional e formado pelo conjunto de União, Estados-membros, Distrito Federal e municípios. Ressalte-se, porém, que a União poderá agir em nome próprio, ou em nome de toda Federação, quando, neste último caso, relaciona-se internacionalmente com os demais países.

As regras relacionadas diretamente à União serão estudadas em pertinentes capítulos.

A Constituição Federal enumera os bens da União (CF, art. 20): as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II; os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; o mar territorial; os terrenos de marinha e seus acrescidos; os potenciais de energia hidráulica; os recursos minerais, inclusive os do subsolo; as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Saliente-se que o legislador constituinte permitiu à União, somente para efeitos administrativos, a possibilidade de criação de regiões de desenvolvimento (CF, art. 43), mediante a articulação de sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando ao seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais, por meio de lei complementar, que disporá sobre as condições para integração de regiões em desenvolvimento; a composição dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais, integrantes dos planos nacionais de desenvolvimento econômico e social (CF, art. 174, § 1.°) , aprovados juntamente com estes.


 

    

Além disso, poderão ser estabelecidos incentivos regionais, que compreenderão, além de outros, na forma da lei, de igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do poder público; juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias; isenções, reduções ou diferimento temporário de tributos federais devidos por pessoas físicas ou jurídicas; prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas.


 

    

1.5 Estados-membros


 

1.5.1 Autonomia estadual


 

A autonomia dos Estados-membros caracteriza-se pela denominada tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração.


 

A. Auto-organização e normatização própria


 

Os Estados-membros se auto-organizam por meio do exercício de seu poder constituinte derivado-decorrente, consubstanciando-se na edição das respectivas Constituições Estaduais e, posteriormente, através de sua própria legislação (CF, art. 25, caput , sempre, porém, respeitando os princípios constitucionais sensíveis, princípios federais extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos.


 

    

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal,


 

"se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente de princípios constitucionais sensíveis, a denotar, com isso, a expansão de poderes jurídicos na esfera das coletividades autônomas locais, o mesmo não se pode afirmar quanto aos princípios federais extensíveis e aos princípios constitucionais estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto constitucional, posto que não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo de limitações dessa autonomia local, cuja identificação - até mesmo pelos efeitos restritivos que deles decorrem – impõe-se realizar".


 

Os princípios constitucionais sensíveis são assim denominados, pois a sua inobservância pelos Estados-membros no exercício de suas competências legislativas, administrativas ou tributárias, pode acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado Federal, a intervenção na autonomia política. Estão previstos no art. 34, VII, da Constituição Federal:

• forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

• direitos da pessoa humana;

• autonomia municipal;

• prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

• aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.


 


 

    Os princípios federais extensíveis são as normas centrais comuns à União, Estados, Distrito Federal e municípios, portanto, de observância obrigatória no poder de organização do Estado. Poder-se-ia colocar nessa classificação os chamados por Raul Machado Horta de "Princípios desta Constituição".


 

    

Por fim, os princípios constitucionais estabelecidos consistem em determinadas normas que se encontram espalhadas pelo texto da constituição, e, além de organizarem a própria federação, estabelecem preceitos centrais de observância obrigatória aos Estados-membros em sua auto-organização. Subdividem-se em normas de competência e normas de preordenação .


 


 

B. Autogoverno


 

A autonomia estadual também se caracteriza pelo autogoverno, uma vez que é o próprio povo do Estado quem escolhe diretamente seus representantes nos Poderes Legislativo e Executivo locais, sem que haja qualquer vínculo de subordinação ou tutela por parte da União . A Constituição Federal prevê expressamente a existência dos Poderes Legislativo (CF, art. 27),5 Executivo (CF, art. 28) e Judiciário (CF, art. 125) estaduais.


 

A própria Constituição Federal (art. 27) estabelece regras na composição do Poder Legislativo Estadual, determinando sua unicameralidade, sua denominação - Assembléia Legislativa -, a duração do mandato dos deputados (quatro anos), as regras sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas; as regras sobre remuneração e previsão sobre iniciativa popular de lei; bem como duas regras para fixação do número de deputados estaduais.


 

    Até a data da promulgação da Emenda Constitucional n.° 19, em 46-1998, a própria Assembléia Legislativa, por meio de decreto legislativo, fixava seus vencimentos em cada legislatura para a subseqüente. A nova redação do § 2.° do art. 27 exige a edição de lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, fixando desde logo o teto máximo de remuneração, qual seja, 75% do estabelecido, em espécie, para os deputados federais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4.°, 57, § 7.°, 150, II, 153, III, e 153, § 2.°, I. A novidade está na necessidade da aprovação de lei ordinária, cuja iniciativa será da Mesa da Assembléia Legislativa, devendo ser aprovada por maioria simples e exigindo-se, portanto, a participação do Governador do Estado no processo legislativo, permitindo-se sua sanção ou veto.


 

Em relação ao teto máximo fixado, lembremo-nos não tratar de novidade, uma vez que a Emenda Constitucional n.° 01, de 31-3-1992, já havia dado redação semelhante ao citado § 2.°.


 


 


 


 

O número de deputados estaduais, no geral, corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados (Regra: n.° de deputados estaduais = 3 x n.° deputados federais) que é fixada em lei complementar (CF, art. 45, § 1.°) . Excepcionalmente, porém, se atingido o número de trinta e seis deputados estaduais, serão acrescidos tantos deputados quantos forem os Deputados Federais acima de doze (Exceção: n.° de deputados estaduais = 36 + n.° de deputados federais -12).


 


 

Assim, por exemplo, o Estado de São Paulo tem 70 (setenta) deputados federais, portanto, encaixa-se na exceção prevista no art. 27, aplicando-se a regra: n.° deputados estaduais = 36 + n.° deputados federais - 12; logo, teremos: 36 + 70 - 12 = 94 deputados estaduais.

Em relação ao Poder Executivo estadual, o art. 28 da Constituição Federal com a nova redação dada pela Emenda Constitucional n.° 16, de 4-6-1997, estabelece que a eleição do Governador e do Vice-governador de Estado, para mandato de quatro anos, permitindo-se a reeleição para um único período subseqüente, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subseqüente. Além disso, expressamente, determina a aplicação das regras previstas para a eleição e posse do Presidente da República (CF, art. 77) .


 

Determina, também, que perderá o mandato o governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V da própria Constituição Federal. Além disso, a Constituição Federal prevê que os subsídios do Governador, do Vice-governador e dos Secretários de Estado serão fixados por lei de iniciativa da Assembléia Legislativa, observando o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4.°, 150, II, 153, III, e 153, § 2.°, I .


 

Em relação à responsabilidade político-administrativa dos Governadores dos Estados-membros e às regras básicas do impeachment, conferir Capítulo 10, item 4.8.

No art. 125 da Carta de 1988 rege que os Estados-membros organizarão seu Poder Judiciário, observados os princípios estabelecidos na Constituição, determinando a competência dos tribunais na Constituição do Estado e instituindo representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.


 

Faculta-se, ainda, à lei estadual, de iniciativa do Tribunal de Justiça, a criação da Justiça Militar estadual, com competência para processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, constituída, em primeiro grau, pelos Conselhos de Justiça e, em segundo, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo da polícia militar seja superior a vinte mil integrantes.


 

C. Auto-administração


 

Por fim, completando a tríplice capacidade garantidora da autonomia dos entes federados, os Estados-membros se auto-administram no exercício de suas competências administrativas, legislativas e tributárias definidas constitucionalmente. Saliente-se que está implícito no exercício da competência tributária, a existência de um mínimo de recursos financeiros, obtidos diretamente através de sua própria competência tributária.


 

1.5.2 Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões


 

Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (CF, art. 25, § 3.°), com o objetivo de oferecer soluções para problemas ou carências localizadas nos Estados.

As regiões metropolitanas são conjuntos de municípios limítrofes, com certa continuidade urbana, que se reúnem em torno de um município-pólo, também denominado município-mãe. Microrregiões também constituem-se por municípios limítrofes, que apresentam características homogêneas e problemas em comum, mas que não se encontram ligados por certa continuidade urbana. Será estabelecido um município-sede. Por fim, aglomerados urbanos são áreas urbanas de municípios limítrofes, sem um pólo, ou mesmo uma sede. Caracterizam-se pela grande densidade demográfica e continuidade urbana.

São, portanto, requisitos constitucionais comuns às três hipóteses :

• lei complementar estadual;

• tratar-se de um conjunto de municípios limítrofes;

• finalidade: organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum.


 

    

1.6 Municípios


 

A Constituição Federal consagrou o município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se nota na análise dos arts. 1.°, 18, 29, 30 e 34, VII, c, todos da Constituição Federal. Ressalta Paulo Bonavides, que


 

"não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização -política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo modelo implantado no País com a Carta de 1988".


 

A autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração.

Dessa forma, o município auto-organiza-se através de sua Lei Orgânica Municipal e, posteriormente, por meio da edição de leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição direta de seu prefeito, Vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência dos Governos Federal e Estadual; e, finalmente, auto-administra-se, no exercício de suas competências administrativas, tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Federal.


 

1. 6.1 Lei orgânica municipal


 

Os municípios reger-se-ão por leis orgânicas municipais, votadas em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovadas por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que as promulgará. A Lei Orgânica organizará os órgãos da Administração, a relação entre os órgãos do Executivo e Legislativo, disciplinando a competência legislativa do Município, observadas as peculiaridades locais, bem como sua competência comum, disposta no art. 23, e sua competência suplementar, disposta no art. 30, II; além de estabelecer as regras de processo legislativo municipal e toda regulamentação orçamentária, em consonância com a Constituição Federal, a Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (CF, art. 29):

• eleição do Prefeito, do Vice-prefeito e dos vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o país. Ressalte-se que a partir da Emenda Constitucional n.°16, de 4-6-1997, permite-se a reeleição do chefe do Poder Executivo municipal para um único período subseqüente;

• eleição do Prefeito e do Vice-prefeito realizada no primeiro domingo de outubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77 no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores ;

• posse do prefeito e do Vice-prefeito no dia 1.° de janeiro do ano subseqüente ao

da eleição;

• número de vereadores proporcional à população do município, observados os seguintes limites: mínimo de nove e máximo de 21 nos municípios de até um milhão de habitantes; mínimo de 33 e máximo de 41 nos municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes; mínimo de 42 e máximo de 55 nos municípios de mais de cinco milhões de habitantes;

• A Emenda Constitucional n.° 25, de 14-2-2000, cuja entrada em vigor ocorreu em 1.°-1-2001, alterou os limites para a fixação dos subsídios dos Vereadores, prevendo sua fixação pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos : a) em Municípios de até dez mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a vinte por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; b) em Municípios de dez mil e um a cinqüenta mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a trinta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; c) em Municípios de cinqüenta mil e um a cem mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a quarenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; d) em Municípios de cem mil e um a trezentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a cinqüenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; e) em Municípios de trezentos mil e um a quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a sessenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; f) em Municípios de mais de quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a setenta e cinco por cento do subsídio dos Deputados Estaduais. Com a citada Emenda Constitucional n.° 25/2000, houve o retorno, em nível municipal, da regra da legislatura , ou seja, da impossibilidade de a Câmara Municipal aumentar seus subsídios para a própria legislatura . Observe-se, ainda, que a nova fixação de subsídios dos agentes políticos municipais não é auto-aplicável, tratando-se de norma constitucional de eficácia limitada, pois depende do teto salarial previsto no art. 37, XI, ou seja, não poderá exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a ser fixado por lei ordinária de iniciativa conjunta do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 48, XV). Nesse sentido, entendendo também pela não auto-aplicabilidade dessa norma, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, considerando as regras introduzidas nesse inciso pela EC n.° 19/98, resolveu "baixar deliberação para considerar que a modificação da sistemática remuneratória de agentes políticos municipais só será possível a contar da vigência da lei prevista no inciso XV do art. 48 da Constituição Federal, tendo em conta que as vinculações decorrentes dependerão da prévia fixação do subsídio considerado teto salarial (TC - A - 23423/026/98)";

    • o total da despesa com a remuneração dos vereadores não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do município até o término do ano 2000. A partir de 1.°-1-2001, entra em vigor a Emenda Constitucional n.° 25, de 14-2-2000, que estabelece novos limites à despesa do Poder Legislativo, incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos os gastos com inativos. Assim, a Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus vereadores. Além disso, o total da despesa não poderá ultrapassar os seguintes percentuais relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5.° do art. 153 e nos arts. 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior: oito por cento para Municípios com população de até cem mil habitantes; sete por cento para Municípios com população entre cem mil e um e trezentos mil habitantes; seis por cento para Municípios com população entre trezentos mil e um e quinhentos mil habitantes; cinco por cento para Municípios com população acima de quinhentos mil habitantes.

• inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município;

• proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa;

• julgamento do prefeito perante o Tribunal de Justiça;

• organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal;

• cooperação das associações representativas no planejamento municipal;

• iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado;

• perda do mandato do prefeito, nos termos do art. 28, § 1.°.


 

1.6.2 Prefeito municipal - responsabilidade criminal e política


 

O prefeito é o chefe do Poder Executivo, cabendo-lhe a direção administrativa e política do município. Conforme a própria Constituição Federal prevê, será eleito, juntamente com o Vice-prefeito, para um mandato de quatro anos, permitindo-se a reeleição para um único período subseqüente, nos termos da Emenda Constitucional n.° 16, de 4-61997.


 

    Importante previsão constitucional é a disposição, originariamente, prevista no art. 29, VIII, e atualmente, em virtude da Emenda Constitucional n.° 1, de 31-3-1992, no art. 29, X.

O inciso X do art. 29 da Constituição Federal inovou a competência para processo e julgamento das infrações penais cometidas por prefeitos Municipais, concedendo-lhes foro privilegiado, ao dispor que somente serão julgados pelo Tribunal de Justiça respectivo, seja pelo Plenário ou por órgão fracionário competente.

No entanto, o legislador constituinte não foi claro quanto à fixação dessa competência, ao não se referir, expressamente, ao tipo de infração penal cometida (comum, eleitoral, dolosa contra a vida e federal), cabendo à Jurisprudência essa definição.

Assim, as atribuições jurisdicionais originárias do Tribunal de Justiça, constitucionalmente definido como juízo natural dos prefeitos Municipais, restringem-se, no que concerne aos processos penais, unicamente às hipóteses pertinentes aos delitos sujeitos à competência da Justiça local, havendo competência, nos crimes praticados contra bens, serviços ou interesse da União, de suas autarquias ou de empresas públicas federais, do Tribunal Regional Federal.

A competência da Justiça Federal, porém, mesmo nestes casos, é afastada quando houver processo e julgamento de prefeito Municipal por desvio de verbas recebidas em virtude de convênio firmado com a União Federal, a teor do enunciado da Súmula n.° 133 do extinto Tribunal Federal de Recursos.

Nessas hipóteses, não compete ao Tribunal Regional Federal o processo e julgamento originário de ação penal contra prefeito municipal por má aplicação de verbas federais repassadas ao patrimônio da municipalidade, pois seu desvio ou emprego irregular é crime contra o Município, em cujo patrimônio as verbas já haviam se incorporado e, portanto, a competência é do próprio Tribunal de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça editou duas súmulas sobre o assunto. A Súmula 209 que estabelece que "compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal" e a Súmula 208 que prescreve que "compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal".

Entretanto, tratando-se de delitos eleitorais, o prefeito Municipal deverá ser processado e julgado, originariamente, pelo Tribunal Regional Eleitoral.

No tocante aos delitos dolosos contra a vida, face a maior especialidade, aplica-se, aos prefeitos Municipais, o art. 29, X, da Constituição Federal, afastando-se, pois, o art. 5.°, XXXVIII, recaindo a competência nos Tribunais de Justiça, e não no Tribunal do Júri .


 

    

Tais normas, previstas na constituição, por serem regras processuais de competência, têm aplicabilidade imediata, alcançando, desde logo, todos os processos penais em curso no momento da vigência da nova constituição, conforme reconheceu o Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Assim ocorre porque os preceitos de uma nova constituição aplicam-se imediatamente com eficácia ex nunc.

A ação penal contra prefeito municipal, por crimes comuns, tipificados inclusive no art. 1.° do Decreto-lei n.° 201/67, pode ser instaurada mesmo após a extinção do mandato, conforme atual e pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 164 - "O prefeito municipal após a extinção do mandato, continua sujeito do processo por crime previsto no art. 1.°, DL n.° 201/67"). Porém, se a denúncia for recebida, durante o exercício do mandato, o Tribunal ou seu órgão fracionário decidirão pelo afastamento temporário ou permanência nas funções do prefeito durante a instrução processual penal.

Dessa forma, imprescindível observarmos, quer seja competência da Justiça comum, quer seja da Justiça federal ou eleitoral, a partir da nova Constituição, a 2.ª instância é o juízo natural para processo e julgamento das infrações penais cometidas pelo prefeito Municipal.

Em relação, entretanto, aos chamados crimes de responsabilidade cometidos pelo prefeito Municipal, primeiramente há necessidade de classificá-los em próprios e impróprios. Enquanto os primeiros são infrações político-administrativas, cuja sanção corresponde à perda do mandato e suspensão dos direitos políticos previstos no art. 4.° do Decreto-lei n.° 201, de 1967, os segundos são verdadeiras infrações penais, apenados com penas privativas de liberdade e previstos no artigo 1.° do mesmo decreto-lei.

Os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no art. 1.° do Decreto-lei n.° 201, de 1967, são crimes comuns, que deverão ser julgados pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1.°), são de ação pública e punidos com pena de reclusão e de detenção (art. 1.°. § 1.°) e o processo é o comum, do Código de Processo Penal, com pequenas modificações (art. 2.°), cujo estudo foi feito anteriormente. No art. 4.°, o Decreto-lei n.° 201, de 1967, cuida das infrações político-administrativas dos prefeitos sujeitas ao julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que podem, na tradição do direito brasileiro, ser denominadas crimes de responsabilidade.

Assim, compete ao Poder Judiciário processar e julgar os crimes (comuns e de responsabilidades impróprios) praticados pelos prefeitos Municipais (art. 29, X, da CF).

No tocante, porém, às infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade próprios), a competência para julgamento é da Câmara Municipal (6), uma vez que se trata de responsabilidade política do chefe do Poder Executivo local, a ser devida e politicamente apurada pelo Poder Legislativo Municipal. A partir de 1.°-1-2001, entra em vigor a Emenda Constitucional n.° 25, de 14-2-2000, que estabelece como crimes de responsabilidade do Prefeito Municipal: efetuar repasse que supere os limites definidos no art. 29-A da Constituição Federal; não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária.


 

    


 

Obviamente, apesar da previsão constitucional exemplificativa, haverá necessidade de previsão legal tipificando essas hipóteses, pois, o brocardo nullum crimen sine tipo tem plena incidência no campo dos ilícitos administrativos, havendo necessidade de que a previsão de tais infrações emane de lei federal, pois entende o Supremo Tribunal Federal que a definição formal dos crimes de responsabilidade insere-se, por seu conteúdo penal, na competência exclusiva da União.

Por fim, saliente-se que a Constituição Federal prevê a competência originária do Tribunal de Justiça, salvo as exceções acima analisadas, somente para o processo e julgamento das infrações penais comuns ajuizadas contra o Prefeito Municipal, não se admitindo ampliação interpretativa no sentido de considerar-se a existência de foro privilegiado para as ações populares, ações civis públicas, e demais ações de natureza cível .

Da mesma forma, inexiste foro privilegiado para o ajuizamento de ações por prática de atos de improbidade administrativa em face de Prefeitos Municipais , por ausência de previsão constitucional específica , devendo, portanto, ser ajuizadas perante a 1.ª instância .

A Lei n.° 10.628, de 24 de dezembro de 2002, alterando a redação do art. 84 do Código de Processo Penal, estabeleceu em seu § 2.°, que a ação de improbidade deverá ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública.

Observe-se, porém, que essa extensão de competência ao Tribunal de Justiça para as ações de improbidade administrativa ajuizadas contra Prefeitos Municipais fere frontalmente o inciso X, do art. 29 da Constituição Federal, devendo, portanto, ser declarada inconstitucional.

A citada lei estabeleceu, ainda, que essa competência especial por prerrogativa de função deverá prevalecer ainda que o inquérito ou a ação judicial se iniciem após a cessação do exercício da função pública, revigorando, no campo civil, a antiga regra da contemporaneidade fato/mandato prevista na Súmula 394 do STF, hoje cancelada. Essa perpetuação de competência, igualmente, fere a interpretação dada pelo STF à questão dos foros especiais e, conseqüentemente, deverá ser declarada inconstitucional .


 


 

1.6.3 Vereadores - imunidade material

    

Seguindo a tradição de nosso direito constitucional, não houve previsão de imunidades formais aos vereadores; porém, em relação às imunidades materiais o legislador constituinte inovou, garantindo-lhe a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município .


 

Conforme será amplamente estudado no Capítulo 10 (Da organização dos Poderes), item 2.7.5, a imunidade material dos membros do Poder Legislativo abrange a responsabilidade penal, civil, disciplinar e política, pois trata-se de cláusula de irresponsabilidade geral de Direito Constitucional material.

Dessa forma, em conclusão, são requisitos constitucionais exigíveis para a caracterização da inviolabilidade do vereador:

• manifestação de vontade, através de opiniões, palavras e votos;

• relação de causalidade entre a manifestação de vontade e o exercício do mandato, entendida globalmente dentro da função legislativa e fiscalizatória do Poder Legislativo e independentemente do local;

• abrangência na circunscrição do município.

Ressalte-se que não existe qualquer possibilidade de criação pelas Constituições Estaduais, nem pelas respectivas leis orgânicas dos municípios, de imunidades formais em relação aos vereadores , e tampouco de ampliação da imunidade material, uma vez que a competência para legislar sobre direito civil, penal e processual é privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal.

    

Diversa, porém, é a hipótese de previsão de foro privilegiado para o processo e julgamento dos vereadores. Em face do art. 125, § 1.°, da Constituição Federal, não existirá óbice à Constituição estadual em prever o Tribunal de Justiça como o juízo competente para os processos e julgamentos dos vereadores nas infrações penais comuns, se assim o legislador constituinte estadual preferir.


 


 

1.7 Distrito Federal


 

A nova Constituição Federal garante ao Distrito Federal a natureza de ente federativo autônomo, em virtude da presença de sua tríplice capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração (CF, arts. 1.°, 18, 32, 34), vedando-lhe a possibilidade de subdividir-se em municípios. Dessa forma, não é Estado-membro, nem tampouco município, tendo, porém, em regra, todas as competências legislativas e tributárias reservadas aos Estados e municípios (CF, arts. 32 e 147), excetuando-se somente a regra prevista no art. 22, XVII, da Constituição Federal ("Compete privativamente à União legislar sobre XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes").

O Distrito Federal se auto-organizará por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição. Igualmente, reger-se-á, pelas suas leis distritais, editadas no exercício de sua competência legislativa (CF, art. 32).


 

    A capacidade de autogoverno consubstancia-se na eleição do governador e do Vice-governador, somente pelo próprio povo do Distrito Federal, observadas as regras do art. 77 da Constituição Federal, bem como de seus próprios Deputados Distritais, componentes do Poder Legislativo Local (Câmara Legislativa), todos para um mandato de quatro anos. Em relação ao Poder Judiciário do Distrito Federal, permanece a previsão de que competirá, privativamente, à União organizar e mantê-lo, afetando, parcialmente, a autonomia desse ente federado.

Por fim, a capacidade de auto-administração decorre da possibilidade do Distrito Federal exercer suas competências administrativas, legislativas e tributárias constitucionalmente deferidas, sem qualquer ingerência da União (CF, art. 25, § 1.°).


 

1.8 Territórios


 

Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado de origem serão reguladas em lei complementar (CF, art. 18, § 2.°). Dessa forma, não são componentes do Estado Federal, pois constituem simples descentralizações administrativas-territoriais da própria União, e conseqüentemente receberam da Constituição tratamento compatível com sua natureza.


 


 

Observe-se que, na data de promulgação da constituição existiam três territórios: Fernando de Noronha, Amapá e Roraima. Essa situação foi resolvida pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Assim, os Territórios Federais de Roraima e do Amapá foram transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geográficos e instalados com a posse dos governadores eleitos em 1990 (CF - ADCT, art. 14).

Por sua vez, o Território Federal de Fernando de Noronha foi extinto, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco (CF - ADCT, art. 15).

Ressalte-se, por fim, que apesar da inexistência atual, a própria Constituição Federal permite a criação de novos territórios (CF, art. 18, § 3.°), tendo inclusive, com esse intuito, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, previsto a criação, dentro de noventa dias da promulgação da constituição, de uma comissão de estudos territoriais, com 10 membros indicados pelo Congresso Nacional e cinco pelo Poder Executivo, com a finalidade de apresentar estudos sobre o território nacional e anteprojetos relativos a novas unidades territoriais, notadamente na Amazônia Legal e em áreas pendentes de solução. Igualmente, estabeleceu prazo de um ano para que a referida comissão submetesse ao Congresso Nacional os resultados de seus estudos para apreciação nos doze meses subseqüentes (CF - ADCT, art. 12).


 

1.9 Formação dos Estados


 

Os Estados-membros, como já salientado, são tradicionalmente instituições estruturais de um Estado Federal, caracterizando-se pela autonomia organizacional, governamental e político-administrativa. Porém, diferentemente do território da República Federativa do Brasil, a divisão político-administrativa interna da Federação brasileira não é imutável (CF, art. 18, § 3.°). Dessa forma, não há como se formar novos Estados partindo-se de territórios ainda não existentes. A divisão político-administrativa interna, porém, poderá ser alterada com a constituição de novos Estados-membros, pois a estrutura territorial interna não é perpétua.


 

    A Constituição prevê esta possibilidade no § 3.°, do art. 18, ao estabelecer que os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar.

Portanto, são quatro as hipóteses de alterabilidade divisional interna do território brasileiro:

• incorporação;

• subdivisão;

• desmembramento - anexação;

• desmembramento - formação.

Para todas essas hipóteses, a Constituição Federal exige três requisitos:

• consulta prévia às populações diretamente interessadas, por meio de plebiscito - vedada a possibilidade de realização posterior de consulta das populações diretamente interessadas, por meio de referendo, mesmo que haja previsão da Constituição Estadual nesse sentido;


 


 

• oitiva das respectivas Assembléias Legislativas dos Estados interessados (CF, art. 48, VI). É uma função meramente opinativa;

• Lei Complementar Federal específica aprovando a incorporação, subdivisão ou o desmembramento.

Note-se que se o plebiscito for desfavorável, o procedimento estará encerrado, constituindo, pois, a aprovação das populações diretamente interessadas, verdadeira condição de procedibílidade do processo legislativo da lei complementar. Caso, porém, haja aprovação plebiscitária, o Congresso Nacional soberanamente decidirá pela aprovação ou não da lei complementar. Em síntese, a negativa no plebiscito impede o processo legislativo; enquanto que a concordância dos interessados permite que o projeto de lei complementar seja discutido no Congresso Nacional, sem contudo vinculá-lo, pois esse deverá zelar pelo interesse geral da República Federativa e não somente o das populações diretamente interessadas.


 

1.9.1 Fusão (incorporação entre si)


 

Dois ou mais Estados se unem com outro nome. Portanto, consiste na reunião de um Estado a outro, perdendo ambos os Estados incorporados sua personalidade, por se integrarem a um novo Estado. A fusão pode ser entre dois, três, ou mais Estados, com a conseqüência lógica da perda das primitivas personalidades e surgimento de um novo Estado.


 

1. 9.2 Subdivisão


 

Ocorre quando um Estado divide-se em vários novos Estados-membros, todos com personalidades diferentes, desaparecendo por completo o Estado-originário. Assim, subdivisão significa separar um todo em várias partes, formando cada qual uma unidade nova e independente das demais.


 

    

1.9.3 Desmembramento


 

Consiste em separar uma ou mais partes de um Estado-membro, sem que ocorra a perda da identidade do ente federativo primitivo. Assim, significa separação de parte do Estado-originário, sem que ele deixe de existir juridicamente com sua própria personalidade primitiva. O Estado-originário será desfalcado de parte de seu território, perdendo, igualmente, parcela de sua população. A parte desmembrada poderá anexar-se a um outro Estado-membro (desmembramento-anexação), quando então não haverá criação de um novo ente federativo, mas tão-somente alteração de limites territoriais.

Há, porém, a possibilidade da parte desmembrada constituir novo Estado, ou, ainda, formar um Território Federal (desmembramento-formação).


 

    

1.10 Formação de municípios


 

A Emenda Constitucional n.° 15, de 12-9-1996, trouxe nova redação ao art. 18 da Constituição Federal , alterando os requisitos de observância obrigatória para todos os Estados-membros , para criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, que passaram a ser:

• lei complementar federal estabelecendo genericamente o período possível para a criação, incorporação, fusão ou desmembramento de municípios ;

• lei ordinária federal prevendo os requisitos genéricos exigíveis, bem como a apresentação e publicação dos Estudos de Viabilidade Municipal;

• consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios diretamente interessados - A alteração constitucional – "populações dos municípios envolvidos" significa "populações dos municípios diretamente interessados" e afasta a interpretação até então pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que, no caso de desmembramento de um distrito de determinado município, estariam aptos a votar somente os eleitores inscritos no distrito emancipando, que se expressam como legítimos representantes da população diretamente interessada e não de todo o município.


 

        Corroborando a interpretação do texto, contrária à anterior jurisprudência do TSE, foi editada a Lei n.° 9.709, de 18 de novembro de 1998, que em seu artigo 7.° prevê que nas consultas plebiscitárias entende-se por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento.

Ressalte-se que o STF afirmou que "não parece compatível com a Constituição Federal o diploma legislativo que cria município ad referendum de consulta plebiscitária" (RTJ, 159/775). Por fim, "anote-se que, proclamado pelo TRE o resultado negativo da consulta, a decisão - preclusa no âmbito da Justiça Eleitoral -, tem eficácia definitiva e vinculante da Assembléia Legislativa, impedindo a criação do Município projetado, sob pena de inconstitucionalidade por usurpação da competência judiciária" (RTJ, 158/36). Importante, ainda, destacar decisão do Pretório Excelso que julgou parcialmente inconstitucional a Lei n.° 498 do Estado de Tocantins no tocante à modificação da área, limites e confrontações do Município de Cariri do Tocantins, sem prévia consulta plebiscitária. Dessa forma, entendeu o STF que, mesmo para a edição de leis estaduais que prevejam alterações geográficas entre municípios, haverá a necessidade de consulta plebiscitária (STF - Pleno - Adin n.° 1.262/TO - Rel. Min. Sydney Sanches, d. 11-9-97 - Informativo n.° 83);

• lei ordinária estadual criando especificamente determinado município.


 


 


 

    

1.11 Vedações constitucionais de natureza federativa


 

A constituição determina ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios (CF, art. 19):

• estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. A República Federativa do Brasil é leiga ou laica, uma vez que há separação total entre Estado e Igreja, inexistindo religião oficial.


 

Observe-se, porém, que o fato de ser uma Federação-leiga não nos confunde com os Estados-ateus, pois o Brasil, expressamente, afirma acreditar em Deus, quando no preâmbulo constitucional declara:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."

Surge como verdadeiro corolário desse princípio a vedação constitucional de instituição de impostos por parte da União, Estados, Distrito Federal e municípios, sobre templos de qualquer culto (CF, art. 150, VI, b);

• recusar fé aos documentos públicos;

• criar distinções entre brasileiros - preconiza mais uma vez o consagrado princípio da igualdade (CF, art. 5.°, caput e inciso I). É o denominado princípio da isonomia federativa;

• criar preferências entre si - como corolário desse princípio, a Constituição Federal estabelece que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (CF, art. 150, VI, a), pois é da própria essência do pacto federal a imunidade recíproca dos entes que o compõem, porque, sendo a federação uma associação de Estados, que se encontram no mesmo plano, não há que se falar em relação de súdito para soberano, de poder reciprocamente. Como salienta o Supremo Tribunal Federal:

"o fundamento político da imunidade constitucional recíproca - e a Constituição é documento político - dos entes públicos foi indestrutível, à base da concórdia, do respeito e da solidariedade recíproca"

abrangendo, inclusive, a proibição de exigibilidade, por parte da União, do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários considerados rendimentos auferidos pelos Estados ou município em aplicações no mercado financeiro, não importando se esses entes federativos auferem ganhos a partir da ciranda financeira, uma vez que a Constituição não estipula nenhuma restrição em relação à imunidade recíproca.

A imunidade tributária recíproca reforça a idéia central da Federação, baseada na divisão de poderes e partilha de competências entre os diversos entes federativos, todos autônomos, e tem sido consagrada no direito constitucional brasileiro como um dos dogmas básicos de nosso Estado Federal, intangível em face da expressa previsão do art. 60, § 4.°, inciso I, da Constituição Federal.


 


 

2 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS


 

2.1 Conceito


 

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias, sendo, pois, um dos pontos caracterizadores e asseguradores do convívio no Estado Federal.

Na definição de José Afonso da Silva, competência é a


 

"faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções".


 

A própria Constituição Federal estabelecerá as matérias próprias de cada um dos entes federativos, União, Estados-membros, Distrito Federal e municípios, e a partir disso, poderá acentuar a centralização de poder, ora na própria Federação, ora nos Estados-membros.


 

2.2 Princípio básico para a distribuição de competências - predominância do interesse


 

O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, que assim se manifesta:


 

ENTE FEDERATIVO

União

INTERESSE

Geral


 

ENTE FEDERATIVO

Estados-membros

INTERESSE

Regional


 

ENTE FEDERATIVO

Municípios

INTERESSE

Local


 

ENTE FEDERATIVO

Distrito Federal

INTERESSE

Regional + Local


 

    

Assim, pelo princípio da predominância do interesse, à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de interesse local. Em relação ao Distrito Federal, por expressa disposição constitucional (CF, art. 32, § 1.°), acumulam-se, em regra, as competências estaduais e municipais, com a exceção prevista no art. 22, XVII, da Constituição.


 

O legislador constituinte, adotando o referido princípio, estabeleceu quatro pontos básicos no regramento constitucional para a divisão de competências administrativas e legislativas:


 

1. Reserva de campos específicos de competência administrativa e legislativa:


 

União - Poderes enumerados (CF, arts. 21 e 22)

Estados - Poderes remanescentes (CF, art. 25, § 1.°)

Município - Poderes enumerados (CF, art. 30)

Distrito Federal - Estados + Municípios (CF, art. 32, § 1.°)


 

    

2. Possibilidade de delegação (CF, art. 22, parágrafo único) - Lei complementar federal poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias de competência privativa da União.


 

3. Áreas comuns de atuação administrativa paralela (CF, art. 23)


 

4. Áreas de atuação legislativa concorrentes (CF, art. 24)


 

2.3 Repartição em matéria administrativa


 

    2.3.1 Quadro geral


 

Competência administrativa:

Exclusiva, Comum

Exclusiva: Poderes enumerados, Poderes reservados

Poderes enumerados -> União (art. 21), Municípios (art. 30)

Poderes reservados -> Estados (art. 25, § 1.°)


 

Comum: Cumulativa ou paralela (art. 23) -> União/Estados/Distrito Federal/Municípios


 

2.3.2 Competências administrativas da União


 

A Constituição Federal concede à União, em relação à competência administrativa, as seguintes matérias, competindo-lhe:

• manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;

• declarar a guerra e celebrar a paz;

    • assegurar a defesa nacional;

• permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;

• decretar o estado de sírio, o estado de defesa e a intervenção federal;

• autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;

• emitir moeda;

• administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;

• elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

• manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

• explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

• explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; os portos marítimos, fluviais e lacustres;

• organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios ;

• organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio ;

• organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional;

• exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;

• conceder anistia;

• planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;

• instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

• instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

• estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;

• executar os serviços de policia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

• explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional; sob regime de concessão ou permissão, é autorizada a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas; a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa;

• organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;

• estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.


 

    

2.3.3 Competências administrativas dos Estados-membros


 

Aos Estados-membros são reservadas as competências administrativas que não lhes sejam vedadas pela constituição, ou seja, cabe na área administrativa privativamente ao Estado todas as competências que não forem da União (CF, art. 21), dos municípios (CF, art. 30) e comuns (CF, art. 23). É a chamada competência remanescente dos Estados-membros, técnica clássica adotada originariamente pela Constituição norte-americana e por todas as Constituições brasileiras, desde a República, e que presumia o benefício e a preservação de autonomia desses em relação à União, uma vez que a regra é o governo dos Estados, a exceção o Governo Federal, pois o poder reservado ao governo local é mais extenso, por ser indefinido e decorrer da soberania do povo, enquanto o poder geral é limitado e se compõe de certo modo de exceções taxativas.


 

2.3.4 Competências administrativas dos municípios


 

O art. 30 determina competir aos municípios, além da fórmula genérica do interesse local, as seguintes matérias:

• instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

• criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

• organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial. Em relação aos serviços públicos de interesse local, a EC n.° 39, de 19 de dezembro de 2002, expressamente referiu-se ao serviço de iluminação pública, permitindo aos Municípios a instituição de contribuição para seu custeio, observado o art. 150, I e III, da CF, que, inclusive, poderá ser cobrada na fatura de consumo de energia elétrica;

• manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

• prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

• promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

• promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.


 

2.3.5 Competências administrativas do Distrito Federal


 

A Constituição Federal, no rol de competências administrativas comuns a todos os entes federativos, também inclui o Distrito Federal (CF, art. 23). Além disso, em regra, poderá administrativamente reger-se pela somatória das competências estaduais e municipais.


 


 

2.3.6 Competência administrativa comum


 

É de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios:

• zelar pela guarda da constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

• cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

• proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

• impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

• proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

• proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

• preservar as florestas, a fauna e a flora;

• fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

• promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico:

• combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

    • registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

• estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

A Constituição Federal prevê a edição de lei complementar federal que fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.


 

2.4 Repartição em matéria legislativa


 

2.4.1 Quadro geral de repartição de competência legislativa


 

a. Competência privativa da União (CF, art. 22)

b. Possibilidade de delegação de competência da União para os Estados (CF, art. 22, parágrafo único)

c. Competência concorrente União/Estado/Distrito Federal (CF, art. 24)

d. Competência remanescente (reservada) do Estado (CF, art. 25, § 1.°)

e. Competência exclusiva do município (CF, art. 30, I)

f. Competência suplementar do município (CF, art. 30, II)

g. Competência reservada do Distrito Federal (CF, art. 32, § 1.°).


 

A. Competência privativa da União (CF, art. 22)


 

A Constituição Federal prevê nos 29 incisos do art. 22 as matérias de competência privativa da União, definindo preceitos declaratórios e autorizativos da competência geral na legislação federal e demonstrando clara supremacia em relação aos demais entes federativos, em virtude da relevância das disposições.


 

Anote-se que a característica de privatividade permite a delegação, de acordo com as regras do parágrafo único do citado artigo.


 

    

Assim, compete privativamente à União, sem prejuízo de outras previsões constitucionais (por exemplo: CF, arts. 48, 149, 164, 178, 184), legislar sobre:

• direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

• desapropriação;

• requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;

• águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

• serviço postal;

• sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;

• política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

• comércio exterior e interestadual;

• diretrizes da política nacional de transportes;

• regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;

• trânsito e transporte;

• jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;

• nacionalidade, cidadania e naturalização;

• populações indígenas;

• emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;

• organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;

• organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito

Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes;

• sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;

• sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;

• sistemas de consórcios e sorteios;

• normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;

• competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;

• seguridade social;

• diretrizes e bases da educação nacional;

• registros públicos;

• atividades nucleares de qualquer natureza;

• normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1.°, III ;

• defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;

• propaganda comercial.


 


 

    

1. Competência privativa da União - trânsito e transporte


 

A Constituição Federal de 1988, alterando a disciplina anterior (CF/69, art. 8.°, XVII, n, c/c o seu parágrafo único - competência concorrente União/Estados), previu a competência privativa da União para legislar sobre as regras de trânsito e o transporte (CF, art. 22, XI). Essa alteração constitucional fez com que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se sobre o preceito inscrito no art. 22, XI, da Constituição Federal, declarasse competir privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, proibindo-se, via de conseqüência, aos Estados-membros, a possibilidade de editar normas peculiares a essa mesma matéria, por não se encontrar tal hipótese contemplada no rol exaustivo das competências comuns (CF, art. 23) e concorrentes (CF, art. 24) atribuídas .


 

Assim, por exemplo, será inconstitucional a lei estadual, por invasão da competência legislativa da União (CF, art. 22, XI), que habilita menores de dezoito anos à condução de veículos automotores.

Atualmente, portanto, a única possibilidade de o Estado-membro legislar sobre questões relativas a trânsito e transporte, será mediante delegação da própria União, por meio de lei complementar, de um ponto específico da citada matéria.


 

2. Transporte interestadual e intermunicipal


 

A competência para legislar sobre comércio interestadual e transporte é privativa da União (CF, art. 22, VIII e XI), diferentemente da hipótese da regulamentação do transporte intermunicipal.

Uma rápida análise sobre a divisão de competências prevista na Constituição Federal de 1988, nos mostra que a União não detém outras competências senão aquelas que lhe são deferidas expressamente pelo texto constitucional. No tocante, porém, aos Estados-membros, apesar de possuírem algumas competências descritas explicitamente, encontram no art. 25, § 1.°, a grande fonte de sua competência, pois lhes são reservadas as competências que não lhes sejam vedadas pela constituição.

Por outro lado, em relação aos municípios, a constituição adota a técnica de enunciar competências explícitas, além de fornecer um critério para a determinação de competência, por meio da cláusula assuntos de interesse local.

Neste contexto, necessário identificar a pessoa política competente para disciplinar regras sobre trânsito e transporte intermunicipal.


 

    

O art. 8.°, inc. XVII, n, e parágrafo único da constituição anterior disciplinava a competência concorrente da União para legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres.

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, analisando a questão de transporte intermunicipal de passageiros, decidiu que o Estado não se excedeu ao legislar sobre transporte intermunicipal de passageiros, pois permaneceu dentro de sua competência, prevista no parágrafo único do art. 8.° da Constituição Federal, ao fazê-lo em caráter apenas supletivo.

Ocorre, porém, que a atual constituição, no art. 22, inc. IX e XI, confere à União, privativamente, competência para legislar sobre as diretrizes da política nacional de transportes e sobre trânsito e transporte. Além disto, a Constituição Federal, no art. 21, inc. XII, e, afirma competir à União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão serviço de transporte rodoviário, interestadual e internacional de passageiros.

Ainda, no campo específico do transporte coletivo municipal, o art. 30, V, faz referência expressa à competência municipal para organizar e prestar; diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.

Esta norma garante ao município a competência para prestar serviços de transporte coletivo, que se limitem a transitar pelo próprio território municipal, reafirmando o princípio da predominância do interesse local, conforme o art. 30, I, da Constituição Federal.

Conseqüentemente, se à União caberá a organização das diretrizes básicas sobre a política nacional de transporte (trânsito e transporte) e ao município as regras de interesse local, resta saber a abrangência da competência remanescente dos Estados-membros.

Ao analisar a questão, Celso Bastos afirma que a


 

"partilha de competências desemboca num modelo de repartição que se incumbe de entregar a cada um desses níveis de governo a competência para organizar o transporte na esfera da sua jurisdição; cabe, portanto, à União o transporte Federal, aos estados o transporte estadual ou intermunicipal, chegando-se, por este mesmo caminho à mesma conclusão: ao município cabe a organização e prestação do transporte de interesse local, ou municipal".


 

Conclui-se, portanto, que não compete à União, nem tampouco aos municípios, legislarem sobre normas de trânsito e transporte intermunicipal, sob pena de invasão da esfera de atuação do Estado-membro. Trata-se, por conseguinte, de competência remanescente dos Estados-membros, aos quais competirão gerirem, administrarem, serem responsáveis e autorizarem qualquer modalidade de transporte coletivo intermunicipal.


 

    

Importante ressaltar, por fim, que no exercício da competência de legislar sobre transporte intermunicipal, o Estado não poderá impor limitações ao tráfego de pessoas ou mercadorias, por meio de tributos intermunicipais.


 

B. Delegação de competência da União para os Estados (CF, art. 22, parágrafo único)


 

A Constituição Federal faculta à União, no art. 22, parágrafo único, a delegação de assuntos de sua competência legislativa privativa aos Estados, desde que satisfeitos três requisitos:

• requisito formal: a delegação deve ser objeto de lei complementar devidamente aprovada pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;

• requisito material: somente poderá ser delegado um ponto específico dentro de uma das matérias descritas nos vinte e nove incisos do art. 22 da Constituição Federal, pois a delegação não se reveste de generalidade, mas de particularização de questões específicas, do elenco das matérias incluídas na privatividade legislativa da União. Assim, nunca se poderá delegar toda a matéria existente em um dos citados incisos;

• requisito implícito: o art. 19 da Constituição Federal veda a criação por parte de qualquer dos entes federativos de preferências entre si. Dessa forma, a Lei Complementar editada pela União deverá delegar um ponto específico de sua competência a todos os Estados, sob pena de ferimento do princípio da igualdade federativa. Como ressalta Anna Cândida da Cunha Ferraz,

"finalmente, a transferência de competência privativa para os Estados, mesmo para as questões específicas, não poderá ser desigual em número, profundidade ou complexidade, sequer para atender à diversidade entre os Estados, em face do princípio de igualdade de tratamento tradicionalmente assegurado às entidades federadas no Brasil e não suprimindo ou excepcionado pelo texto vigente ".


 

C. Competência concorrente União/Estado/Distrito Federal (CF, art. 24)


 

O art. 24 da Constituição Federal prevê as regras de competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, estabelecendo quais as matérias que deverão ser regulamentadas de forma geral por aquela e específica por esses.

Determina a Constituição, competir à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

• direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. É pacífico que o Estado-membro possui competência concorrente para legislar sobre direito tributário, financeiro e econômico, nos termos do art. 24, I, da Constituição Federal, desde que não viole as normas gerais do sistema monetário federal, inclusive para legislar sobre atualização do valor do ICMS;


 

    

• orçamento;

• juntas comerciais;

• custas dos serviços forenses;

• produção e consumo,

• florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição,

• proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

• responsabilidade por dano ao meio ambiente , ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

• educação, cultura, ensino e desporto;

• criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;

• procedimentos em matéria processual;

• previdência social, proteção e defesa da saúde;

• assistência jurídica e defensoria pública;

• proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

• proteção à infância e à juventude;

• organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.


 

    


 

No âmbito da legislação concorrente, a doutrina tradicionalmente classifica-a em

cumulativa sempre que inexistir limites prévios para o exercício da competência, por parte de um ente, seja a União, seja o Estado-membro, e em não cumulativa, que propriamente estabelece a chamada repartição vertical, pois, dentro de um mesmo campo material (concorrência material de competência), reserva-se um nível superior ao ente federativo União, que fixa os princípios e normas gerais, deixando-se ao Estado-membro a complementação.


 

    

A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não-cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis. É a chamada competência suplementar dos Estados-membros e Distrito Federal (CF, art. 24, § 2.°).

Essa orientação, derivada da Constituição de Weimar (art. 10), consiste em permitir ao governo federal a fixação das normas gerais, sem descer a pormenores, cabendo aos Estados-membros a adequação da legislação às peculiaridades locais.

Note-se que, doutrinariamente, podemos dividir a competência suplementar dos Estados-membros e do Distrito Federal em duas espécies: competência complementar e competência supletiva. A primeira dependerá de prévia existência de lei federal a ser especificada pelos Estados-membros e Distrito Federal. Por sua vez, a segunda aparecerá em virtude da inércia da União em editar a lei federal, quando então, os Estados e o Distrito Federal, temporariamente, adquirirão competência plena tanto para edição das normas de caráter geral, quanto para normas específicas (CF, art. 24, §§ 3.° e 4.°).

Sobre o tema, indispensável a lição de Raul Machado Horta:

"As Constituições federais passaram a explorar, com maior amplitude, a repartição vertical de competências, que realiza a distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União Federal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro condomínio legislativo, consoante regras constitucionais de convivência. A repartição vertical de competências conduziu à técnica da legislação federal fundamental, de normas gerais e de diretrizes essenciais, que recai sobre determinada matéria legislativa de eleição do constituinte federal. A legislação federal é reveladora das linhas essenciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou, afeiçoando a matéria revelada na legislação de normas gerais às peculiaridades e às exigências estaduais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde à legislação local. É a Rahmengesetz, dos alemães; a Legge-cornice, dos italianos; a Loi de cadre, dos franceses; são as normas gerais do Direito Constitucional Brasileiro".

Dessa forma é possível o estabelecimento de algumas regras definidoras da competência legislativa concorrente:

• a competência da União é direcionada somente às normas gerais, sendo de flagrante inconstitucionalidade aquilo que delas extrapolar;

• a competência do Estado-membro ou do Distrito Federal refere-se às normas específicas, detalhes, minúcias (competência suplementar). Assim, uma vez editadas as normas gerais pela União, as normas estaduais deverão ser particularizantes, no sentido de adaptação de princípios, bases, diretrizes a peculiaridades regionais (competência complementar);

• não haverá possibilidade de delegação por parte da União, aos Estados-membros e Distrito Federal das matérias elencadas no art. 24 da Constituição;

• o rol dos incisos destinados à competência concorrente é taxativo, portanto não haverá essa possibilidade em matéria destinada a lei complementar, por ausência de previsão do art. 24 da CF;

• a inércia da União em regulamentar as matérias constantes no art. 24 da Constituição Federal não impedirá ao Estado-membro ou ao Distrito Federal a regulamentação da disciplina constitucional (competência supletiva). Note-se que, em virtude da ausência de Lei Federal, o Estado-membro ou o Distrito Federal adquirirão competência plena tanto para a edição de normas de caráter geral, quanto específico. Em relação à inércia legislativa da União, em sede de competência concorrente, decidiu o STF que "enquanto não sobrevier a legislação de caráter nacional, é de admitir a existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art. 24, § 3.°, da Carta Política".

• a competência plena adquirida pelos Estados ou Distrito Federal é temporária, uma vez que, a qualquer tempo, poderá a União exercer sua competência editando lei federal sobre as normas gerais;

• a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.


 

D. Competência remanescente (reservada) do Estado (CF, art. 25, § 1.°)


 

O Estado-membro, legislativamente, tem três espécies de competências:

• remanescente ou reservada (CF, art. 25, § 1.°);

• delegada pela União (CF, art. 22, parágrafo único);

• concorrente-suplementar (CF, art. 24).


 

1. Competência remanescente ou reservada


 

A regra prevista em relação à competência administrativa dos Estados-membros tem plena aplicabilidade, uma vez que são reservadas aos Estados as competências legislativas que não lhes sejam vedadas pela Constituição.

Assim, os Estados-membros poderão legislar sobre todas as matérias que não lhes estiverem vedadas implícita ou explicitamente.

São vedações implícitas as competências legislativas reservadas pela Constituição Federal à União (CF, art. 22) e aos municípios (CF, art. 30).

São vedações explícitas as normas de observância obrigatória pelos Estados-membros na sua auto-organização e normalização própria, consistentes, conforme já estudado, nos princípios sensíveis, estabelecidos e federais extensíveis.

Excepcionalmente, porém, a Constituição Federal estabeleceu algumas competências enumeradas aos Estados-membros, como a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios, por meio de lei estadual (CF, art. 18, § 4.°); a exploração direta, ou mediante concessão, dos serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para sua regulamentação (CF, art. 25, § 2.°); a instituição, mediante lei complementar estadual das regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões (CF, art. 25, § 3.°).


 

    

2. Competência por delegação da União


 

A competência estadual oriunda da delegação pela União foi analisada quando do estudo do art. 22 (Competência Privativa da União). Relembre-se, somente, que a União, por meio de lei complementar poderá delegar ao Estado a possibilidade de legislar sobre um ponto específico de um dos 29 incisos do art. 22.


 

3. Competência concorrente-suplementar


 

Por fim, o Estado-membro possui competência concorrente-suplementar já analisada anteriormente e que engloba a possibilidade de o Estado-membro atuar de forma complementar ou supletiva no tocante à União, nas matérias descriminadas no art. 24 da Constituição Federal.


 

E. Competência exclusiva e suplementar do município (CF, art. 30, I e II)


 

A função legislativa é exercida pela Câmara dos Vereadores, que é o órgão legislativo do município, em colaboração com o prefeito, a quem cabe também o poder de iniciativa das leis, assim como o poder de sancioná-las e promulgá-las, nos termos propostos como modelo, pelo processo legislativo federal. Dessa forma, a atividade legislativa municipal submete-se aos princípios da Constituição Federal com estrita obediência à Lei Orgânica dos municípios, à qual cabe o importante papel de definir as matérias de competência legislativa da Câmara, uma vez que a Constituição Federal não a exaure, pois usa a expressão interesse local como catalisador dos assuntos de competência municipal.

A primordial e essencial competência legislativa do município é a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica do município, diferentemente do que ocorria na vigência da constituição anterior; que afirmava competir aos Estados-membros essa organização. A edição de sua própria Lei Orgânica caracteriza um dos aspectos de maior relevância da autonomia municipal, já tendo sido estudado anteriormente.

As competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local, consubstanciando-se em:

• competência genérica em virtude da predominância do interesse local (CF, art. 30, I);

• competência para estabelecimento de um Plano Diretor (CF, art. 182);

• hipóteses já descritas, presumindo-se constitucionalmente o interesse local (CF,

arts. 30, III a IX e 144, § 8.°);

• competência suplementar (CF, art. 30, II).


 

    

1. Competência genérica em virtude da predominância do interesse local (CF, art. 30, I)


 

Apesar de difícil conceituação, interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União), pois, como afirmado por Fernanda Dias Menezes,


 

"é inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente desempenhados pelos municípios, como transporte coletivo, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano, etc., dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional".


 

Dessa forma, salvo as tradicionais e conhecidas hipóteses de interesse local, as demais deverão ser analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante (princípio da predominância do interesse).

Assim, por exemplo, é de competência da municipalidade a disciplina a respeito da exploração da atividade de estabelecimento comercial, expedindo alvarás ou licenças para regular seu funcionamento.

Igualmente, o horário de funcionamento do comércio local (lojas, shopping centers etc.) deverá ser fixado pelo próprio município, no exercício de sua competência e desde que não infrinja leis estaduais ou federais válidas (Súmula 419 do STF). Da mesma forma, a fixação de horário para funcionamento de farmácias e drogarias e de plantões obrigatórios, por tratar-se de patente interesse local de cada município.


 

Diversamente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a matéria referente à determinação do horário de funcionamento bancário é de competência exclusiva da União porque transcende ao interesse local do município. No mesmo sentido, a Súmula n.° 19 do Superior Tribunal de Justiça, que afirma: "A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União."


 

2. Plano diretor (CF, art. 182)


 

O legislador constituinte previu uma competência legislativa especial aos municípios, relacionada à política de desenvolvimento urbano, que será executada pelo poder público municipal. Conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (CF, art. 182), possibilitando verdadeira reforma urbana.

O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, sendo que, por expressa previsão constitucional, a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Importante destacar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, pelo qual essa norma prevista no artigo 182 da Constituição Federal não pode ser alterada pelas Constituições Estaduais, de forma a estender a obrigatoriedade do plano diretor para municípios que não possuam mais do que vinte mil habitantes, pois haveria violação ao princípio da autonomia dos municípios.


 


 

Ressalte-se que a Constituição Federal facultou ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

• parcelamento ou edificação compulsórios;

• imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

• desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão

previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez

anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.


 

3. Hipóteses já descritas, presumindo-se constitucionalmente o interesse local (CF, arts. 30, III a IX e 144, § 8.°)


 

A constituição enumera as seguintes hipóteses, de competência municipal, que poderão inclusive ser disciplinadas por meio da legislação própria:

• instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

• criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual;

• organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os

serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem

caráter essencial;

• manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental;

• prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de

atendimento à saúde da população;

• promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

• promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual;

• os municípios poderão, facultativamente, manter guardas municipais destinadas à proteção das instalações e dos serviços municipais (CF, art. 144, § 8.°).


 

4. Competência suplementar (CF, art. 30, II)


 

O art. 30, II, da Constituição Federal preceitua caber ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber; o que não ocorria na constituição anterior; podendo o município suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, embora não podendo contraditá-las, inclusive nas matérias previstas do art. 24 da Constituição de 1988. Assim, a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios, consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local.


 

F. Competência reservada do Distrito Federal (CF, art. 32, § 1.°)


 

Ao Distrito Federal, conforme preceitua o art. 32, § 1.°, da Constituição Federal, são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e municípios, excetuada a competência para organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes, que é privativa da União, nos termos do art. 22, XVII, da Constituição.

Dessa forma, compete ao Distrito Federal, através de sua Câmara Legislativa:

• competência para edição de sua própria Lei Orgânica (CF, art. 32, caput);

• competência remanescente dos Estados-membros (CF, art. 25, § 1.°);

• competência delegada pela União (CF, art. 22, parágrafo único);

• competência concorrente-suplementar dos Estados-membros (CF, art. 24, §§ 2.° e 3.°);

• competência enumerada do município (CF, art. 30, I, III a IX);

• competência suplementar do município (CF, art. 30, II).


 


 

3 INTERVENÇÃO


 

3.1 Farte geral


 

Após a análise das normas que regem o Estado Federal, percebe-se que a regra é a autonomia dos entes federativos (União/Estados/Distrito Federal e municípios), caracterizada pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização, autogoverno e auto-administração.

Excepcionalmente, porém, será admitido o afastamento desta autonomia política, com a finalidade de preservação da existência e unidade da própria Federação, através da intervenção.

A intervenção consiste em medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, fundada em hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional, e que visa à unidade e preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A União, em regra, somente poderá intervir nos Estados-membros e no Distrito Federal, enquanto os Estados somente poderão intervir nos Municípios integrantes de seu território.

Note-se, portanto, que a União não poderá intervir diretamente nos municípios, salvo se existentes dentro de Território Federal (CF, art. 35, caput). Como ressaltado pelo Supremo Tribunal Federal, "os Municípios situados no âmbito territorial dos Estados-membros não se expõem à possibilidade constitucional de sofrerem intervenção decretada pela União Federal, eis que, relativamente aos entes municipais, a única pessoa política ativamente legitimada a neles intervir é o Estado-membro".

Esse ato extremado e excepcional de intervenção na autonomia política dos Estados-membros/Distrito Federal, pela União, somente poderá ser consubstanciado por decreto do Presidente da República (CF, art. 84, X); e no caso da intervenção Municipal, pelos governadores de Estado. É, pois, ato privativo do Chefe do Poder Executivo.

Portanto, para que ocorra a possibilidade excepcional de decretação da intervenção - como um direito/dever da União ou do Estado, respectivamente nos casos de intervenção federal e municipal - necessária a presença dos seguintes requisitos:

• uma das hipóteses taxativamente descritas na Constituição Federal (CF, art. 34 - Intervenção Federal; CF, art. 35 - Intervenção Estadual), pois constitui uma excepcionalidade no Estado Federal ;

• Regra: intervenção do ente político mais amplo, no ente político, imediatamente menos amplo (União nos Estados e Distrito Federal; Estados nos municípios);

• ato político - decretação exclusiva - de forma discricionária ou vinculada dependendo da hipótese - do Chefe do Poder Executivo Federal (Presidente da República - intervenção federal; governador de Estado - intervenção municipal), a quem caberá, igualmente, a execução das medidas interventivas.


 

    
 


 


 


 


 


 


 

3.2 Intervenção federal


 

3.2.1 Quadro geral


 

Intervenção Federal: Espontânea, Provocada

Espontânea ->

Defesa da unidade nacional, CF, art. 34, I e II,

Defesa da ordem pública, CF, art. 34, III

Defesa das finanças públicas, CF, art. 34, V


 

Provocada ->

Por solicitação – defesa dos Poderes Executivo ou Legislativo locais, CF, art. 34, IV

Por requisição –

STF (CF, art. 34, IV – Poder Judiciário)

STF, STJ ou TSE (CF, art. 34, VI – ordem ou decisão judicial)

STJ (CF, art. 34, VI – execução de lei federal)

STF (CF, art. 34, VII)


 

3.2.2 Hipóteses


 

A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas nesta constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei;


 


 

    

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial ;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.


 

    

3.2.3 Procedimento de intervenção federal


 

O procedimento de intervenção da União na autonomia política do Estado-membro ou do Distrito Federal pode ser explicado em quatro fases, com a finalidade de evitar a hipertrofia do Poder Executivo, observando-se, porém, que nenhuma das hipóteses constitucionais permissivas da intervenção federal apresentará mais do que três fases conjuntamente:

• iniciativa;

• fase judicial (somente presente em duas das hipóteses de intervenção - CF, art. 34, VI e VII);

• decreto interventivo;

• controle político (não ocorrerá em duas das hipóteses de intervenção - CF, art. 34, VI e VII).


 

A. Iniciativa


 

A Constituição Federal, dependendo da hipótese prevista para a intervenção federal, indica quem poderá deflagrar o procedimento interventivo:

a. Presidente da República: nas hipóteses previstas nos incisos I, II, III, V ex officio poderá tomar a iniciativa de decretar a intervenção federal.

b. solicitação dos Poderes locais (CF, art. 34, IV): os Poderes Legislativo (Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa) e Executivo (Governador do Estado ou do Distrito Federal) locais solicitarão ao Presidente da República a decretação da intervenção no caso de estarem sofrendo coação no exercício de suas funções. O Poder Judiciário local, diferentemente, solicitará ao Supremo Tribunal Federal que, se entender ser o caso, requisitará a intervenção ao Presidente da República;

    c. requisição do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral, na hipótese prevista no art. 34, VI, segunda parte, ou seja, desobediência a ordem ou decisão judiciária. Assim, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior Eleitoral poderão requisitar, diretamente ao Presidente da República a decretação da intervenção, quando a ordem ou decisão judiciária descumprida for sua mesma. Ao Supremo Tribunal Federal, porém, além da hipótese de descumprimento de suas próprias decisões ou ordens judiciais, cabe-lhe, exclusivamente, a requisição de intervenção para assegurar a execução de decisões da Justiça Federal, Estadual, do Trabalho ou da Justiça Militar, ainda quando fundadas em direito infraconstitucional. A iniciativa deverá ser endereçada ao próprio Presidente da República. Observe-se que somente o Tribunal de Justiça local tem legitimidade para encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o pedido de intervenção baseado em descumprimento de suas próprias decisões. Assim, a parte interessada na causa somente pode se dirigir ao Supremo Tribunal Federal, com pedido de intervenção federal, para prover a execução de decisão da própria Corte Maior. Quando se tratar de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente do Tribunal Local, a quem incumbe, se for o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal Federal, sempre de maneira fundamentada;

d. Ação proposta pelo procurador-Geral da República nas hipóteses previstas no art. 34, inciso VI "início" e VII, respectivamente endereçada ao Superior Tribunal de Justiça (ação de executoriedade de lei federal) e ao Supremo Tribunal Federal (ação direta de inconstitucionalidade interventiva).


 

B. Fase judicial


 

Essa fase apresenta-se somente nos dois casos previstos de iniciativa do Procurador-Geral da República (CF, art. 34, VI, "execução de lei federal" e VII), uma vez que se trata de ações endereçadas ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

A iniciativa do Procurador-Geral da República nada mais é do que a legitimação para propositura de Ação de executoriedade de lei federal e Ação de Inconstitucionalidade interventiva.

Em ambos os casos os Tribunais Superiores, para o prosseguimento da medida de exceção, deverão julgar procedentes as ações propostas, encaminhando-se ao presidente da República, para os fins de decreto interventivo. Nessas hipóteses, a decretação da intervenção é vinculada, cabendo ao Presidente a mera formalização de uma decisão tomada por órgão judiciário.


 

    

C. Decreto interventivo - procedimento


 

A intervenção será formalizada através de decreto presidencial (CF, art. 84, X), que, uma vez publicado, tornar-se-á imediatamente eficaz, legitimando a prática dos demais atos conseqüentes à intervenção. O art. 36, § 1.°, determina que o decreto de intervenção especifique a amplitude, o prazo e as condições de execução e, se necessário for, afaste as autoridade locais e nomeie temporariamente um interventor, submetendo essa decisão à apreciação do Congresso Nacional no prazo de 24 horas. A intervenção, portanto, há de efetivar-se por decreto presidencial, embora vinculado o Presidente da República a sua edição, quando ocorrem as hipóteses de provocação por requisição, sempre temporariamente, pois é exceção ao princípio federativo.

Nas hipóteses de intervenções espontâneas, em que o Presidente da República verifica a ocorrência de determinadas hipóteses constitucionais permissivas da intervenção federal (CF, art. 34, I, II, III, V), ouvirá os Conselhos da República (CF, art. 90, I) e o de Defesa Nacional (CF, art. 91, § 1.°, II), que opinarão a respeito. Após isso, poderá discricionariamente decretar a intervenção no Estado-membro.

O interventor nomeado pelo Decreto presidencial será considerado para todos os efeitos como servidor público federal, e a amplitude e executoriedade de suas funções dependerá dos limites estabelecidos no decreto interventivo.

A Constituição Federal não discriminou os meios e as providências possíveis de ser tomadas pelo Presidente da República, por meio do decreto interventivo, entendendo-se, porém, que esses deverão adequar-se aos critérios da necessidade e proporcionalidade à lesão institucional.


 

D. Controle político


 

A Constituição Federal prevê a existência de um controle político sobre o ato interventivo, que deve ser realizado pelos representantes do Povo (Câmara dos Deputados) e dos próprios Estados-membros (Senado Federal), a fim de garantir a excepcionalidade da medida; submetendo-se, pois, o decreto à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de vinte e quatro horas, que deverá rejeitá-la ou, mediante decreto legislativo, aprovar a intervenção federal (CF, art. 49, IV). Caso o Congresso Nacional não aprove a decretação da intervenção, o Presidente deverá cessá-la imediatamente, sob pena de crime de responsabilidade (CF, art. 85, II).

Nas hipóteses previstas no art. 34, VI e VII, o controle político será dispensado, conforme expressa previsão constitucional, e o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade (CF, art. 36, § 3.°). Importante ressalva é feita por Lewandowski, apontando que

"tratando-se de requisição judicial, não poderia o Legislativo obstá-la, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes. Entretanto, existindo qualquer vício de forma ou eventual desvio de finalidade na decretação da intervenção, o Congresso Nacional poderá suspendê-la, a qualquer tempo, com fundamento no art. 49, IV, da Constituição em vigor".


 

    

3.3 Intervenção estadual nos municípios


 

Como já estudado na parte geral de intervenção, somente os Estados-membros poderão intervir nos municípios, salvo nos casos de municípios existentes nos territórios federais, quando então será a própria União quem concretizará a hipótese interventiva.

A intervenção estadual nos municípios tem a mesma característica de excepcionalidade já estudada na intervenção federal, pois a regra é a autonomia do município e a exceção a intervenção em sua autonomia política, somente nos casos taxativamente previstos na Constituição Federal (CF, art. 35), sem qualquer possibilidade de ampliação pelo legislador constituinte estadual. Por ser um ato político, somente o governador do Estado poderá decretá-la, dependendo na hipótese do art. 35, IV, de ação julgada procedente pelo Tribunal de Justiça. Igualmente à intervenção federal, existirá um controle político exercido pela Assembléia Legislativa, que no prazo de 24 horas, apreciará o decreto interventivo, salvo na hipótese já referida do art. 35, IV, da Constituição Federal.

Assim, o Estado não intervirá em seus municípios, nem a União nos municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

• deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

• não forem prestadas contas devidas, na forma da lei ;

• não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e no desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;

• o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial .


 


 

Ressalte-se que para fins de decretação de intervenção do Estado no Município, é absolutamente irrelevante o fato de já ter sido declarada a intervenção desse mesmo Município em outro processo, por diverso motivo.


 


 


 


 


 


 


 


 


 

9


 

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


 

1 CONCEITO


 

A Constituição Federal, inovando em relação às anteriores, regulamenta, no Título III, um capítulo específico para a organização da administração pública, pormenorizando- a enquanto estrutura governamental e enquanto função, e determinando no art. 37 que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeça, além de diversos preceitos expressos, aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Sérgio de Andréa Ferreira ainda lembra que, no art. 70, a Constituição se refere aos princípios da legalidade, legitimidade e economicidade; e no art. 74, II, aos princípios da legalidade, eficácia e eficiência; e Pinto Ferreira recorda os princípios da proporcionalidade dos meios aos fins, da indisponibilidade do interesse público, da especialidade administrativa e da igualdade dos administrados.


 


 

A administração pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. Concluímos com José Tavares, para quem administração pública é "o conjunto das pessoas colectivas públicas, seus órgãos e serviços que desenvolvem a actividade ou função administrativa".

A administração federal compreende a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; e a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias; empresas públicas; sociedades de economia mista; fundações públicas. Anote-se, como relembra Roberto Bazilli, que essa regra de definição da amplitude da administração pública (CF, art. 37) contém princípios norteadores a serem aplicados obrigatoriamente à administração dos Estados, Distrito Federal e Municípios.


 


 

Como ensinado por Hauriou, "o regime administrativo consiste em um poder político-jurídico, que é o poder executivo e administrativo, que se introduz como intermediário entre a lei e o juiz, a fim de assumir a aplicação das leis em todos os procedimentos que não sejam contenciosos, com a finalidade de facilitar e, se for necessário, impor aos cidadãos a execução das leis por meio de uma regulamentação própria, pela organização dos serviços públicos e por decisões executórias particulares".


 

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


 

São princípios constitucionais da administração pública:


 

• princípio da legalidade;

• princípio da impessoalidade;

• princípio da moralidade;

• princípio da publicidade;

• princípio da eficiência.


 

2.1 Princípio da legalidade


 

O tradicional princípio da legalidade, previsto no art. 5.°, II, da Constituição Federal e anteriormente estudado, aplica-se normalmente na Administração Pública, porém de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitido a realização de tudo que a lei não proíba. Esse princípio coaduna-se com a própria função administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de preservar-se a ordem jurídica.


 

    

2.2 Princípio da impessoalidade


 

Importante inclusão feita pelo legislador constituinte, o princípio da impessoalidade encontra-se, por vezes, no mesmo campo de incidência dos princípios da igualdade e da legalidade, e não raramente é chamado de princípio da finalidade administrativa. Conforme afirmado por Hely Lopes Meirelles,


 

"o princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal".


 

Esse princípio completa a idéia já estudada de que o administrador é um executor do ato, que serve de veículo de manifestação da vontade estatal, e, portanto, as realizações administrativo-governamentais não são do agente político, mas sim da entidade pública em nome da qual atuou.


 

2.3 Princípio da moralidade


 

Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública. Como ressalta Hely Lopes Meirelles,


 

"não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como `o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração' ".


 

Ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:

"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade."


 

    O Supremo Tribunal Federal, analisando o princípio da moralidade administrativa, manifestou-se afirmando:

"Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio de administração pública (art. 37 da Constituição Federal). Isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez `el hecho de su consagración en una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter' (El princípio de buena fe en el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César."

A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação da administração pública, igualmente consagrou a necessidade de proteção à moralidade e responsabilização do administrador público amoral ou imoral. Anota Manoel de Oliveira Franco Sobrinho,

"Difícil de saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria morai não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas. Por que somente a proteção da legalidade e não da moralidade também? A resposta negativa só pode interessar aos administradores ímprobos. Não à Administração, nem à ordem jurídica. O contrário seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar a exação no cumprimento do dever funcional".

Dessa forma, deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas, sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.

O princípio da moralidade está intimamente ligado com a idéia de probidade, dever inerente do administrador público. Como recorda Maurício Ribeiro Lopes,


 

    "o velho e esquecido conceito do probus e do improbus administrador público está presente na Constituição da República, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais".


 

A conduta do administrador público em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa enquadra-se nos denominados atos de improbidade, previstos pelo art. 37, § 4.°, da Constituição Federal, e sancionados com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo ao Ministério Público a propositura de ação civil pública por ato de improbidade, com base na Lei n.° 8.429/92 para que o Poder Judiciário exerça o controle jurisdicional sobre lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público.


 

2.4 Princípio da publicidade


 

A publicidade se faz pela inserção do ato no Diário Oficial ou por edital afixado no lugar próprio para divulgação de atos públicos, para conhecimento do público em geral e, conseqüentemente, início da produção de seus efeitos, pois somente a publicidade evita os dissabores existentes em processos arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os competentes recursos administrativos e as ações judiciais próprias.

A regra, pois, é que a publicidade somente poderá ser excepcionada quando o interesse público assim determinar, prevalecendo esse em detrimento do princípio da publicidade.


 

2.5 Princípio da eficiência


 

2.5.1 Introdução


 

A Emenda Constitucional n.° 19/98 acrescentou expressamente aos princípios constitucionais da administração pública o princípio da eficiência, findando com as discussões doutrinárias e com as jurisprudências sobre sua existência implícita na Constituição Federal e aplicabilidade integral.

Na doutrina, Sérgio de Andréa Ferreira já apontava a existência do princípio da eficiência em relação à administração pública, pois a Constituição Federal prevê que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado (CF, art. 74, II).


 

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça reconhecia a existência do princípio da eficiência como um dos regentes da administração, afirmando que "a Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (Const. art. 37). Outros também evidenciam-se na Carta Política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse público".

Dessa forma, a EC 19/98, seguindo os passos de algumas legislações estrangeiras, no sentido de pretender garantir maior qualidade na atividade pública e na prestação dos serviços públicos, passou a proclamar que a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverá obedecer, além dos tradicionais princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, também ao princípio da eficiência.


 

2.5.2 Princípio da eficiência e direito comparado


 

A Constituição Espanhola, promulgada em 27-12-1978, prevê expressamente, em seu art. 103, o princípio da eficácia, ao consagrar que "A administração pública serve com objetividade aos interesses gerais e atua de acordo com os princípios de eficácia, hierarquia, descentralização, desconcentração e coordenação, com obediência plena à lei e ao Direito."

Igualmente, a Constituição da República das Filipinas, de 15-10-1986, prevê em seu art. IX, B, seção 3, que "A Comissão do Serviço Público, na qualidade de órgão central do Governo encarregado do funcionalismo público, estabelecerá um plano de carreira e adotará medidas destinadas a promover a disposição de ânimo, a eficiência, a integridade, a pronta colaboração, o dinamismo e a cortesia no serviço público", e em seu art. XI, Seção 1, que "O serviço público é um compromisso com a causa pública. Os servidores públicos deverão estar sempre prontos a prestar contas ao povo, servi-lo da forma mais responsável, integra, leal e eficiente possível."

A Constituição da República do Suriname, de 31-10-1987, estabelece, em seu art. 122, competir ao Conselho de Ministros "preparar e executar uma política eficiente".

Note-se que apesar da inexistência expressa do princípio da eficiência, dentre os princípios fundamentais da Administração Pública, a Constituição portuguesa consagra em seu art. 267 ("A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática") a estrutura da Administração, cujos objetivos assemelham-se integralmente àqueles inerentes ao princípio da eficiência. Ao comentarem esse artigo da Constituição da República Portuguesa, Canotilho e Moreira salientam que "aqueles princípios devem ser conjugados com o princípio da boa administração (ou princípio do bom andamento da administração), que exige o exercício da função administrativa de forma eficiente e congruente".


 

Percebe-se, também, na Constituição da República de Cuba, de 24-2-1976, a idéia de eficiência dentro dos princípios de organização e funcionamento dos órgãos estatais, ao se proclamar no art. 66, c, que "cada órgão estatal desenvolve amplamente, dentro dos limites de sua competência, a iniciativa dirigida ao aproveitamento dos recursos e possibilidades locais e à incorporação das organizações sociais e de massa a sua atividade".

No Direito Constitucional estadual, podemos citar a Constituição do Estado do Tocantins que prevê em seu art. 9.° serem princípios da Administração Pública: legalidade, impessoalidade; moralidade, publicidade, razoabilidade e eficiência; e o art. 19 da Constituição do Estado de Rondônia que determina incumbir ao Poder Público assegurar, na prestação direta ou indireta dos serviços públicos, a efetividade dos requisitos, entre outros, de eficiência, segurança, continuidade dos serviços públicos.


 

2.5.3 Conceito


 

A atividade estatal produz de modo direto ou indireto conseqüências jurídicas que instituem, reciprocamente, direito ou prerrogativas, deveres ou obrigações para a população, traduzindo uma relação jurídica entre a Administração e os administrados. Portanto, existirão direitos e obrigações recíprocos entre o Estado-administração e o indivíduo-administrado e, conseqüentemente, esse, no exercício de seus direitos subjetivos, poderá exigir da Administração Pública o cumprimento de suas obrigações da forma mais eficiente possível. Como salienta Roberto Dromi, o reconhecimento de direitos subjetivos públicos não significa que o indivíduo exerça um poder sobre o Estado, nem que tenha parte do imperium jurídico, mas que possui esses direitos como correlatos de uma obrigação do Estado em respeitar o ordenamento jurídico.

O administrador público precisa ser eficiente, ou seja, deve ser aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e imparcialidade.


 

Assim, princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum.


 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que o princípio da eficiência "impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar", advertindo, porém, que "a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito".

Ressalte-se a interligação do princípio da eficiência com os princípios da razoabilidade e da moralidade pois o administrador deve utilizar-se de critérios razoáveis na realização de sua atividade discricionária e, como salientado por Diogo de Figueiredo, deve-se considerar como imoralidade administrativa ineficiência grosseira da ação da administração pública.


 


 

A Mensagem Presidencial n.° 886/95, convertida em Proposta de Emenda Constitucional n.° 173/95 e, posteriormente, aprovada como Emenda Constitucional n.° 19, trazia em sua exposição de motivos suas pretensões, dentre elas "incorporar a dimensão de eficiência na administração pública: o aparelho de Estado deverá se revelar apto a gerar mais benefícios, na forma de prestação de serviços à sociedade, com os recursos disponíveis, em respeito ao cidadão contribuinte" e "enfatizar a qualidade e o desempenho nos serviços públicos: a assimilação, pelo serviço público, da centralidade do cidadão e da importância da contínua superação de metas desempenhadas, conjugada com a retirada de controles e obstruções legais desnecessários, repercutirá na melhoria dos serviços públicos" .


 

A idéia de defesa do bem comum enquanto finalidade básica da atuação da administração pública decorre da própria razão de existência do Estado e está prevista implicitamente em todos os ordenamentos jurídicos. Exemplificativamente, poderíamos citar como previsões expressas o art. 19 da Constituição da Noruega, estabelecida em 17-5-1814, com as alterações até 5-5-1980, em que se verifica que o Rei velará pela utilização e administração das propriedades e prerrogativas do Estado conforme convenha ao bem comum, e o art. 100 da Constituição Política da República do Chile, em que a administração superior de cada região terá por objetivo o desenvolvimento social, cultural e econômico da região.

Buscando a eficiência no serviço público realizado, a Emenda Constitucional n.° 19/98 alterou a redação do art. 241, permitindo que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinem por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços; pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.


 

2.5.4 Características do princípio da eficiência


 

O princípio da eficiência compõe-se, portanto, das seguintes características básicas: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade:

• direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum: a Constituição Federai prevê no inciso IV do art. 3.° que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Ressalte-se que ao legislador ordinário e ao intérprete, em especial às autoridades públicas dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo e da Instituição do Ministério Público, esse objetivo fundamental deverá servir como vetor de interpretação, seja na edição de leis ou atos normativos, seja em suas aplicações. Mesmo antes da promulgação da EC n.° 19/98, a Constituição do Estado de São Paulo afirmava em seu art. 111 que a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes, deverá obedecer ao princípio do interesse público. De maneira semelhante, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, promulgada aos 3 de outubro de 1989 prevê expressamente em seu art. 19 que a Administração Pública, direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado, visa à promoção do bem comum; enquanto a Constituição do Estado da Bahia, em seu art. 13, estipula destinar-se a Administração Pública à servir a sociedade que lhe custeia.

• imparcialidade: como ressalta Maria Teresa de Melo Ribeiro, "a afirmação do princípio da imparcialidade na Administração Pública surgiu, historicamente, da necessidade de, por um lado, salvaguardar o exercício da função administrativa e, conseqüentemente, a prossecução do interesse público da influência de interesses alheios ao interesse público em concreto prosseguido, qualquer que fosse a sua natureza, e, por outro, da interferência indevida, no procedimento administrativo, em especial, na fase decisória, de outros sujeitos ou entidades, exteriores à Administração Pública", concluindo que a atuação eficiente da Administração Pública exige uma atuação imparcial e independente, e que imparcialidade "é independência: independência perante os interesses privados, individuais ou de grupo; independência perante os interesses partidários; independência, por último, perante os concretos interesses políticos do Governo".

• neutralidade: a idéia de eficiência está ligada à neutralidade, no sentido empregado por João Baptista Machado de que "há um outro plano de sentido em que se fala de neutralidade do Estado: o de Justiça (...). Nesse sentido o Estado é neutro se, na resolução de qualquer conflito de interesse, assume uma posição valorativa de simultânea e igual consideração de todos os interesses em presença. A neutralidade não impõe aqui ao Estado atitudes de abstenção, mas mais propriamente atitudes de isenção na valoração de interesses em conflito. O Estado é neutro quando faz vingar a Justiça e estabelece regras do jogo justas".

• transparência: dentro da idéia de eficiência formal da administração pública encontra-se a necessidade de transparência das atividades dos órgãos e agentes públicos. O princípio da eficiência da administração pública pretende o combate à ineficiência formal, inclusive com condutas positivas contra a prática de subornos, corrupção e tráfico de influência . Essa transparência, no intuito de garantir maior eficiência à administração pública , deve ser observada na indicação, nomeação e manutenção de cargos e funções públicas, exigindo-se, portanto, a observância tão-somente de fatores objetivos como mérito funcional e competência, vislumbrando-se a eficiência da prestação de serviços, e, conseqüentemente, afastando-se qualquer favorecimento ou discriminação.

    
 


 


 


 

• participação e aproximação dos serviços públicos da população: deverá existir participação e aproximação dos serviços públicos da população dos interessados na gestão efetiva dos serviços administrativos, de acordo com o princípio da gestão participativa, como verdadeiro desmembramento do princípio da soberania popular e da democracia representativa, previstos no parágrafo único do art. 1.° da Constituição Federal, pois como salientam Canotilho e Moreira, esse requisito "assume aqui um claro e concreto valor jurídico-constitucional, que se traduz fundamentalmente no seguinte: intervenção nos órgãos de gestão dos serviços não apenas de profissionais burocratas, mas também de representantes das comunidades em que os serviços estão inseridos (co-gestão de serviços administrativos). Não devemos nos esquecer, porém, da advertência de Paulo Otero, para quem "uma excessiva participação e aproximação dos serviços públicos da população colectiva dos cidadãos na Administração pode deslocar o poder de decisão para grupos de interesse fortes, com desvalorização prática dos grupos de fraco poder associativo e mesmo conduzir as formas não democráticas de comportamento". A Emenda Constitucional n.° 19/98 trouxe na nova redação do § 3.° do art. 37 a previsão de que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta.

• eficácia: a eficácia material da administração se traduz no adimplemento de suas competências ordinárias e na execução e cumprimento dos entes administrativos dos objetivos que lhes são próprios, enquanto a eficácia formal da administração é a que se verifica no curso de um procedimento administrativo, ante a obrigatoriedade do impulso ou resposta do ente administrativo a uma petição formulada por um dos administrados. Assim, deverá a lei, como nos ensina Tomás-Ramón Fernández, conceder à administração - nos limites casuisticamente permitidos pela Constituição - tanta liberdade quanto necessite para o eficaz cumprimento de suas complexas tarefas.

• desburocratização: uma das características básicas do princípio da eficiência é evitar a burocratização da administração pública, no sentido apontado por Canotilho e Moreira, de "burocracia administrativa, considerada como entidade substancial, impessoal e hierarquizada, com interesses próprios, alheios à legitimação democrática, divorciados dos interesses da população, geradora dos vícios imanentes às estruturas burocráticas, como mentalidade de especialistas, rotina e demora na resolução dos assuntos dos cidadãos, compadrio na selecção de pessoal".

• busca da qualidade: ressalte-se a definição dada pela Secretaria Geral da Presidência, de que "qualidade de serviço público é, antes de tudo, qualidade de um serviço, sem distinção se prestado por instituição de caráter público ou privado; busca-se a otimização dos resultados pela aplicação de certa quantidade de recursos e esforços, incluída, no resultado a ser otimizado, primordialmente, a satisfação proporcionada ao consumidor, cliente ou usuário. (...) Outra característica básica da qualidade total é a melhoria permanente, ou seja, no dia seguinte, a qualidade será ainda melhor". Estabeleceu o art. 27 da EC 19/98 que o Congresso Nacional, dentro de 120 dias de sua promulgação, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos. Na esteira dessa idéia, a Emenda Constitucional n.° 19/98 proclamou, ainda, que lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinarão a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional de prêmio de produtividade.


 

    
 


 

2.5.5 Aplicabilidade e fiscalização


 

A Emenda Constitucional n.° 19/98 não só introduziu expressamente na Constituição Federal o princípio da eficiência, como também trouxe alterações no sentido de garantir-lhe plena aplicabilidade e efetividade.

Assim, estabeleceu nova redação ao § 3.° do art. 37, que prevê que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5.°, X e XXXIII; e a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

No § 2.° do art. 39, a Emenda Constitucional n.° 19/98 passou a estabelecer que a União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados; enquanto que, no § 4.° do art. 41, previu-se como condição obrigatória para a aquisição da estabilidade a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.


 

Apesar da inexistência de obrigatoriedade constitucional dos Municípios instituírem e manterem escolas de governo, nos moldes já citados, nada impede que legislativamente adiram à idéia de aumentar a eficiência da administração pública.

Por fim, o princípio da eficiência veio reforçado pela possibilidade de perda do cargo pelo servidor público, mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

Lembremo-nos que o princípio da eficiência, enquanto norma constitucional, apresenta-se como o contexto necessário para todas as leis, atos normativos e condutas positivas ou omissivas do Poder Público, servindo de fonte para a declaração de inconstitucionalidade de qualquer manifestação da Administração contrária a sua plena e total aplicabilidade.

Importante salientar que a proclamação constitucional do princípio da eficiência pretende solucionar, principalmente, o clássico defeito da administração pública na prestação dos serviços públicos e do Poder Judiciário em analisar a eficiência da administração. Guido Santiago Tawil adverte para a grande dificuldade do Poder Judiciário em colmatar a omissão administrativa na prestação de serviços públicos, observando a tendência ineficaz dos tribunais argentinos em substituir a inércia da administração por uma condenação a pagamento de indenização, pois, como afirma o citado autor, "quem acode ante os Tribunais para conseguir que a administração implemente sua moradia de energia elétrica, gás ou água corrente, pouco estaria interessado em indenização em dinheiro. Persegue, pelo contrário, ter luz e calefação, possibilidades que não constituem luxo, mas sim serviços essenciais de toda a sociedade moderna".


 

O princípio da eficiência vem reforçar a possibilidade do Ministério Público , com base em sua função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promover as medidas necessárias, judicial e extrajudicialmente, a sua garantia (CF, art. 129, II).


 

    

    Vislumbra-se, portanto, dentro dessa nova ótica constitucional, um reforço à plena possibilidade do Poder Judiciário (CF, art. 5.°, XXXV), em defesa dos direitos fundamentais e serviços essenciais previstos pela Carta Magna, garantir a eficiência dos serviços prestados pela Administração Pública, inclusive responsabilizando as autoridades omissas, pois, conforme salienta Alejandro Nieto, analisando a realidade espanhola, quando o cidadão se sente maltratado pela inatividade da administração e não tem um remédio jurídico para socorrer-se, irá acudir-se inevitavelmente de pressões políticas, corrupção, tráfico de influência, violências individual e institucionalizada, acabando por gerar intranqüilidade social, questionando-se a própria utilidade do Estado.


 

3 PRECEITOS DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS


 

A Constituição Federal, em seu art. 37, prevê os princípios gerais da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além disso determina que todos os entes federativos respeitem alguns preceitos genéricos.

Dessa forma, a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos seguintes preceitos:

• os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei ;

• a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração ;

• o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período ;

• durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;

• as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

• é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;

• o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica ;

• a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

• a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

• a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4.° do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices . Observe-se que somente lei ordinária poderá fixar o teto de remuneração bruta do funcionalismo público, sendo incabível a edição de Decreto do Executivo, ou mesmo Resoluções do Legislativo ou Judiciário, sob pena de inconstitucionalidade formal .

• a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal .

• os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;

• é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração pessoal do serviço público;

• os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados, para fins de concessão de acréscimos ulteriores , sob o mesmo título ou idêntico fundamento; a Constituição em vigor veda o denominado efeito-repicão, isto é, que uma mesma vantagem seja repetitivamente computada, alcançando a proibição os proventos da aposentadoria;

    • o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39 § 4.°, 150, II, 153, III, e 153, § 2.°, I ;


 

• a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;

• somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de atuação ;


 

    

• depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada;

• ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;

• a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos;

• a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: as reclamações relativas a prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5.°, X e XXXIII; a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública;

• a lei disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante de cargo ou emprego da administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações privilegiadas;

• a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: o prazo de duração do contrato; os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes; a remuneração do pessoal;

• é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI;

a. a de dois cargos de professor;

b. a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

c. a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com

profissões regulamentadas. (EC n.° 34/01)


 

• a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.


 

    

3.1 Fixação do teto salarial do funcionalismo


 

Conforme a Emenda Constitucional n.° 19/98, a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 37, XI).

Trata-se, pois, de norma constitucional de eficácia limitada a edição de lei ordinária. Em relação à ausência de aplicabilidade imediata do presente preceito, "O Supremo Tribunal Federal, reunido em Sessão Administrativa, deliberou, por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que não é auto-aplicável a norma constante do art. 29 da Emenda Constitucional n.° 19/98, por entender que essa regra depende, para efeito de sua plena incidência e integral eficácia, da necessária edição de lei, pelo Congresso Nacional, lei essa que deverá resultar de projeto de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal, nessa mesma Sessão Administrativa, entendeu que, até que se edite a lei definidora do subsídio mensal a ser pago a Ministro do Supremo Tribunal Federal, prevalecerão os três (3) tetos estabelecidos para os Três Poderes da República, no art. 37, XI, da Constituição, na redação anterior a que lhe foi dada pela EC 19/98, vale dizer: no Poder Executivo da União, o teto corresponderá à remuneração paga a Ministro de Estado; no Poder Legislativo da União, o teto corresponderá à remuneração paga aos Membros do Congresso Nacional; e no Poder Judiciário, o teto corresponderá à remuneração paga, atualmente, a Ministro do Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal, na Sessão Administrativa hoje realizada, declarou que não dispõe de competência, para, mediante, ato declaratório próprio, definir o valor do subsídio mensal. Essa é matéria expressamente sujeita a reserva constitucional de lei em sentido formal".


 

        

    Observe-se que esse dispositivo aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral (CF, art. 37, § 9.°) . As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal já haviam firmado jurisprudência no sentido de que as vantagens de caráter pessoal não deveriam ser computadas em virtude do teto original previsto no inciso XI, do art. 37, da Constituição Federal. Entendemos, contudo, que com a alteração do texto constitucional, não haverá mais dúvidas sobre a inclusão das vantagens pessoais para fins de teto salarial, para a fixação de subsídios futuros.


 

    

4 CONCURSO PÚBLICO


 

Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros, natos ou naturalizados , aos portugueses equiparados que preencham os requisitos estabelecidos em lei e, desde a promulgação da Emenda Constitucional n.° 19, em 4-6-1998, aos, estrangeiros, na forma da lei, sendo vedada qualquer possibilidade de discriminação abusiva, que desrespeite o princípio da igualdade, por flagrante inconstitucionalidade.


 

    Em relação aos estrangeiros, trata-se de alteração saudável em nossa legislação constitucional, uma vez que o acesso aos cargos e empregos públicos está englobado em uma previsão fundamental maior, a do inciso XIII do art. 5.° da Constituição Federal, que consagra o direito fundamental de profissão, arte e ofício, aplicável tanto a brasileiros quanto a estrangeiros, não se justificando uma vedação absoluta do estrangeiro ao acesso aos cargos e empregos públicos. Ressalte-se que essa vedação absoluta não existia na vigência das duas Constituições anteriores. Pontes de Miranda, ao comentar o art. 184 da Constituição de 1946 ("Os cargos públicos são acessíveis, a todos os brasileiros, observados os requisitos que a lei estabelecer"), observava que "o princípio de igual acessibilidade dos cargos públicos aos Brasileiros não excluiria, por si só, a lei que permitisse entrada no serviço público a estrangeiros; porém há princípio de privilégio dos Brasileiros natos e princípio de privilégio dos Brasileiros em geral, conforme ressalta em textos expressos da Constituição". Analisando a situação na vigência da Constituição anterior (CF, art. 97), Celso de Mello afirmava que "os estrangeiros, aí incluídos os portugueses que não requererem os benefícios da equiparação, não podem titularizar cargos públicos entre nós. Podem, no entanto, ser contratados pela Administração Pública".


 

Seguiu-se, portanto, a tendência iniciada com a Emenda Constitucional n.° 11/96, que facultou as universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.

O acesso de estrangeiros aos cargos, empregos e funções públicas não ocorrerá imediatamente à partir da Emenda Constitucional n.° 19/98, por tratar-se de norma constitucional de eficácia limitada à edição de lei, que estabelecerá a necessária forma. Essa lei não poderá, logicamente, estabelecer diferenciações arbitrárias e abusivas, privilegiando determinados estrangeiros em detrimento de outros, tão-somente em razão do país de origem. Ressalte-se, por fim, que essa nova previsão constitucional aplica-se igualmente aos estrangeiros residentes ou não no país, uma vez que a norma constitucional poderá ser utilizada, a partir da edição da necessária lei, para permitir a acesso a cargos, empregos ou funções públicas em repartições brasileiras no exterior (como por exemplo: tradutor oficial, contínuos, motoristas, recepcionistas de consulados etc. ) .


 

Existe, assim, um verdadeiro direito de acesso aos cargos, empregos e funções públicas, sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verdadeiros agentes do poder, no sentido de ampla possibilidade de participação da administração pública.

A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A primeira exceção constitucional exige que a lei determine expressamente quais os cargos de confiança que poderão ser providos por pessoas estranhas ao funcionalismo público e sem a necessidade do concurso público.

Ressalte-se que, a alteração da redação do inciso V, do art. 37, pela EC n.° 19/98, determinando que as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, não alterou esse quadro, permitindo-se, ainda, a delegação do exercício de funções de confiança a pessoas que não pertençam aos quadros da Administração, desde que essas funções não sejam de direção, chefia e assessoramento.

Outra exceção prevista constitucionalmente, permitindo-se a contratação temporária sem concurso público, encontra-se no art. 37, IX, da Constituição Federal. O legislador constituinte manteve disposição relativa à contratação para serviço temporário e de excepcional interesse público, somente nas hipóteses previstas em lei.


 

    

Dessa forma, três são os requisitos obrigatórios para a utilização dessa exceção, muito perigosa, como diz Pinto Ferreira, por tratar-se de uma válvula de escape para fugir à obrigatoriedade dos concursos públicos, sob pena de flagrante inconstitucionalidade:

• excepcional interesse público;

• temporariedade da contratação;

• hipóteses expressamente previstas em lei .


 

A lei mencionada no inciso IX do art. 37 da Constituição é a lei editada pela entidade contratadora, ou seja, lei federal, estadual, distrital ou municipal, conforme a respectiva competência legislativa constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, ressalvadas as exceções constitucionais, é intransigente em relação à imposição à efetividade do princípio constitucional do concurso público, como regra a todas as admissões da administração pública, vedando expressamente tanto a ausência deste postulado, quanto seu afastamento fraudulento, através de transferência de servidores públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foi originariamente admitido.

Dessa forma, as autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, § 1.°. Exceções ao princípio, se existem, estão previstas na própria Constituição. Assim, apesar de o regime de pessoal das entidades paraestatais ser o mesmo dos empregados de empresas privadas, sujeitos à CLT, às normas acidentárias e à justiça trabalhista (CF, art. 114), permanece a obrigatoriedade do postulado do concurso público, mesmo para as empresas que exerçam atividades econômicas, salvo, obviamente, para os cargos ou funções de confiança, por serem instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade.

Os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, igualmente, encontram-se vinculados, em face de explícita previsão constitucional (art. 37, caput), aos princípios que regem a administração pública, entre os quais ressalta, como vetor condicionante da atividade estatal, a exigência de observância do postulado do concurso público (art. 37, II).


 

Além disso, quando contratarem servidores sob o regime da legislação trabalhista, sujeitar-se-ão às regras de reajuste salarial estabelecidas pela própria União.

Importante, também, ressaltar que, a partir da Constituição de 1988, a absoluta imprescindibilidade do concurso público não mais se limita à hipótese singular da primeira investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se às pessoas estatais como regra geral de observância compulsória, inclusive às hipóteses de transformação de cargos e a transferência de servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas das iniciais, que quando desacompanhadas da prévia realização do concurso público de provas ou de provas e títulos, constituem formas inconstitucionais de provimento no serviço público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente admitido. Dessa forma, claro o desrespeito constitucional para investiduras derivadas de prova de títulos e da realização de concurso interno, por óbvia ofensa ao princípio isonômico.

Em conclusão, a investidura em cargos ou empregos públicos depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, não havendo possibilidade de edição de lei que, mediante agrupamento de carreiras, opere transformações em cargos, permitindo que os ocupantes dos cargos originários fossem investidos nos cargos emergentes, de carreira diversa daquela para a qual ingressaram no serviço público, sem concurso público.

O princípio constitucional que exige concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, para a investidura em cargo ou emprego público, aplica-se integralmente ao caso do titular de serventias judiciais (art. 37, II, da CF), e também para o ingresso na atividade notarial e de registro (art. 236, § 3.°, da CF).

O prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período. Durante esse prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira . Uma vez expirado o prazo de validade do concurso, entretanto, a expectativa de direito dos aprovados desfaz-se.

    

Por fim, ressalte-se que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão, através de concurso público.


 

    

5 DIREITOS SOCIAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (LIVRE SSOCIAÇÃO SINDICAL E GREVE)


 

A Constituição Federal ampliou os direitos sociais dos servidores públicos civis , permitindo-lhes tanto o direito à livre associação sindical quanto o direito de greve, este último exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica .


 


 

O legislador constituinte adotou tendência moderna em relação aos direitos sociais, consagrada na Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho, sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito Sindical, e Convenção 151, de 1978, que trata da Proteção Especial ao Direito de Organização e aos Procedimentos de Determinação das Condições de Emprego na Função Pública, cujo art. 9.° proclama que


 

"os funcionários públicos devem beneficiar-se, como os demais trabalhadores, dos

direitos civis e políticos que são essenciais ao exercício normal da liberdade sindical, sob só a reserva das obrigações que lhe venham por seu estatuto e da natureza das funções que exercem".


 

No tocante ao exercício do direito de greve, a jurisprudência firmou-se no sentido de não ser auto-aplicável, principalmente nos chamados serviços essenciais, inscritos no art. 37, VII, da Constituição Federal, dependendo, para seu amplo exercício, de regulamentação disciplinada em Lei . Dessa forma, entende-se a legitimidade do ato da administração pública que promove o desconto dos dias não trabalhados pelos servidores públicos-grevistas.


 

    

Igualmente determina o § 3.° do art. 39, com a redação dada pela EC n.° 19/98, que aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público os seguintes direitos sociais (CF, art. 7.°, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX):

• salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada a sua vinculação para qualquer fim;

• garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

• décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;


 

    • remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

• salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei ;

    

    Redação


 

• salário-família para os seus dependentes;

• duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

• repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

• remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal;

• gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

• licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias;

• licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

• proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

• redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

• proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.


 

Ressalte-se que a EC n.° 19/98, aparentemente, suprimiu dois direitos sociais dos servidores ocupantes de cargos públicos, anteriormente previstos pela redação originária da Constituição de 1988: irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (CF, art. 7.°, VI) e adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei (CF, art. 7.°, XXIII). Em relação, porém, à garantia da irredutibilidade do salário, permanece a garantia, conforme o inciso XV, do art. 37, com a nova redação que lhe deu a EC n.° 19/98 ("o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4.°, 150, II, 153, III, e 153, § 2.°, I").

Ressalte-se, porém, que em relação a outra hipótese, a supressão da incidência de um direito social (art. 7.°, XXIII), aos servidores públicos gerará polêmica, pois, apesar de não haver manifestação conclusiva do Supremo Tribunal Federal, na fundamentação de seus votos, em sede de ação direta de inconstitucionalidade (Adin n.° 939-07/DF), o Ministro Carlos Velloso referiu-se aos direitos e garantias sociais como cláusulas pétreas, enquanto o Ministro Marco Aurélio afirmou a relação de continência dos direitos sociais dentre os direitos individuais previstos no art. 60, § 4.°, da Constituição Federal, e, conseqüentemente, imutáveis.


 


 

Igualmente, na doutrina, Ivo Dantas ao afamar a aplicabilidade imediata dos direitos sociais previstos no art. 7.° da Constituição Federal, fundamenta com o seguinte raciocínio: "sua imediata aplicabilidade, em obediência ao que está determinado no parágrafo 1.° do art. 5.°, sobretudo porque, os Direitos do Trabalhador são Direitos Individuais, e só encontrarão as barreiras do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada". Afirma, ainda, o citado autor que "alguns direitos dos servidores públicos que, embora topograficamente fora do art. 5.°, são, materialmente, direitos individuais".

Concordamos com as posições sustentadas acima, pois entendemos que alguns direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, são cláusulas pétreas, na medida em que refletem os direitos e garantias individuais do trabalhador, uma vez que, nossa Constituição Federal determinou a imutabilidade aos direitos e garantias individuais, estejam ou não no rol exemplificativo do artigo 5.° (CF, art. 60, § 4.°, IV), pois os direitos sociais caracterizam-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, que configura um dos fundamentos de nosso Estado Democrático, conforme preleciona o art. 1.°, IV. Como um dos princípios fundamentais da República, os valores sociais devem, no dizer de Raul Machado Horta, servir "à interpretação da Constituição, para extrair dessa disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador", motivo pelo qual o citado mestre classifica nossa constituição como Constituição Plástica.


 

    

Não foi outro o entendimento unânime do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o limite máximo para os valores dos benefícios do regime geral de previdência social previsto pela EC n.° 20/98, afirmando que o mesmo "não se aplica à licença maternidade a que se refere o art. 7.°, XVIII, da CF, respondendo a Previdência Social pela integridade do pagamento da referida licença", pois, "tendo em vista que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4.°, IV)", o Tribunal afastou "a exegese segundo a qual a norma impugnada imputaria o custeio da licença-maternidade ao empregador, concernente à diferença dos salários acima de R$ 1.200,00, porquanto esta propiciaria a discriminação por motivo de sexo, ofendendo ao art. 7.°, XXX, que é um desdobramento do princípio da igualdade entre homens e mulheres (CF, art. 5.°, I). Levou-se em consideração também que, entre os objetivos fundamentais da República do Brasil, está o de promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3.°, IV)".


 


 

6 SERVIDOR PÚBLICO E DATA-BASE - PRINCÍPIO DA PERIODICIDADE


 

A Emenda Constitucional n.° 19/98 alterou a redação do inciso X do art. 37 determinando que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4.° do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

Ressalte-se a grande inovação dessa alteração, uma vez que expressamente previu ao servidor público o princípio da periodicidade, ou seja, garantiu anualmente ao funcionalismo público, no mínimo, uma revisão geral, diferentemente da redação anterior do citado inciso X, do art. 37, que estipulava que "a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares far-se-á sempre na mesma data", garantindo-se tão-somente a simultaneidade de revisão, mas não a periodicidade.

Em virtude da redação anterior, entendia o STF que inexistia obrigatoriedade de envio do projeto de lei pelo Presidente da República, detentor da iniciativa privativa de leis que disponham sobre aumento da remuneração de servidores públicos (CF, art. 61, § 1.°, II, a), em face da ausência do princípio da periodicidade para revisão do funcionalismo público, afirmando que:


 

"não confere aos servidores públicos o direito a uma data-base. Sem estabelecer um princípio de periodicidade, esse dispositivo apenas garante a simultaneidade, generalidade e igualdade da revisão da remuneração dos servidores públicos civis e militares. Em conseqüência, o Presidente da República - a quem compete com exclusividade a iniciativa de leis que disponham sobre aumento da remuneração de servidores públicos (CF, art. 61, § 1.°, II, a) - não está obrigado a encaminhar ao Congresso Nacional projeto de lei com esse conteúdo. Baseado nesse entendimento, o Tribunal indeferiu mandando de segurança impetrado por partidos políticos, contra a alegada omissão do Presidente da República em propor ao Congresso o reajuste da remuneração dos servidores federais" .


 


 

Com a nova redação, obviamente, a obrigatoriedade do envio de pelo menos um projeto de lei anual , tratando da reposição do poder aquisitivo do subsídio do servidor público, deriva do próprio texto constitucional.


 

    

Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, tratar-se de "norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, § 1.°, II, a, da CF"; concluindo que "seu atraso configurou-se desde junho/1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC n.° 19/98".


 

7 CUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS NO SETOR PÚBLICO


 

A regra constitucional (CF, art. 37, XVI) é pela vedação de qualquer hipótese de acumulação remunerada de cargos públicos, exceto quando houver compatibilidade de horários:

• a de dois cargos de professor ;

• a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

• a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas .


 


 

O inciso XVI, do art. 37 aplica-se, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, às hipóteses de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas .


 

A Emenda Constitucional n.° 19/98 criou, para as hipóteses possíveis de cumulação de cargos públicos , uma limitação salarial, ao determinar que a remuneração e o subsídio, decorrentes da cumulação dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderá exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.


 

    

Essa norma de proibição de acumular estende-se, nos termos da EC n.° 19/98, a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público .


 

As regras constitucionais de cumulação de vencimentos no setor público são de observância obrigatória aos Estados-membros e municípios que não poderão afastar-se das hipóteses taxativamente previstas pela Constituição Federal .


 


 

Conforme decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, o momento inicial para a verificação da vedação de acumulação de proventos e vencimentos, nos termos do art. 37, XVI, da Constituição Federal e a data da promulgação da Constituição de 1988 e não a data estabelecida pelo TCE, cujas decisões não possuem caráter vinculante.

O Supremo Tribunal Federal, interpretando a referida previsão constitucional concluiu que, igualmente, não se podem acumular proventos com remuneração na atividade, quando os cargos efetivos de que decorrem ambas as remunerações não sejam acumuláveis na atividade .


 

    A Emenda Constitucional n.° 20/98 reiterou esse posicionamento jurisprudencial ao estabelecer ser vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos constitucionalmente acumuláveis, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração .


 

Ressalte-se, porém, que a EC n.° 20/98 trouxe uma regra de transição, estabelecendo que essa vedação não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a sua publicação tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal. Nessas hipóteses, haverá a possibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, respeitando-se porém o limite do teto salarial do funcionalismo público, equivalente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.


 

    Assim, a acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição, inclusive proibindo a Constituição que o juiz exerça, ainda que em disponibilidade ou mesmo aposentado, outro cargo ou função pública, salvo uma de magistério (art. 95, parágrafo único, inciso I), pois:

"O instituto de aposentadoria é, antes de tudo, uma conquista social, fundada em um princípio de justiça que não permite o abandono na miséria, depois da velhice ou da invalidez, daquele que prestou o seu serviço ao Estado" (Themístocles Cavalcanti) "e não um meio de ganhar mais do Estado, num país em que o desemprego alcança taxas altíssimas."

Além disso, a EC n.° 20/98 estabeleceu a vedação a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime previdenciário do art. 40 da Constituição Federal, ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis constitucionalmente . Nesses casos, onde será permitida constitucionalmente a acumulação de duas aposentadorias, não haverá possibilidade de se exceder o valor referente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.


 

    Note-se que, mesmo na hipótese excepcional onde a EC n.° 20/98 permitiu a acumulação de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou função pública (CF, art. 37, § 10), não será possível a percepção de mais de uma aposentadoria à conta do regime previdenciário do art. 40 da CF.


 

    


 

8 LICITAÇÃO: INTERPRETAÇÃO DE ACORDO COM A FINALIDADE CONSTITUCIONAL


 

8.1 Da necessidade da licitação


 

O legislador constituinte, com a finalidade de preservação dos princípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade, probidade e da própria ilesividade do patrimônio público determinou no art. 37, XXI, da Constituição Federal, a regra da obrigatoriedade da licitação.

Enquanto os particulares desfrutam de ampla liberdade na contratação de obras e serviços, a Administração Pública, em todos os seus níveis, para fazê-lo, precisa observar, como regra, um procedimento preliminar determinado e balizado na conformidade da legislação. Em decorrência dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e probidade administrativa, os contratos que envolvem responsabilidade do erário público necessitam adotar a licitação, sob pena de invalidade, ou seja, devem obedecê-la com rigorosa formalística como precedente necessário a todos os contratos da administração, visando proporcionar-lhe a proposta mais vantajosa e dar oportunidade a todos de oferecerem seus serviços ou mercadorias aos órgãos estatais, assegurando, assim, sua licitude. A participação da administração pública no pacto contratual compromete a res pública, devendo, portanto, sua conduta pautar-se pelos imperativos constitucionais e legais, bem como pela mais absoluta e cristalina transparência.

Como salienta Celso Antonio Bandeira de Mello,


 

"o acatamento aos princípios mencionados empece - ou ao menos forceja por empecer - conluios inadmissíveis entre agentes governamentais e terceiros, no que se defende a atividade administrativa contra negócios desfavoráveis, levantando-se, ainda, óbice a favoritismo ou perseguições, inconvenientes com o princípio da igualdade".


 

Ora, o administrador público deve pautar-se em suas condutas na Constituição e nas leis, para garantir o princípio da legalidade e o da igualdade de possibilidades de contratar com o Poder Público. Dessa forma, exigível sempre é a realização do procedimento licitatório, com o fim de afastar o arbítrio e o favorecimento.

Conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "o procedimento licitatório há de ser o mais abrangente possível, dando azo à participação do maior número possível de concorrentes. A escolha final há de recair sempre na proposta mais vantajosa para a Administração".

Consoante esta interpretação, em regra, qualquer contratação, sem prévia e necessária licitação, não só desrespeita o princípio da legalidade, como vai mais além, pois demonstra favoritismo do Poder Público em contratar com determinada empresa, em detrimento de todas as demais, que nem ao menos tiveram oportunidade de oferecimento de propostas e verificação de condições, em frontal desrespeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5.°, caput e inciso I, da Constituição Federal).


 

    

8.2 Das hipóteses excepcionais de ausência de licitação


 

Como salienta José Afonso da Silva,


 

"o princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regras, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a administração pública. Constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público".


 

Ora, se a Constituição exige como regra a licitação e, excepcionalmente, admite que a lei defina os casos em que esta poderá ser afastada, claro está que o legislador constituinte propugnou na norma constitucional uma interpretação absolutamente restrita e taxativa das hipóteses infraconstitucionais de dispensa e inexigibilidade do certame licitatório, em respeito ao caráter finalístico da norma constitucional.

Este objetivo, em relação à norma existente no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, é obrigar o Poder Público a licitar, sempre que houver possibilidade de concorrência e de escolha da melhor e mais vantajosa oferta ao Poder Público, sem prejuízo ao interesse público.

A exegese constitucional indica que havendo possibilidade de concorrência, sem prejuízo ao interesse público, deverá haver licitação e somente, excepcionalmente, a dispensa ou a inexigibilidade previstas na legislação ordinária deverão ser aplicadas.

O objetivo colimado pela Constituição Federal está na previsão de que a regra geral é a da obrigatoriedade de se realizar o procedimento licitatório. No entanto, o próprio dispositivo constitucional que estatui essa obrigatoriedade (art. 37, inc. XXI, anteriormente citado) reconhece a existência de exceções à regra de licitar ao efetuar a ressalva dos casos especificados na legislação. Dessa maneira, o legislador constituinte, ao fazer essa ressalva, admitiu a possibilidade de existirem casos em que a licitação poderá deixar de ser realizada, autorizando, assim, a administração pública a celebrar contratações diretas. Tais situações, contudo, configuram-se em exceções à regra geral, sendo as hipóteses de dispensa e inexigibilidade.

Concordamos, portanto, com a conclusão de Sérgio Ferraz e Lúcia Valle Figueiredo de que a dispensabilidade não afasta, em princípio, e fatalmente, a incidência do requisito da licitação. Por quê? Para o homem do Direito, é muito importante que se tente sempre amarrar a construção doutrinária e a elaboração conceituai, num patamar irredutível... A licitação existe, em termos de embasamento constitucional, para a realização dos princípios vetoriais, dos princípios fundamentais, da Lei das Leis.


 

    

8.3 Da dispensa da Licitação


 

Ao legislador ordinário, portanto, não será possível, em desrespeito aos preceitos constitucionais, estabelecer arbitrariamente hipóteses de dispensa de licitação. Se não houver razoabilidade ou compatibilidade da dispensa legal com os princípios constitucionais que norteiam a necessidade de licitação, haverá flagrante inconstitucionalidade.

A mesma obrigatoriedade exigida para o legislador, que deve, no exercício da função legiferante, visar ao fim colimado pela constituição, é imposta e deverá ser obedecida pelo Poder Judiciário, no momento de analisar as hipóteses legais de dispensa da licitação perante o caso concreto, pois sempre a interpretação deve estar de acordo com a previsão constitucional da exigibilidade do certame licitatório, não havendo, pois, possibilidade de interpretações extensivas, que alarguem as hipóteses de dispensa.


 

8.4 Da inexigibilidade da licitação


 

Diferentemente da dispensa da licitação, ocorrerão as hipóteses de inexigibilidade quando houver impossibilidade jurídica de competição entre os diversos contratantes, seja pela específica natureza do negócio, seja pelos objetivos visados pela administração pública.

Como já exaustivamente analisado, a licitação é praxe exigida constitucionalmente, e tanto o legislador quanto o intérprete deverão, sempre, procurar atingir o fim colimado pela constituição, em respeito, principalmente, aos princípios da igualdade, legalidade e moralidade pública. Contudo, existirão situações em que os interesses da administração, e conseqüentemente, o interesse público, ficarão mais bem resguardados com a não-realização do certame licitatório. Na inexigibilidade há a inviabilidade da licitação por impossibilidade do processo de competição entre os participantes. Dessa forma, será inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, que tornará impossível a comparação, necessária e indispensável ao certame licitatório.

Da mesma forma, Eros Roberto Grau afirma que se houver possibilidade de competição, a licitação será indispensável, pois


 

"a competição de que se trata, objetivo visado pela licitação, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quanto pretendam acesso a contratações da administração".


 

8.5 Conclusão


 

A Constituição Federal exige a licitação na contratação de obras, serviços, compras e alienações da administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pois o princípio da licitação representa exigência superior da própria moralidade administrativa e, como tal, a sua dispensa deverá ocorrer excepcionalmente em casos expressamente especificados em lei, respeitando sempre o interesse público.


 

    

A função de administrador da coisa pública, além de compreender a condução da unidade política, corresponde a realização de atos e contratos de natureza negocial, envolvendo bens e serviços de que necessita para o desenvolvimento das próprias atividades.

Assim, se de um lado haverá necessidade de depurar, tanto quanto possível, tais atos e contratos de toda possibilidade de riscos e prejuízos afetos, geralmente, ao particular ou à empresa privada, de outro lado, da parte dos fornecedores desses bens e serviços, ter-se-á de manter uma situação de igualdade e abrangência, diante da administração pública, mediante a observação do processo de concorrência de todos os interessados, que é o processo de licitação. A licitação representa, portanto, a oportunidade de atendimento ao interesse público, pelos particulares, numa situação de igualdade.

Portanto, qualquer atividade do legislador ordinário, ou mesmo qualquer análise interpretativa sobre as hipóteses de dispensa e inexigibilidade da licitação, deverá ser taxativa e restritiva, em obediência aos fins colimados pela norma constitucional.


 

9 PUBLICIDADE DOS ATOS, PROGRAMAS, OBRAS, SERVIÇOS E CAMPANHAS DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS


 

Por ausência de previsão constitucional anterior, que regulamentasse a publicidade da atuação do Poder Público, tornou-se generalizada a prática de grandiosas e complexas promoções pessoais de autoridades componentes da autoridade pública, em especial, dos próprios chefes do Poder Executivo, nas três esferas da Federação, realizadas às custas do erário público.

Tais hipóteses, atualmente, estão expressamente vedadas pela Constituição Federal, que determina que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (CF, art. 37, § 1.°).

O legislador constituinte, ao definir a presente regra, visou a finalidade moralizadora, vedando o desgaste e o uso de dinheiro público em propagandas conducentes à promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, seja por meio da menção de nomes, seja por meio de símbolos ou imagens que possam de qualquer forma estabelecer alguma conexão pessoal entre estes e o próprio objeto divulgado. E o móvel para esta determinação constitucional foi a exorbitância de verbas públicas gastas com publicidade indevida.

Como salienta Sérgio Andréa Ferreira, ao comentar o art. 37, § 1.°, da Constituição Federal,


 

"o dispositivo em exame tem por objetivo coibir a prática das mais comuns nas administrações brasileiras, a dos governantes e administradores especialmente o chefe do poder executivo, valerem-se dos dinheiros públicos para, a pretexto de divulgar ou simplesmente identificar obras e realizações governamentais, que nada mais são do que o cumprimento das obrigações administrativas, fazerem publicidade de seus nomes, e de seus partidos, com vistas a futuras eleições. Antigamente, o expediente consistia, tão-somente, em apor, na placa de aviso de realização de serviços, a menção a `Obra do Governo...' Hoje em dia, com os meios sofisticados de publicidade, de marketing, de merchandising, de uso dos mídia eletrônicos, de comunicação de `massa', os gastos são colossais com a propaganda oficial. Diante do texto constitucional vigente, as formas são mais sutis, sem menção a nomes, mas constituindo, caracterizadamente, a promoção pessoal vedada pela CF. Tudo isso, é óbvio, constitucionalmente está vedado, ainda que assuma a feição de fraude à lei. Expediente igualmente utilizado consiste na propaganda através do Diário Oficial, inclusive de suplementos ao mesmo".


 

    

Note-se, portanto, que a publicidade não está vedada constitucionalmente, pois o princípio da publicidade dos atos estatais, e mais restritamente dos atos da administração, inserido no caput do art. 37, é indispensável para imprimir e dar um aspecto de moralidade à administração pública ou à atuação administrativa, visando o referido princípio, essencialmente, proteger tanto os interesses individuais, como defender os interesses da coletividade mediante o exercício do controle sobre os atos administrativos. Porém, está condicionada à plena satisfação dos requisitos constitucionais, que lhe imprimem determinados fins: caráter educativo, informativo ou de orientação social; e, ausência de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos .


 

Não poderão as autoridades públicas utilizarem-se de seus nomes, de seus símbolos ou imagens para, no bojo de alguma atividade publicitária, patrocinada por dinheiro público, obterem ou simplesmente pretenderem obter promoção pessoal, devendo a matéria veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalidade constitucional de educar, informar ou orientar, e não sirva, simplesmente, como autêntico marketing político .


 

Lembremo-nos da lição precisa de Celso Bastos e Ives Gandra, citando exemplo clássicos da vida política de nosso país, ao afirmarem que "a regra é bastante rigorosa. Proíbe a aparição de imagem da autoridade e mesmo a sua referência por meio da invocação do seu nome ou de qualquer símbolo que produza igual efeito. Lembre-se que alguns políticos ficaram conhecidos por certos objetos, por exemplo, vassoura (Jânio Quadros), marmita (Hugo Borgui). É uma lástima constatar que até agora não tenha havido uma aplicação drástica deste preceito. Ainda é freqüente ver-se nos órgãos de comunicação matérias que não atendem aos pressupostos positivos ou negativos da atividade de publicidade".

Importante ressaltar que o desrespeito aos requisitos constitucionais do art. 37, § 1.°, em clara afronta aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa e da proibição expressa do uso de nome, símbolo ou imagem que caracterize promoção pessoal da autoridade, havendo, pois aproveitamento do dinheiro público para realização de promoção pessoal, caracterizam ato de improbidade, legitimando o Ministério Público, no exercício da competência contemplada no art. 129, II e III, a exercer a fiscalização do cumprimento constitucional e a aplicação das sanções previstas, constitucional e legalmente, independentemente da utilização da ação popular para anulação do ato.


 

    

Essa conduta desvirtuada do agente político, visando sua autopromoção com a utilização de verbas públicas, afronta os princípios nucleares da ordem jurídica, com a obtenção de vantagens patrimoniais e políticas indevidas às expensas do erário, através do exercício nocivo de seu mandato político, e acarreta a infringência do art. 37, §§ 1.° e 4.°, da Constituição Federal, de forma, como já citado, de configurar-se ato de improbidade, cujas sanções constitucionais são previstas no próprio § 4.°, do citado art. 37, da Carta Magna, dotado de eficácia e de sanção: os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.


 

    

Anote-se que a previsão das hipóteses configuradoras de atos de improbidade, bem como sua regulamentação e procedimento de responsabilização, foi dada pela Lei n.° 8.429/92. O desrespeito às regras constitucionais da publicidade enquadra-se nas previsões dos arts. 9.° ("Constitui-se ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1.° desta lei...") e 11, I ("Constitui-se ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres da honestidade, legalidade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência) da citada lei.


 


 

10 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


 

O art. 37, § 4.°, da Constituição Federal determina que os atos de improbidade administrativa importarão:

• a suspensão dos direitos políticos;

• a perda da função pública;

• a indisponibilidade dos bens;

• o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível.


 

A constituição estabelece que a forma e a gradação das sanções decorrentes de ato de improbidade serão previstas em lei (Lei n.° 8.429/92). Assim, para que se evite o perigo de uma administração corrupta caracterizada pelo descrédito e ineficiência, o legislador editou a Lei n.° 8.429/92, com o intuito de prevenir a corrosão da máquina burocrática do Estado.


 

11 AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE


 

A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio público por ato de improbidade, quanto a aplicação das sanções do art. 37, § 4.°, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.

O art. 129, III, da Constituição Federal, estabelece como uma das funções institucionais do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Essa disposição constitucional ampliou o rol previsto no art. 1.°, inciso IV, da Lei Federal n.° 7.347/85, para incluir a defesa, por meio de ação civil pública, de interesses transindividuais, possibilitando a fixação de responsabilidades (ressarcimentos ao erário; perda do mandato; suspensão dos direitos políticos; aplicação de multas) por prejuízos causados não só aos interesses expressamente nela previstos, mas também quaisquer outros de natureza difusa ou coletiva, sem prejuízo da ação popular. Entre estes outros interesses não previstos na lei citada, destaca-se a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, ambos de natureza indiscutivelmente difusas.

A Lei Federal n.° 7.347/85 é norma processual geral para a tutela de interesses supra-individuais, aplicando-se a todas as outras leis destinadas a defesa desses interesses, como a Lei Federal n.° 8.429/92, conforme artigos 17 e 21.


 

Esta disposição integra-se ao art. 83 da Lei Federal n.° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que determina a admissão de qualquer pedido para tornar adequada e efetiva a tutela aos interesses transindividuais, ou seja, possibilita a formulação de qualquer espécie de pedido de provimento jurisdicional, desde que tenha por objetivo resguardar defesa do interesse em jogo.

Note-se, igualmente, que os arts. 110 e 117, da referida Lei n.° 8.078/90, inseriram na Lei da Ação Civil Pública (Lei n.° 7.347/85) o inciso IV do art. 1.° e o art. 21, estendendo, de forma expressa, o que a Constituição Federal havia estendido de maneira implícita, ou seja, o alcance da ação civil pública à defesa de todos os interesses difusos.

O referido inciso IV do art. 1.°, introduzido no texto da Lei da Ação Civil Pública, cuida de uma norma de encerramento, exemplificativa, que se aplica a todo e qualquer direito ou interesse difuso, coletivo ou individual tratado coletivamente, ao passo que o art. 21 possibilita não apenas pedido condenatório ou cautelar, mas qualquer pedido, de qualquer natureza.

Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que constitui nada mais do que uma mera denominação das ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais.

Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão no art. 12 da Lei n.° 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4.°, da Constituição Federal) e art. 3.° da Lei Federal n.° 7.347/85 .


 

    

É esse o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, que afirmou que "o campo de atuação do MP foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1.° da Lei n.° 7.347/85". Reiterando esse posicionamento, decidiu o STJ que "tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública visando ao ressarcimento de danos ao erário público", concluindo no sentido de que "conforme alguns precedentes da Corte, é legítimo ao Ministério Público propor ação civil pública visando a proteção do patrimônio público, uma vez que o texto constitucional/88 (art. 129, III), ampliou o campo de atuação do MP, colocando-o como instituição de substancial importância na defesa da cidadania".


 

A Lei da Ação Civil Pública é de natureza essencialmente processual, limitando-se a disciplinar os aspectos processuais da tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Alberga a lei material a relação de subordinação dos aspectos de direito material dos bens protegidos pela lei em questão.

Ao escrever sobre a ação civil pública, Hely Lopes Meirelles confirmou sua natureza eminentemente processual, afirmando que


 

"a ação e a condenação devem fundar-se em disposição de alguma norma substantiva (da União, dos Estados ou Municípios) que tipifique a infração a ser reconhecida ou punida pelo Judiciário, independentemente de qualquer outra sanção administrativa ou penal, em que incida o infrator".


 

Conclui-se, portanto, que a Lei da Ação Civil Pública é a lei processual, pelo que a hipótese motivadora da ação e possibilitadora da condenação por ato de improbidade administrativa se baseia nas disposições da Lei n.° 8.429/92, norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas constitucionalmente no art. 37, § 4.°, da Constituição Federal, corroborando-se a lição de Pazzaglini, Elias Rosa e Fazzio, de que


 

"ação civil pública, no caso da improbidade administrativa, é ação civil de interesse público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um instrumento para a proteção de um bem, cuja preservação interessa à toda a coletividade".


 

12 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO


 

A Constituição Federal prevê que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva. Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.


 

    

O Supremo Tribunal Federal, em relação à responsabilidade civil do Poder Público, afirma:

"A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417).

O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50)."

As características básicas do preceito constitucional consagrados da responsabilidade civil objetiva do Poder Público (CF, § 6.° do art. 37) são:

• as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;

    • a obrigação de reparar danos patrimoniais decorre de responsabilidade civil objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas de direito público ou pelas de direito privado prestadoras de serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos indivíduos, deve reparar esses danos, indenizando-os, independentemente de ter agido com dolo ou culpa;

• os requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência do dano; nexo causal entre o eventus damni e a ação ou omissão do agente público ou do prestador de serviço público; a oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado;

• no Direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é objetiva, com base no risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite abrandamentos. Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior , caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima;

• havendo culpa exclusiva da vítima, ficará excluída a responsabilidade do Estado. Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilidade civil do Estado deverá ser mitigada, repartindo-se o quantum da indenização;

• a responsabilidade civil do Estado não se confunde com as responsabilidades criminal e administrativa dos agentes públicos, por tratar-se de instâncias independentes . Assim, a absolvição do servidor no juízo criminal não afastará a responsabilidade civil do Estado, se não ficar comprovada culpa exclusiva da vítima.

• a indenização do dano deve abranger o que a vítima efetivamente perdeu, o que despendeu, o que deixou de ganhar em conseqüência direta e imediata do ato lesivo do Poder Público, ou seja, deverá ser indenizada nos danos emergentes e nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora, se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art. 5.°, V, da Constituição Federal, será possível a indenização por danos morais;

• a Constituição Federal prevê ação regressiva contra o responsável nos casos de

dolo ou culpa.


 

12.1 Responsabilidade civil do poder público por danos causados a alunos no recinto de estabelecimento oficial de ensino


 

Decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade civil pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno.

A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos".


 

13 SERVIDOR PÚBLICO E MANDATO ELETIVO


 

A Constituição Federal, em seu art. 38, prevê regras especiais de tratamento ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo .

    

• tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;

• investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar por sua remuneração;

• investido no mandato de vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma anterior;

• em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para promoção por merecimento;

• para efeito de benefício previdenciário, no caso de afastamento, os valores serão determinados como se no exercício estivesse.


 

    

14 SISTEMA REMUNERATÓRIO DO SERVIDOR PÚBLICO


 

A redação originária do art. 39 da Constituição Federal previa que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituiriam, no âmbito de sua competência, ou seja, em cada esfera governamental, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

Como salientado por Alvacir Correa dos Santos,


 

"percebe-se, pela redação da norma, que o objetivo foi o de unificar, no âmbito de cada esfera de governo (federal, estadual, distrital e municipal), o regime jurídico dos servidores da Administração direta, autarquias e fundações públicas. O princípio da isonomia, por certo, inspirou o constituinte, no particular, já que referidos servidores estarão submetidos, entre si, aos mesmos direitos e obrigações perante a entidade política a que servem".


 

A Emenda Constitucional n.° 19, promulgada em 4-6-1998, extinguiu com o regime jurídico único dos servidores públicos, substituindo-o pela obrigatoriedade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios instituírem um conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

Além disso, a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

• a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

• os requisitos para a investidura;

• as peculiaridades dos cargos.


 

Ressalte-se, porém, que a conduta do conselho de política de administração e remuneração de pessoal deverá pautar-se dentro do estrito respeito ao princípio da igualdade, não havendo a possibilidade de fixação de padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório com diferenciações em razão de sexo, religião, raça, convicções políticas, filosóficas ou classe social, pois como salientado pelo Supremo Tribunal Federal, "O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é - enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica - suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público - deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei e (b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei - que opera numa fase de generalidade. puramente abstrata - constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a eiva de inconstitucionalidade".

Como bem salientado por Maurício Ribeiro Lopes, "trata-se de forma hábil imaginada pelo legislador reformista para, sem romper o princípio da igualdade, permitir a reconstrução de escalas de vencimentos e valorização de algumas carreiras técnicas, politicamente frágeis".

A Emenda Constitucional n.° 19/98 determinou, ainda, de forma obrigatória, para o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais e, de forma facultativa, para os servidores públicos organizados em carreira, que suas remunerações serão exclusivamente por subsídio fixado em parcela única; vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, duas regras previstas nos incisos X e XI do art. 37:


 

• a remuneração dos servidores públicos e o subsídio somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices (CF, art. 37, X). Note-se que não há inconstitucionalidade do Estado-membro que estabelece em sua Constituição estadual data limite para o pagamento de vencimentos, corrigindo-se monetariamente seus valores se pagos em atraso, pois a jurisprudência do STF já pacificou o entendimento de que trata-se de dívida de caráter alimentar, não ofendendo o princípio da independência dos Poderes, pois não implicam a criação de cargos ou o aumento de remuneração, nem ferem o poder de iniciativa exclusiva do Governador do Estado;

• a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 37, XI).


 

Ressalte-se, ainda, que Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no já citado art. 37, XI.


 

    

15 REGRA GERAL DE APOSENTADORIA DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL


 

O art. 40 da Constituição Federal, com a nova redação dada pela EC n.° 20/98, assegura aos servidores públicos regime de previdência de caráter contributivo, observando-se critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, prevendo as seguintes regras gerais de aposentadoria para os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações:

• por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei;

• compulsoriamente, aos 70 anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição;

• voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:

a. 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, se homem, e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher;

b. 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.


 

O art. 4.° da EC n.° 20/98 determina que "o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição". Ressalte-se, ainda, que o § 10, do art. 40, com a redação dada pela EC n.° 20/98, prevê que "a lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício".

Observe-se que a EC n.° 20/98 prevê em relação aos professores a redução dos requisitos de idade e tempo de contribuição em cinco anos, de forma a poderem aposentar-se voluntariamente aos 55 anos de idade e 30 de contribuição, se homem, e 50 anos de idade e 25 de contribuição, se mulher.

Essa redução refere-se tão-somente à previsão de aposentadoria integral e voluntária de professores que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio .


 


 

A Constituição Federal também prevê que os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

Saliente-se, ainda, que nos termos da EC n.° 20/98, os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração.


 

Em relação à pensão, determina a EC n.° 20/98 que a lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento. Trata-se de preceito auto-aplicável, não necessitando de qualquer integração ordinária para a sua percepção, bem como impede a edição de qualquer lei ou ato normativo que vise restringir o benefício da integralidade da pensão . Essa disposição aplica-se igualmente aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.


 

    

A lei a que se refere a EC n.° 20/98 (§ 7.°, art. 40. Lei disporá sobre a concessão do beneficio da pensão por morte...) não poderá restringir o direito do pensionista ao recebimento da totalidade da remuneração.

O teto salarial do funcionalismo público previsto pela Emenda Constitucional n.° 19/98 e correspondente ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 37, XI), aplica-se integralmente aos proventos de aposentadoria e às pensões .

Os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores na atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei. Essa norma aplica-se aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

A Constituição Federal veda, nas hipóteses acima tratadas, a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, ressalvados os casos de atividades exercidas, exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

Ressalte-se, ainda, que os notários referidos no art. 236 da Constituição Federal estão sujeitos às regras de aposentadoria compulsória em virtude da idade.

Aplica-se, subsidiariamente no que couber, aos servidores públicos titulares de cargo efetivo, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.


 

15.1 Regra de transição de aposentadoria voluntária integral e proporcional


 

A EC n.° 20/98, em seu art. 8.°, assegurou o direito à aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo com o art. 40, § 3.°, da Constituição Federal, àquele que tivesse ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública, direta, autárquica e fundacional, até a data de sua publicação, desde que o servidor preenchesse cumulativamente os seguintes requisitos:

• 53 anos de idade, se homem, e 48 anos de idade, se mulher;

• cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;

• tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a. 35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher; e

b. um período adicional de contribuição equivalente a 20% do tempo que, na data da publicação da EC n.° 20/98, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.

Em razão da cumulatividade dos requisitos, a regra de transição fixou idades mínimas para a aposentadoria integral do homem (53 anos) e da mulher (48 anos).

Pergunta-se, a título exemplificativo, qual seriam os requisitos para a aposentadoria integral do servidor público homem que contasse, à data da publicação da EC n.° 20/98, com 20 anos de contribuição.

A resposta, com base no novo mandamento constitucional, engloba os seguintes requisitos cumulativos:

• idade mínima de 53 anos;

• cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;

• 38 anos de contribuição, equivalentes à soma dos 35 anos mínimos, por ser homem, e ao acréscimo de três anos, correspondente ao percentual de 20% sobre 15 anos (a diferença entre os 35 anos mínimos e os 20 já contribuídos). Dessa forma faltariam 18 anos de contribuição.


 

O servidor que, mesmo preenchendo os requisitos para aposentadoria pela regra de transição, permanecer em atividade fará jus à isenção da contribuição previdenciária até que complete as novas exigências para a aposentadoria analisadas no item 15.

A EC n.° 20/98 permitiu, ainda, que o servidor possa aposentar-se com proventos

proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:

• 53 anos de idade, se homem, e 48 anos de idade, se mulher;

• cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;

• tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a. 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher; e

b. um período adicional de contribuição equivalente a 40% do tempo que, na data da publicação da EC n.° 20/98, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.


 

    

Igualmente, pergunta-se, a título exemplificativo, quais seriam os requisitos para a aposentadoria proporcional do servidor público mulher que contasse, à data da publicação da EC n.° 20/98, com 20 anos de contribuição.

A resposta, com base no novo mandamento constitucional, engloba os seguintes requisitos cumulativos:

• 48 anos de idade;

• cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;

• tempo de contribuição igual a 27 anos, equivalentes à soma dos 25 anos mínimos, por ser mulher, e ao acréscimo de dois anos, correspondente ao percentual de 40% sobre cinco anos (a diferença entre os 25 anos mínimos e os 20 já contribuídos). Dessa forma, faltariam 7 anos de contribuição.


 

A aposentadoria proporcional corresponderá a 70% do valor máximo que o servidor poderia obter com a aposentadoria integral. Esse valor de 70%, será acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma acima referida do tempo mínimo de contribuição, até o limite máximo de 100%.


 

15.1.1 Regra de transição e magistrados, membros do Ministério Público e Tribunal de Contas


 

As regras de transição acima analisadas aplicam-se, igualmente, ao magistrado e ao membro do Ministério Público e de Tribunal de Contas, conforme preceitua o § 2.° do art. 8.° da EC n.° 20/98.

Porém, no caso de magistrado, membro do Ministério Público ou de Tribunal de Contas do sexo masculino, haverá, para efeito de contagem do tempo de contribuição, um acréscimo de 17% em relação ao tempo de serviço exercido até a publicação da referida emenda.

A razão dessa previsão constitucional está no fato de que até a publicação da EC n.° 20/98, independentemente do sexo, todos os magistrados, membros do Ministério Público e de Tribunais de Contas, aposentavam-se pelas mesmas regras especiais que exigiam 30 anos de serviço para a aposentadoria integral facultativa. Com as alterações constitucionais, as aposentadoria dos magistrados, membros do Ministério Público e de Tribunais de Contas passou a ser regida pelas regras gerais do artigo 40 da Constituição Federal e pelas regras de transição do art. 8.° da EC n.° 20/98, que diferenciam o servidor em razão do sexo.


 


 

Dessa forma, a previsão de um acréscimo de 17% em relação ao tempo de serviço exercido até a publicação da EC n.° 20/98 em relação aos magistrados, membros do Ministério Público e de Tribunais de Contas do sexo masculino, pretende, durante o período de transição, manter a igualdade de maneira a equilibrar as situações, independentemente do sexo.


 

    

15.1.2 Regra de transição para professor


 

A EC n.° 20/98 determinou a possibilidade de o professor, servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que, até a data de sua publicação tivesse ingressado, regularmente, em cargo efetivo e magistério, optar por aposentar-se na forma já descrita no item 15.1. Caso haja essa opção, o professor terá o tempo de serviço exercido até a publicação da EC n.° 20/98 contado com o acréscimo de 17%, se homem, e de 20%, se mulher, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício das funções de magistério.


 

15.2 Regime de previdência complementar no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios


 

A Emenda Constitucional n.° 20/98 autorizou a criação de regimes de previdência complementar para os servidores titulares de cargo efetivo pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Esses regimes de previdência complementar deverão ser criados por lei, no âmbito de cada ente federativo, precedidos porém da edição de lei complementar federal que deve, respeitando os preceitos fixados no art. 202 da Constituição Federal, estabelecer as normas gerais para sua instituição (conferir Capítulo 15, item 1.3.3).

Após a implantação do regime de previdência complementar, será permitido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a fixação de um limite máximo ao valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime previdenciário do servidor público (CF, art. 40). Esse limite máximo será o mesmo estabelecido para os benefícios do regime geral da previdência social, correspondente ao valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), reajustados, a partir da publicação da EC n.° 20/98, de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social. O restante deverá ser arcado pela previdência complementar.

O regime de previdência complementar somente será obrigatório para os servidores titulares de cargo efetivo que ingressarem no serviço público após a data da publicação do ato de sua instituição. Em relação aos servidores titulares de cargo efetivo que já se encontravam no serviço público nessa data, a Constituição Federal prevê o direito de optar ou não, de maneira prévia e expressa, pelo novo sistema.


 

15.3 Emenda Constitucional n.° 20/98 e o respeito aos direitos adquiridos


 

O art. 3.° da EC n.° 20/98 assegurou a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos servidores públicos, bem como a seus dependentes, que, até a data de sua publicação, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.

Previu, ainda, a manutenção de todos os direitos e garantias assegurados nas disposições constitucionais vigentes à data de sua publicação aos servidores e militares, inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles que já cumpriram, até aquela data, os requisitos para usufruírem tais direitos.

Ao declarar expressamente o respeito aos direitos adquiridos, pretendeu a EC n.° 20/98 evitar discussões jurídicas nos Tribunais e salvaguardar, de imediato, um dos pilares de qualquer Estado de Direito. Assim, admirável a preocupação do legislador constituinte reformador.

Porém, a ausência dessa norma expressa, por óbvio, não poderia levar ao desrespeito aos direitos adquiridos, por constituírem cláusulas pétreas em nossa Constituição (CF, art. 60, § 4.°, IV c.c. art. 5.°, XXXVI). Nesse sentido consultar extensa fundamentação no capítulo 3, item 20.1 (Previdência social e direitos adquiridos) e no Capítulo 9, item 20 (Emenda Constitucional n.°19/98 e respeito aos direitos adquiridos).

A EC n.° 20/98 pretendeu, ainda, evitar que houvesse um grande número de aposentadorias no setor público, prevendo ao servidor público que tenha completado as exigências para aposentadoria integral e que opte por permanecer em atividade, a isenção em relação a contribuição previdenciária até que complete as novas exigências previstas para a aposentadoria no serviço público (CF, art. 40, § 1.°, III).


 

16 ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL


 

O art. 41 da Constituição Federal consagra a regra de estabilidade do servidor público. Assim, nos termos da Emenda Constitucional n.°19/98, são requisitos para a aquisição de estabilidade do servidor público:

• nomeação para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público;

• efetivo exercício por três anos (estágio probatório) - Ressalte-se, porém, que nos termos do art. 28 da EC n.° 19/98, ficou assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos servidores em estágio probatório à época da promulgação da Emenda Constitucional, sem prejuízo da avaliação especial e obrigatória prevista no próximo tópico;

• avaliação especial e obrigatória de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.


 

    Em regra, os servidores estáveis somente poderão perder o cargo:

• em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

    • mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

• mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.


 

A Emenda Constitucional n.° 19/98 trouxe outra possibilidade de o servidor estável perder o cargo no art. 169 , em norma constitucional de eficácia limitada à edição de lei complementar.

Assim, a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar. Para que esses limites sejam adequados e cumpridos, a própria EC 19/98 previu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:

• redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;

• exoneração dos servidores não estáveis: conforme o art. 33 da EC n.° 19/98, consideram-se servidores não estáveis, para os fins do art. 169, § 3.°, II, da Constituição Federal aqueles admitidos na administração direta, autárquica e fundacional sem concurso público de provas ou de provas e títulos após 5-10-1983. O Supremo Tribunal Federal decidiu em hipótese análoga, referente à relação ao art. 19 do ADCT ("Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são considerados estáveis no serviço público"), "o destinatário do art. 19 do ADCT da Carta Magna, no tocante ao requisito do `exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos continuados', e aquele que esteja vinculado a uma das pessoas jurídicas de direito público ali relacionadas na qualidade de servidor público, embora não admitido na forma regulada no art. 37 da Constituição, sem hiatos quanto a essa relação jurídica, ainda que a títulos diversos, desde que se sucedam sem solução de continuidade".


 

Ocorre, porém, que se essas medidas não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da citada lei complementar, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

A Constituição Federal resguardou ao servidor estável, que perder o cargo na hipótese descrita, o direito à indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço, sendo que o cargo objeto da redução será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.


 

As leis regulamentadoras dessas duas hipóteses de perda do cargo pelo funcionário público (previstas no inciso III do § 1.° do art. 41 e no § 7.° do art. 169) estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado. Na hipótese de insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa.

A administração pública, durante o estágio probatório, avalia a conveniência da confirmação efetiva do servidor concursado no funcionalismo público, aferindo requisitos objetivos que demonstrem sua idoneidade moral, sua eficiência, aptidão, assiduidade, moralidade etc. Mesmo durante o estágio probatório, o funcionário concursado não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade.

O ordenamento jurídico brasileiro consagra a plena independência das instâncias administrativa e penal em relação à apuração de fato ensejador da demissão do funcionário público. Assim, o funcionário estável poderá ser demitido após processo administrativo que tenha observado ampla defesa, mesmo que ainda esteja pendente ação penal sobre o mesmo fato. Ressalte-se que somente haverá repercussão da instância penal na administrativa nas hipóteses em que aquela tenha concluído pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria.

Determina a Constituição Federal, após a EC n.° 19/98, que invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. Ainda, há a previsão de que extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.


 

17 MILITARES DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS


 

A Emenda Constitucional n.° 18, de 5 de fevereiro de 1998, alterou integralmente a redação da Seção III, do Capítulo VIII, do Título III, da Constituição Federal, passando a denominá-la "Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios"; além de alterar a redação de seu único artigo.

Dessa forma, a Constituição Federal passou a tratar em capítulos diversos os Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (CF, art. 42) e as Forças Armadas (CF, art. 142). Como fora salientado em edições anteriores dessa obra, a organização e o regime único dos servidores públicos militares já diferia entre si, até porque o ingresso nas Forças Armadas dá-se tanto pela via compulsória do recrutamento oficial, quanto pela via voluntária do concurso de ingresso nos cursos de formação oficiais; enquanto o ingresso dos servidores militares das polícias militares ocorre somente por vontade própria do interessado, que se submeterá a obrigatório concurso público.

A citada EC n.° 18/98 pretendeu equacionar essa diferença, deslocando o tratamento jurídico-constitucional das Forças Armadas, somente para o art. 142 da Constituição Federal.

Assim, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina.

A própria Constituição Federal, porém, determina a aplicação aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, das disposições previstas no art. 14, § 8.°, no art. 40, § 9.°, e no art. 142, §§ 2.° e 3.°.

Caberá ainda, à lei estadual especificar sobre o ingresso dos Militares dos Estados, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares dos Estados, consideradas as peculiaridades de suas atividades.

As patentes dos militares dos Estados e do Distrito Federal serão conferidas pelo Governador do Estado ou do Distrito Federal.

Por fim, a Emenda Constitucional n.° 18/98 passou a prever expressamente matéria já pacificada na doutrina e jurisprudência, sobre o não-cabimento de habeas corpus em relação ao mérito das punições disciplinares aplicadas aos policiais militares bombeiros dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.


 

18 MILITARES DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS E CARGO PÚBLICO CIVIL


 

18.1 Cargo público civil permanente


 

A Emenda Constitucional n.° 18, de 5 de fevereiro de 1998, determina a aplicação dos §§ 2.° e 3.° do art. 142 da Constituição Federal aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

O art. 142, § 3.°, inciso II, CF prevê que o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei.

Analisando a disciplina constitucional anterior, cuja redação do § 3.° do art. 42, atualmente revogado pela EC n.° 18/98, estipulava que o militar em atividade que aceitasse cargo público civil permanente seria transferido para a reserva, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não estaria assegurada a passagem do militar para a reserva remunerada. Com base nesse entendimento, o Tribunal indeferiu mandado de segurança impetrado por oficial da Aeronáutica contra ato do Presidente da República que, fundado no art. 98, XIV, § 3.°, da Lei n.° 6.880/80 (Estatuto dos Militares), negara autorização para que o impetrante fosse transferido para a reserva remunerada a fim de tomar posse no cargo de professor em escola municipal, para o qual fora aprovado em concurso público. Dessa forma, caberia ao Presidente da República, com base no Estatuto dos Militares, a decisão discricionária sobre a possibilidade ou não da transferência remunerada para a reserva nessa hipótese.

A nova redação constitucional transformou essa hipótese constitucional em norma de eficácia limitada, devendo a lei estabelecer as condições da passagem para a reserva do militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente. Enquanto não for editada nova norma exigida pela EC n.° 18/98, permanece em pleno vigor, pois recepcionada, a Lei n.° 6.880/80 (Estatuto dos Militares).


 

18.2 Cargo, emprego ou função pública temporária


 

O militar dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antigüidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei .


 

19 MILITARES DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS E DIREITOS SOCIAIS


 

Aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios são proibidas a sindicalização e a greve, em face das funções a eles cometidas pela Constituição Federal, relacionadas a tutela da liberdade, da integridade física e da propriedade dos cidadãos.

Entretanto, conforme dispõe o § 1.° do art. 42 da Constituição Federal, com redação dada pelas Emendas Constitucionais n.°s 18/98 e 20/98, aplicam-se aos militares dos Estados e do Distrito Federal o § 3.° do art. 142 da Carta Magna, e, conseqüentemente, os direitos sociais previstos no art. 7.°, VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV a saber:


 

    

• décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

• salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei ;

• gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

• licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias;

• licença-paternidade, nos termos fixados em lei.

• assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas.


 

    Além desses direitos sociais, também estão garantidos aos militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios e a seus pensionistas os seguintes direitos (CF, arts. 40, §§ 7.°, 8.° e 9.° :


 

• a lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento;

• os proventos de aposentadoria e as pensões, observado o disposto no art. 37, XI, serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores na atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei;

• o tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade.


 

20 EMENDA CONSTITUCIONAL n.° 19/98 E RESPEITO AOS DIREITOS ADQUIRIDOS


 

O Congresso Nacional, no exercício do Poder Constituinte derivado, pode reformar a Constituição Federal por meio de emendas, porém respeitando as vedações expressas e implícitas impostas pelo poder constituinte originário, pois somente esse é hierarquicamente inalcançável, enquanto manifestação da vontade soberana do povo.

Note-se que a alterabilidade constitucional, embora possa traduzir-se na alteração de muitas disposições da Constituição, sempre deverá conservar um valor integrativo, no sentido de que deve deixar substancialmente idêntico o sistema originário idealizado pelo legislador constituinte originário.

Nelson Sampaio, citando Cooley, afirma que "as emendas constitucionais não podem ser revolucionárias; elas devem estar em harmonia com o corpo do documento". Não é outro o entendimento exposto por Carl Schmitt, ao afirmar que a possibilidade da Constituição ser reformada, não "quer dizer que as decisões políticas fundamentais que integram a substância da Constituição possam ser suprimidas e substituídas por outras quaisquer pelo Parlamento".

A emenda constitucional somente ingressará no ordenamento jurídico após sua aprovação, passando então a ser preceito constitucional, de mesma hierarquia das normas constitucionais originárias, pois é produzida segundo uma forma e versando sobre conteúdo previamente limitado pelo legislador constituinte originário. Ressalte-se que a Emenda constitucional somente permanecerá no ordenamento jurídico se em sua edição tiver respeitado as limitações expressas e implícitas decorrentes do art. 60 da Constituição Federal (Cf. Capítulo 11, item 4.1).

Dessa forma, reconhece o Supremo Tribunal Federal a total e plena possibilidade de incidência do controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado, sobre emendas constitucionais, a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou não, a partir da análise do respeito aos parâmetros fixados expressa e implicitamente no art. 60, entendendo que


 

"o Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário, que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, § 1.°), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no § 4.° do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício quanto às categorias temáticas ali referidas".


 

Analisando esses limites constitucionais ao poder de alteração constitucional, salientou o Ministro Celso de Mello que


 

"atos de revisão constitucional - tanto quanto as emendas à Constituição - podem, assim também incidir no vício de inconstitucionalidade, configurando este pela inobservância de limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto da Carta Política por deliberação do órgão exercente das funções constituintes primárias ou originárias".


 

    

Uma das regras obrigatórias para o Congresso Nacional no exercício do poder constituinte derivado reformador é a observância das chamadas cláusulas pétreas, verdadeiras limitações materiais ao poder de alteração constitucional e, dentre elas, os chamados direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4.°, IV) .


 


 

Os direitos e garantias individuais, portanto, constituem um núcleo intangível da Constituição Federal, no sentido de preservação da própria identidade da Carta Magna, impedindo sua destruição ou enfraquecimento, pois como ensinado por Konrad Hesse,


 

"a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. (...) A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realidade. Ela logra despertar a força que reside na natureza das coisas, tornando-a ativa. Ela própria converte-se em força ativa que influi e determina a realidade política e social. Essa força impõe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição".


 

Assim, a supremacia da Constituição corresponde à vinculação irrestrita de todos os Poderes do Estado a suas normas, ou como denominado por Canotilho, "a função promocional da constituição, radicalmente antagônica da tese da eficácia zero do direito constitucional".

Dentre os vários direitos e garantias individuais, encontram-se os direitos adquiridos (CF, art. 5.°, XXXVI), consubstanciando-se, pois, em cláusulas pétreas.

Como explicam Carlos Ayres Brito e Valmir Pontes Filho, "quer se trate de direito que se adquire em sede legal, quer se trate daquele que se obtém por virtude da norma constitucional, tudo é matéria tabu para as leis e as emendas à Constituição, indistintamente. Um e outro direito subjetivo são alcançados pelo princípio constitucional da segurança jurídica e, nessa medida, garantidos pela petrealidade de que trata o inciso IV do § 4.° do art. 60 da Carta de Outubro", para depois concluírem que "em síntese, a norma constitucional veiculadora da intocabilidade do direito adquirido é norma de bloqueio de toda função legislativa pós-Constituição. Impõe-se a qualquer dos atos estatais que se integram no processo legislativo, sem exclusão das emendas. Não fosse assim, teríamos que dizer do direito adquirido aquilo que o gênio de Dostoievski hipotetizou em relação ao próprio Deus: Se Deus não existe, então tudo é permitido".

O art. 29 da Emenda Constitucional n.° 19/98, ao estabelecer que "Os subsídios,

vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras espécies remuneratórias adequar-se-ão, a partir da promulgação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título", logicamente, deverá ser interpretado conforme as normas constitucionais originárias e, em especial, de acordo com a já citada cláusula pétrea dos direitos adquiridos. Assim, possuindo o art. 29 da EC n.° 19/98 vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais pétreas e outros não, deverá o intérprete conceder à norma a interpretação que lhe garanta compatibilidade constitucional com a cláusula pétrea de respeito aos direitos adquiridos (CF, art. 60, § 4.°, IV). Como ensina Canotilho, "a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela". Conforme já definido pelo Supremo Tribunal Federal, a técnica da denominada interpretação conforme "só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco".

No presente caso, necessário será a realização de uma interpretação conforme sem redução do texto, de forma a reduzir o alcance valorativo do art. 29 da EC n.° 19/98, com o intuito de compatibilizá-lo com a Constituição, excluindo-lhe a interpretação que lhe conceda retroatividade em relação às situações jurídicas já consolidadas antes da promulgação da Emenda Constitucional n.° 19/98. Como já decidiu a Corte Suprema, "a interpretação conforme é plenamente aceita e utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de dar ao texto do ato normativo impugnado compatibilidade com a Constituição Federal, mesmo se necessário for a redução de seu alcance". Em conclusão, entendemos inadmissível qualquer interpretação da EC n.° 19/98 que possibilite o desrespeito aos direitos adquiridos dos servidores públicos, às vantagens pessoais incorporadas regularmente aos seus vencimentos e, conseqüentemente, integrantes definitivamente em seu patrimônio, em face de desempenho efetivo da função ou pelo transcurso do tempo, como por exemplo anuênios ou qüinqüênios. Irrefutável a argumentação do saudoso Hely Lopes Meirelles, quando afirma que "vantagens irretiráveis do servidor só são as que já foram adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto), ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis)".

Em relação a essas vantagens, consubstanciou-se o fator aquisitivo, configurando-se a existência de direito adquirido, pois conforme salienta Limongi França, "a diferença entre a expectativa de direito e direito adquirido está na existência, em relação a este, de fato aquisitivo específico já configurado por completo". Ora, aqueles que, de forma lícita e reconhecida juridicamente, tenham seus vencimentos atuais superiores ao futuro teto salarial do funcionalismo, correspondente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal

Federal, fixado pelo Congresso Nacional, por meio de lei cuja iniciativa conjunta é do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal, de forma alguma poderão sofrer uma redução salarial, sob pena de flagrante desrespeito à proteção aos direitos adquiridos.

Ivo Dantas corrobora o entendimento do texto, afirmando que "o princípio do Direito adquirido, quando constitucionalmente consagrado, dirigir-se-á, da mesma forma, tanto ao poder Legislativo Ordinário quanto ao poder Reformador, visto que este, como aquele, tem uma natureza de poder Constituído, em decorrência do que, inafastavelmente, estará limitado pela normas constitucionais".

Devemos nos lembrar que se os vencimentos - mesmo que extrapolem futuro teto salarial fixado em lei - estão sendo percebidos, isso decorre da própria interpretação que o Supremo Tribunal Federal pacificou em relação a antiga redação do inciso XI, do art. 37, entendendo que as vantagens de caráter pessoal não deveriam ser computadas no teto original previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal. Assim entendendo, o Pretório Excelso reconheceu que uma determinada vantagem pessoal que acresceu aos vencimentos do servidor público, mesmo acima do teto salarial, incorporou em seu patrimônio, concedendo-lhe direito adquirido à recebê-las, independentemente de futura alteração de regime jurídico.

Aqui, necessário se faz outro esclarecimento. A posição pacificada na jurisprudência da Corte Suprema sobre a inexistência de direito adquirido em relação à imutabilidade do regime jurídico do servidor público, sendo as leis que o alterem aplicáveis desde o início de sua vigência, não afasta a proteção constitucional dos direitos adquiridos relacionados a eventuais vantagens pessoais que já tenham acrescido ao patrimônio do servidor público, pois são coisas diversas.

Como bem ressaltado por Hugo Nigro Mazzilli, os precedentes do STF sobre inexistência de direito adquirido e emenda constitucionais, diziam respeito a pretensa existência de direito adquirido contra a imutabilidade de regime jurídico do servidor, concluindo o referido autor que "ora, não se admitindo direito adquirido à imutabilidade de regime jurídico, obviamente tanto o poder constituinte originário como o derivado podem o alterar livremente, respeitados, neste último caso, apenas os efeitos válidos já consumados sob a ordem jurídica anterior". Assim, por exemplo, um servidor público que tenha ingressado na carreira sob a vigência de determinado regime jurídico que lhe garantisse a percepção de qüinqüênios, ou seja, acréscimo à sua remuneração de determinada verba, como adicional por tempo de serviço, a cada 5 anos, após 10 anos de efetivo serviço terá adquirido pelo transcurso do tempo de serviço (ex facto temporis) direito a integralização ao seu patrimônio desses dois qüinqüênios. Se, futuramente, houver alteração no regime jurídico regente da carreira desse servidor público, ele não mais fará jus à aquisição de novos qüinqüênios à cada 5 anos de efetivo serviço, em face do posicionamento da Corte Suprema pela inexistência de direito adquirido à regime jurídico; porém, em relação aos valores equivalentes aos dois qüinqüênios incorporados aos seus vencimentos, já se constituiu direito adquirido uma vez que já se haviam completado os requisitos legais e de fato para a integralização patrimonial.

Como observa Carlos Maximiliano, "se chama adquirido o direito que se constitui regular e definitivamente e a cujo respeito se completam os requisitos legais e de fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, quer tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior em contrário".

Portanto, em relação à situação ora tratada, afirma Hugo Mazili que "havendo direito adquirido, o poder de emenda à CF e a ordem infraconstitucional devem-lhe respeito".

Dessa forma, nenhum servidor público poderá, à partir da regulamentação da EC n.° 19/98, adquirir qualquer vantagem pessoal ou de qualquer outra natureza, nos termos da nova redação do inciso XI, do art. 37, que exceda ao teto salarial do funcionalismo público, correspondente ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Diferentemente, será o tratamento jurídico-constitucional dos servidores públicos que já tem incorporadas ao seu patrimônio vantagens pessoais juridicamente reconhecidas. Em relação à esses, não haverá possibilidade de retroatividade do presente art. 29, continuando os mesmos a perceberem integralmente seus vencimentos, em face da existência do direito adquirido e a impossibilidade de reconhecer-se uma retroatividade que desconstitua uma situação jurídica perfeita e acabada, consolidada na vigência da norma constitucional originária anterior, acarretando irregular irredutibilidade de vencimentos, devidamente incorporados ao patrimônio.

Em relação ao alcance da garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu tratar-se de cláusula que "veda a redução do que se tem". Dessa forma, como salientado pelo Ministro Celso de Mello,


 

"o Supremo Tribunal Federal, tendo presente a concreta abrangência desse postulado fundamental, enfatizou que `...a garantia constitucional de irredutibilidade de vencimentos (...) torna intangível o direito que já nasceu e que não pode ser suprimido...' (RTJ 118/300, Rel. Min. CARLOS MADEIRA), pois, afinal, a garantia da irredutibilidade incide sobre aquilo que, a título de vencimentos, o servidor já vinha percebendo (RTJ 112/768, Rel. Min. ALFREDO BUZAID). Cumpre ter presente, neste ponto, a sempre relembrada decisão desta Suprema Corte, em período no qual a garantia em causa somente dizia respeito aos membros do Poder Judiciário, na qual se assentou, concernentemente ao tema em debate, que `O que a irredutibilidade veda é a diminuição, por lei posterior, dos vencimentos que o juiz, em exercício antes de sua vigência, estivesse recebendo' (RTJ 45/353, 355, Rel. Min. EVANDRO LINS). Esse entendimento - impõe-se enfatizar - tem sido reiterado em diversos pronunciamentos dessa Corte Suprema, nos quais, por mais de uma vez, já se proclamou que a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos proíbe que o estipêndio funcional seja reduzido ou afetado, por ato do Poder Público, em seu valor nominal (RTJ 105/671, 675, Rel. Min. SOARES MUÑOZ)".


 

    

Não nos esqueçamos da advertência feita por Celso Bastos, de que "a utilização da lei (acrescentaríamos, lei ou espécie normativa) em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra".

Relembre-se, como o faz Ivo Dantas, que o desrespeito ao direito adquirido, permitirá igual tratamento ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

Concluímos com a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro que ao analisar o art. 29 da EC n.° 19/98 afirma que "a norma fere, evidentemente, o preceito constitucional que protege os direitos adquiridos (art. 5.°, XXXVI); é a vontade do poder constituinte derivado prevalecendo sobre a vontade do poder constituinte originário. A exigência de respeito aos direitos adquiridos foi incluída na própria Constituição, entre os direitos que o constituinte originário considerou fundamentais. Se são fundamentais, é porque devem ser respeitados pelo legislador; qualquer que seja a natureza da norma promulgada. Trata-se de princípio geral do direito, que diz respeito à segurança jurídica e que existiria ainda que não previsto no corpo da Constituição".

Saliente-se, ainda, em relação aos órgãos dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e da Instituição do Ministério Público, que a previsão de garantias e prerrogativas constitucionais, tais como a tradicional irredutibilidade de vencimentos, ora denominada pela EC n.°19/98 de irredutibilidade de subsídio, tem a finalidade de preservação da separação dos poderes e da defesa dos direitos fundamentais e, portanto, cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4.°, III e IV), não podendo, pois, haver supressão.